Quando chego na oficina do Tony, já é de tarde e o vejo deitado embaixo de um carro.
— Cheguei, Tony. — anúncio ao entrar.
O melhor amigo de meu pai nunca foi uma pessoa muito organizada e atenta no que se refere a limpeza. Por isso, suspiro ao olhar as marcas de graxa pelo chão. Tony se arrasta para que consiga me olhar. Sempre que volto do hospital, ele me analisa de modo como se conseguisse vislumbrar as rachaduras de minha alma.
— Como ela está?
— Está na mesma. É estranho olhá-la daquele jeito, parece que ela vai abrir os olhos a qualquer momento.
— Tenho certeza que ela vai, Ellie.
— Não sei se sou tão otimista assim. — digo baixinho, mais para eu mesma que para Tony.
Caminho até a pequena cozinha da oficina e procuro por restos de comida.
— Você não almoçou?
Meu tutor franze a testa e olha para fora, para o sol.
— Já é hora do almoço?
Justamente por esse motivo que Deus não o agraciou com o papel de ser pai. Ele com certeza esqueceria de alimentar o próprio filho, igual fez com todas as plantas que esqueceu de regar e acabou matando-as.
— Deus, Tony, o que seria de você sem mim? Vou preparar um lanche para nós.
Pego uma das únicas coisas que Tony mantém na geladeira, ovos, e uma frigideira para fazer ovos fritos com pão. Com isso, ao colocar o lanche em um prato, capricho na apresentação para agradar o mecânico para que ele me empreste seu xodó (mais conhecido como seu carro).
Tony não pode nem sonhar com o que eu faço, visto que, ele não é meu responsável legal e se eu me meter em qualquer enrascada que envolva a polícia, eu posso parar em um abrigo para menores.
— Vai fazer o que hoje à noite? — pergunto, casualmente ao entregar o prato com o lanche para o homem grisalho.
— Eu só quero sentar meu traseiro no meu sofá e tomar uma cervejinha.
Passo o dedo em cima de um móvel empoeirado e brinco com o pó em meus dedos.
— Posso usar seu carro hoje? — digo, tentando parecer distraída e não desesperada para conseguir passe livre com o carro.
Tony me observa enquanto mastiga e sinto um peso no estômago.
— Claro que pode, Ellie. Vai se divertir com seus amigos. Sabe — ele suspira e seus olhos ficam desfocados. — eu fazia muito sucesso com esse carro. As gatinhas amavam.
Reviro os olhos e rio. Tony sempre se perde em pensamentos quando fala do amor de sua vida toda: seu carro.
— Terra chamando Tony. — estralo o dedo em sua frente e ele me olha de novo.
— Certo! Pode usar meu carro, garota, mas tome cuidado. — diz e dá uma piscadela para mim.
— Sim, senhor. Posso ir para casa tomar um banho e me arrumar ou precisa de ajuda aqui?
— Vá ser adolescente, filha. Deixa que o adulto responsável aqui cuida do dinheiro.
Dou um sorriso grato e triste ao mesmo tempo. Tony não sabe que eu arco com os gastos do hospital de minha mãe. Como era o lugar em que ela trabalhava, eles se comprometeram em deixá-la de forma gratuita por 3 meses e quando o prazo terminou, implorei para que não contassem ao Tony. Não me sinto bem em mentir para ele, mas eu não posso contar a verdade, pois o melhor amigo de meu pai perceberia que não daria conta de cuidar de mim e da minha conflituosa vida e, talvez, pudesse me mandar para algum abrigo para que eu tivesse dias melhores.
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Quando sair, apague a luz
RomanceEleanor Evans é uma jovem de 16 anos que teve sua vida mudada completamente após um trágico acidente envolvendo seus pais. Ao se deparar com uma realidade que nunca imaginou passar, Ellie começa a participar de corridas ilegais para conseguir se sus...