— Entra, entra. — peço apressadamente para o garoto.
Entramos no veículo e antes mesmo de colocar um cinto de segurança, dou ré e acelero como se tivesse começado outra corrida. Vejo pelo retrovisor os agressores ficando para trás e comendo terra, literalmente.
Apenas quando saímos para a estrada asfaltada que conseguimos respirar novamente.
— ISSO FOI INCRÍVEL! — o menino grita do nada, tomado pela adrenalina.
— Fala isso porque te livrei do pior.
Ele olha para meu carro, depois me observa atentamente e eu quase consigo ouvir as engrenagens de sua cabeça tentando entender o que aconteceu.
— Quem é você?
Franzo a testa sem tirar os olhos da estrada.
— Eu que deveria fazer essa pergunta. Quem diabos é você e por que estava naquele lugar?
O garoto ainda me encara com atenção e eu levanto uma sobrancelha.
— O quê?
— Você é adolescente. Por que estava em uma corrida ilegal?
— Por que eu deveria contar minha história de vida para alguém que nem me disse o nome?
— Isso é uma pergunta retórica?
Olho de relance para ele. Já me cansando da conversa.
— Você está me fazendo se arrepender de ter te salvado.
O estranho não me responde e quando olho para ver o que aconteceu, vejo-o com sua pele negra pálida demais.
— Ei, você está bem? — pergunto.
— Você pode parar? — responde colocando a mão na boca.
Ele abre a porta assim que eu estaciono no acostamento e ouço-o vomitando na grama. Respiro fundo, pensando em como minha noite ainda seria longa. Desço do carro e sigo para onde o garoto se encontra sentado, respirando calmamente.
— D-Desculpe, eu acho que a fuga me deixou enjoado.
Aproveito seu momento de recuperação para observá-lo. Seus olhos são tão escuros quanto sua pele, seu cabelo preto possui um corte degradê que combina com seu estilo e ele está vestindo uma camiseta de manga comprida verde musgo com uma calça preta.
Quando nossos olhos se encontram, sinto uma tranquilidade que não sentia desde quando meus pais sofreram o acidente. Como se aqueles olhos carregassem toda honestidade do mundo, por isso, sinto um grande impulso de dividir o peso de minhas costas com ele, mas em vez disso, digo algo que pareça o mais normal possível:
— Eu me chamo Eleanor, mas pode me chamar de Ellie.
O garoto sorri.
— Eu me chamo Manuel, mas pode chamar de Manu.
Sento-me ao seu lado na grama e encolho minhas pernas até o peito.
— Eu frequento aquele lugar, porque preciso de dinheiro. — desabafo antes mesmo que eu perceba o que estou fazendo.
Manuel olha para meu rosto, curioso.
— E você? — pergunto em um impulso para o assunto deixar de ser eu.
— Bem, eu fiquei sabendo daquele lugar pelo irmão de um amigo meu. Só que meus melhores amigos não tem coragem de serem rebeldes como eu. — ele estufa o peito.
Solto uma gargalhada.
— Eles não iam te achar rebeldes se tivessem visto sua cara de assustado no meio daqueles caras.
Manu solta uma risadinha, mas logo fica sério.
— Ei, você precisa me prometer não contar isso para ninguém, porque...
— Você tem uma imagem a zelar. Certo? — o menino assente e estende seu dedo mindinho, sugerindo fazermos uma promessa. Eu reviro os olhos.
— Prometo. A gente nunca mais vai se ver mesmo. — estendo meu mindinho e selo minha promessa.
Olho para seus olhos iluminados pela lua e vejo sua cor de chocolate. Desvio o olhar e me levanto.
— Você melhorou? Podemos ir?
— Claro, claro. — ele se levanta em um pulo.
Caminhamos de volta ao carro e após me explicar rapidamente onde mora, deixo-o na frente de sua casa. A residência de Manuel é aquela típica casa suburbana norte-americana que parece aconchegante só de olhar. Vejo apenas uma luz acesa no andar de cima. Sinto um aperto no peito ao me lembrar de meu pai me esperando acordado. Engulo em seco para controlar o choro que sobe pela minha garganta.
— Bom, obrigada por ter me salvado e por ter me trazido até aqui. — Manu dá um sorriso presunçoso.
— Disponha. — respondo, simplesmente.
Manuel olha para mim e quando tenho certeza que vai perguntar algo por ter notado minha voz embargada, ele sai do carro e se encaminha para sua casa. Antes de sair com o carro, dou uma última olhada e vejo o menino também me encarando, acenando com a mão. Retribuo o gesto e vou embora rapidamente antes que seja tomada por mais sentimentos conflitantes.
Ao chegar na oficina de Tony, guardo o carro, o cubro do jeito que meu tutor gosta e apago a luz ao sair.
Não sei se foi um resultado da minha mais nova solitária vida, mas se eu pudesse, teria a vida de um morcego: dormiria de dia e viveria realmente de noite. A quietude de tudo contrasta com minha mente barulhenta e turbulenta. Sinto mais controle dos meus pensamentos quando o exterior está em silêncio.
Entro em minha casa, tiro rapidamente toda aquela minha roupa e jogo em um canto da sala. Todas as vestimentas que uso nas corridas parecem algo venenoso quando volto para minha vida real.
Visto meu costumeiro pijama, que já está até furado de tanto uso e preparo um chá de hortelã para acalmar o coração que ainda teima em bater descompensado no peito.
— Se acalme, Ellie. — sussurro para o silêncio.
Desde o acidente, meus dias são sempre assim: eu e o silêncio ensurdecedor que me lembra da minha solidão interminável.
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Quando sair, apague a luz
RomanceEleanor Evans é uma jovem de 16 anos que teve sua vida mudada completamente após um trágico acidente envolvendo seus pais. Ao se deparar com uma realidade que nunca imaginou passar, Ellie começa a participar de corridas ilegais para conseguir se sus...