Capítulo II - Damérios

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Havia pelo menos três semanas que se escondia naquela fenda rochosa no extremo oeste de Esren, em alguma parte no sudeste da cidade de Loden. O terreno em que se escondera, era árido, possivelmente devido a sua proximidade com Makalet, mas conhecida pelos humanos do oeste como Terras Áridas, mais a leste, poderia se deparar com outra cidade, só que pertencente a um povo diferente dos que a tinham perseguido, embora não menos tirânicos. Encontrava comida dificilmente, de forma que tinha que se contentar em comer cobras, lagartos e roedores que encontrava abaixo das rochas. Seu cavalo permanecia vivo, embora raquítico, pois expulsara da sua mente a ideia de comê-lo. Mesmo que o povo de seu pai comesse carne de cavalo, mantinham um forte vínculo com sua montaria, só sacrificando em casos extremos. Este até parecia um desses, mas Shayenne era uma amazona, e meio-lanuche, ferozmente guerreira, mas o cavalo constituía parte essencial nas batalhas, concedendo vantagem imensa. Além disso, não pretendia passar mais tempo ali, apenas precisava despistar os lodenios e os nagathianos e se dirigiria para a cidade de Gandara, no território de Ziacan, onde com sorte, conseguiria se disfarçar entre a população por algum tempo.

Estava imersa em pensamentos, junto à uma pequena fogueira que fizera, mantendo o fogo baixo, de forma a se aquecer sem que chamasse atenção indesejada. Comia um roedor que havia pego entre os espinhaços e pedregulhos ali próximo, assado num espeto, sua carne era rarefeita e meio seca, embora um pouco saborosa. Enquanto comia, pensava em como planejar seu próximo passo, algo que já fazia a uma semana, pois as duas anteriores apenas serviram para planejar formas de despistar mercenários e batedores, ou passar desapercebida por bandidos, naraks e tauroks, mas faziam pelo menos 6 noites que as coisas haviam se tranquilizado naquela área. Porém, mesmo tendo tempo e tranquilidade, não conseguira pensar numa ideia sequer para resgatar suas irmãs sobreviventes, das quais algumas haviam sido trazidas para Loden, a cidade dos gladiadores, como lembrava ter ouvido certa vez, e entre as quais estaria Aynara, embora não tivesse total certeza, já que a única coisa que tinha ouvido era de que seria levada para Gramalta, como muitas outras, sendo posteriormente vendida nas cidades estado do leste. Aynara é uma garota impulsiva. Com certeza achariam mais apropriado coloca-la para lutar nas arenas. Não iria para Gramalta, mesmo que ainda houvesse alguma de suas irmãs ali, não poderia resgatá-las ainda, pois capatazes lanuches patrulhavam aquela região.

As cidades bélicas eram altamente guarnecidas, e contavam com guardas fortemente armados, de forma que Shayenne pouca chance teria dentro das cidades, se conseguisse pelo menos se aproximar de suas muralhas, onde arqueiros habilidosos vigiavam dia e noite. As cidades kmaelianas não ficavam pra trás em termos de defesa, cujas muralhas além de altas e imponentes, eram mais espessas, tendo sido construídas, segundo as lendas, através de geomancia, por humanos meio-anões, cujos descendentes ainda reinavam soberanos em suas cidades. Teria, porém, alguma chance, se entrasse disfarçada e encontrasse alguma forma de tirar as prisioneiras de lá. Talvez também conseguisse um exército, mas ainda contava pouco com essa possibilidade, pelo menos não enquanto não tivesse ouro, algo que tinha perdido durante o saque de sua tribo e que pouco recuperara durante seu trajeto do oeste em saques corriqueiros a bandidos pequenos. Talvez conseguisse mais se vendesse artefatos antigos de ruínas élficas, ou quem sabe realizando trabalho mercenário. Esse último parecia difícil, mas bastava raspar seu cabelo, incluir outras tatuagens e mesmo mudar de nome, e ficaria irreconhecível, podia ainda lutar como gladiadora livre na Arena de Kiraton, em Loden. “Pobre Aynara, preciso encontra-la, agora ela só tem a mim, e estamos muito longe uma da outra”.

O tempo corria enquanto pensava nas possibilidades, ela já havia terminado de comer, mas a fogueira ainda estava acesa, e a luz das chamas encandeava sobre sua face levemente acobreada e delineada, marcada por cicatrizes na bochecha esquerda e no nariz, lábios carnosos e olhos verdes, herdados de sua mãe nórdica. Devido parte de seu sangue ser nórdico, sua pele parecia ser menos acobreada que dos outros lanuches, mas nesse momento, todo seu corpo estava escurecido pela sombra da noite, exceto pela face avermelhada pela luz do fogo. Seus cabelos, castanho-ruivos, recém cortados e meio assanhados, balançavam levemente, levados pela fraca brisa que adentrava aquela fenda.

A Rainha AmazonaOnde histórias criam vida. Descubra agora