O canto da Rasga-mortalha (Dia dos Pais)

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     O azul intenso no céu — salpicado de pontos brilhantes, esses meio encobertos por nuvens carregadas— anunciava a eminente noite chuvosa no interior do nordeste brasileiro

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     O azul intenso no céu — salpicado de pontos brilhantes, esses meio encobertos por nuvens carregadas— anunciava a eminente noite chuvosa no interior do nordeste brasileiro. O sutil ruído das folhas da carnaúba balançando nem chegava aos ouvidos dos moradores do sítio São José. A Rasga-mortalha sobrevoando a casa dos Antunes Machado produziu um som soturno e aterrorizante ao bater as asas, semelhante a um tecido sendo rasgado. Dona Virgínia largou as malas que carregava e sentiu um arrepio percorrer a espinha, imediatamente pensou na filha mais velha, mas era só um resfriado. Ela não iria se assustar com crendices populares, seguiria com a viagem em família que foi planejada há meses.

     Impaciente, Januário esperava no carro junto com Amália, a caçula. Sua esposa costumava demorar, porém hoje a senhora ultrapassou os limites. A pequena mocinha de sete anos, sentada no banco de trás, movia as pernas sem nenhuma preocupação; ela gostava de ver os dedos indo e vindo na ausência de uma cadência definida.

     Após longos minutos e do marido quase quebrar a buzina, Virginia e Isabel se uniram aos seus familiares. Eles deixaram a coruja de cor branca pousada na grade de madeira da sacada. Quando os pneus cantaram e a poeira encorpada subiu, o animal piou. Então, o sentimento lúgubre pairou sobre os ombros deles, que mais uma vez ignoraram os corações angustiados.

      Durante o percurso, o vento gélido alcançava as peles tão acostumadas com altas temperaturas, o frescor era aproveitado por eles, mesmo que o medo habitasse os seus íntimos. O inverno agraciava a todos com chuvas e renovava as esperanças dos sertanejos.

      Já passava das doze horas, a pista estava escorregadia por conta do toró que não cessava, os relâmpagos iluminavam aquela imensa escuridão da estrada, auxiliando os faróis fracos do automóvel anoso. As herdeiras do casal enlaçaram as mãos, que tremiam a cada novo estrondo causado pela tempestade.

      O senhor Machado, preocupado, observava pelo retrovisor as expressões assombradas das filhas. Januário era um pai zeloso e carinhoso, apesar de trabalhar muito e viver estressado. O treinador amava muito as duas meninas e faria o possível para tranquilizá-las, afinal o intuito dessa viagem era a reaproximação com as garotas e Virginia. O dia tinha sido puxado e dirigir a madrugada não parecia ser uma boa ideia, contudo ele faria qualquer coisa para chegar ao litoral pela manhã e aproveitar o único fim de semana que lhe restava antes de embarcar com a comitiva olímpica. Esta é a chance que ouro pela qual ele tanto esperou, estar entre os melhores do mundo.

     — Ei, Isabel! Como estão as coisas no ginásio?

     — Muito bem, painho. O professor disse que tenho aptidão. — A criança de dez anos respondeu com a desenvoltura de uma jovem madura.

     — Claro, minha filha! Você é uma atleta nata. Nasceu para ser uma estrela da ginástica artística.

     — Isabel é arretada desde o bucho. — Virginia deu uma piscadinha rápida para a ginasta mirim.

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