Tudo começou a dar certo na minha vida quando finalmente comprei um lugar que eu poderia descansar feliz com a minha amada, que logo depois me surpreendeu com a notícia de que estava grávida do nosso primeiro filho. Os dias foram uma maravilha enquanto nós estávamos com dezenas de planos para o futuro e, no momento em que o meu filho estava prestes a nascer, eu consegui transferência para trabalhar em um lugar próximo do imóvel o qual comprei há alguns meses. Tinha tudo para dar certo, a animação nos controlou e o amor deixava a estrada chuvosa e cheia de neblina como um arco-íris, mas a rodovia era perigosa e a chuva ilusória. Acabei abusando da velocidade mínima e a curva chegou traiçoeira. O outro carro ultrapassou a sua faixa e nos encontrou...
Senti uma sensação de perigo iminente, aquele desejo de abrir os olhos custe o que custar, e observei algumas pessoas do SAMU me conduzindo para dentro do que aparentemente era um hospital. Tentei me mexer, e um dos homens colocou sua mão no meu peito, pedindo para que eu ficasse quieto, pois não sabia se eu havia fraturado algum osso. As memórias estão fumaçando no meu passado, tentando desenhar o que aconteceu e onde estava. Não adiantava de nada, o meu corpo todo doía e as luzes foram ficando mais claras, ao decorrer que a maca atravessa os corredores e, finalmente, me entreguei.
Ainda pude saborear o gosto de ferro na minha língua ressecada, nos segundos em que despertei. A sensação nauseante e a deformidade da minha visão foi moldando aos poucos uma enfermeira cuidando de alguns objetos em cima da estante. A moça se assustou quando eu perguntei onde estava e olhou na minha direção, aproximou e mexeu no meu corpo e, mais uma vez, indaguei para saber o que estava acontecendo. Então, imediatamente, seus lábios tremeram de forma hesitante e disse que iria chamar o médico.
O sujeito perguntou se eu estava bem, e eu assenti com a cabeça. A enfermeira estava me observando também, e eu não precisei ouvir mais nada... enquanto a fumaça finalmente ganhou a forma daquela noite: a tempestade, a estrada, o carro traiçoeiro e o apagão na minha mente. Mesmo antes da pior notícia chegar, depois dos seus papos clínicos, eu comecei a chorar. O cara, com sua roupa toda branca, foi explicando que eu havia ficado quase um dia e meio desacordado, o meu corpo não sofreu nenhum ferimento grave, mas a minha esposa, por sua vez, não teve tanta sorte. Ela não sobreviveu, e a criança estava morta, todos acharam melhor que o nosso bebê fosse enterrado junto com a mãe para, assim, o espírito descansar em paz.
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Chego em casa, vou abrindo a porta e observando todos os móveis cobertos como fantasmas por lençóis brancos. O vazio e o silêncio são impiedosos do lugar. Ponho a chave em cima da cadeira e, logo em seguida, desabo em soluços por tudo que aconteceu, sentindo-me culpado e ainda sendo mais deteriorado por nem ter participado do velório da minha própria esposa, a qual eu matei! Fui direto para o chuveiro, arrancando as minhas roupas com unhas e dentes, jogando-me embaixo do chuveiro com os braços na parede e a cabeça escondida entre os meus ombros.