Capítulo 2

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1 semana depois


—Como você tem se sentido Blair? — A mulher loira sentada na poltrona à sua frente perguntou doce.

Blair não gostava de Amélia. Ela era incrivelmente chata, falsa e irritante e Blair tinha uma leve suspeita de que a doutora tinha uma quedinha por seu pai.

—Ah, eu tô bem, sabe? Relaxando o máximo possível. Vendo Netflix, lendo livros de terror, tramando o meu próximo assassinato, tentando invocar Satanás... O mesmo de sempre, sabe? — Blair estava cansada de ouvir a mesma pergunta todos os dias. Ela não sabia como estava se sentindo, não estava triste, nem feliz, nem confusa e nem tendo um momento de clareza. Ela se sentia vazia, mas ao mesmo tempo cheia, queria chorar e ao mesmo tempo rir. Blair estava... Blair estava...

Ela não tinha ideia, e como poderia ter?

Apesar de tudo que seu pai havia contado para ela, sobre quebrar uma panela de cerâmica cheia de sangue no chão, tentar se matar e ser levada pro hospital ela não lembrava de nada disso. Era como se tudo aquilo tivesse acontecido com outra pessoa e era um saco, era horrível não lembrar de nada. Parecia ter um grande branco marcando uma linha em seu cérebro e ela não aguentava a pressão que os olhares de pena do pai passavam para ela, mas ela não estava com raiva e também não estava preocupada, pelo menos ela achava que não.

A psicóloga fitava Blair a tanto tempo que seus olhos já começavam a se cansar. Aquela menina não tomava jeito nunca. Ela usava e abusava da ironia todos os dias e em todas as consultas. A psicóloga só queria fazer Blair colocar tudo pra fora, mas a garota era teimosa como uma mula e todas as palavras que saiam de sua boca eram besteiras.

—Você sabe que se continuar a me tratar dessa forma intolerante e desrespeitosa não irá para a escola por um bom tempo, certo? — Ela tentou apelar pro lado emocional, mas não funcionou, Blair estava pouco se lixando para a escola. Por ela todos os seus colegas podiam explodir junto com os professores dentro daquelas paredes de tijolinhos vermelhos infernais.

—Então estou conseguindo exatamente o que eu quero, mais tempo de férias no hospital! Talvez daqui a uns dias a minha casa pare de ser um quarto de hospital e passe a ser uma cela branca acolchoada. O que me diz, senhorita Amélia? Me descola esse favorzinho? — A psicóloga balançou a cabeça desconcertada. Blair era a sua primeira paciente e meu deus, como estava sendo difícil.

—Blair, você tem que entender que se não começar a colaborar comigo então nunca sairá do hospital. — A mulher loira balançava a caneta bic contra a prancheta cheia de folhas brancas tentando ser o mais maternal possível.

—Eu.Não.Ligo. — Blair não se alterou, sua voz saiu fria e controlada. Ela estava cansada dos outros pensando que ela ia surtar do nada e se matar e não daria mais um motivo para eles pensarem isso.

—Qual é o seu problema Brianna Moore? Eu só estou tentando te ajudar! — Quem se alterou foi a psicóloga e Blair apreciou a falta de ética da "profissional" a sua frente.

—Qual é o meu problema? Eu realmente tô me fudendo pra qual o meu problema é, mas você não deveria me perguntar isso, aliás, é o seu trabalho descobrir "qual é o meu problema". — Blair permaneceu sentada, a voz firme, as mãos entrelaçadas em cima das coxas. — Agora o seu problema eu posso te dizer: Você é falsa, fútil e extremamente antiética. Faça me o favor e pare de dar em cima do meu pai e aproveite e mude o disco, querida! Eu não aguento mais essa pergunta irritante! "Como você está?" o caralho! Você sempre fala como se você ligasse pra como eu estou me sentindo. Só conte ao meu pai que eu fui uma boa garota que ele nem vai te questionar, vocês todos são muito hipócritas, me perguntando como eu estou me sentindo quando na verdade só querem me impor seus próprios sentimentos.

No final de sua fala Blair percebeu que acabou surtando levemente e ficou com raiva de si mesma, mas o mais importante era que Blair percebeu quais sentimentos estavam em seu coração.

Blair se sentia traída, mas acima de tudo sentia ódio. Um ódio feroz que corria energeticamente por suas veias e lhe provocava vontades sombrias e desejos violentos.

—Muito bem! Próxima pergunta então. — Ela disse com um sorriso no rosto, tentando ser o mais simpática possível, mas assim como a psicóloga sabia, Blair também sabia:

Todo o carinho e toda a gentileza da psicóloga era fruto de uma falsidade do tipo mais distorcido, aquilo era tudo interesse.

...


Quando a consulta acabou, Blair foi instruída a voltar pro quarto.

Pela primeira vez em duas semanas a deixaram ir sozinha, andando normalmente, sem nenhum guarda costa, sem nenhum médico por perto - pelo menos nenhum médico tomando conta dela.

Blair foi andando, usando aquela roupa azul ridícula de hospital. Ela passou pelos corredores brancos cor de gelo calmamente. Se ela tivesse sido internada no hospital a 1 mês e uma semana antes ela estaria saltitando. Blair sempre foi um espírito colorido, brilhante e feliz, ela pulava e gritava animada por qualquer coisinha, era bondosa com os outros, acreditava no melhor das pessoas e colocava todos os problemas dos outros acima dos próprios, mesmo que os seus problemas fossem muito mais importantes.

Blair era considerada uma ótima pessoa pelos outros, todos os professores amavam a adolescente perfeita que sempre tirava 10 nas provas e entregava todas as tarefas, todos os pais de todos os alunos comparavam seus próprios filhos a ela, todos os garotos queriam namorar com ela e as garotas sentiam uma inveja ácida dela. Blair lembrava muito bem de como era ser popular e amada, ela sabia como era ser uma princesinha cor de rosa, uma patricinha cheia de influência, uma garotinha rica e poderosa, mas Blair não sentia falta daquela vida de um mês atrás, ela achava aquela vida patética e aquela Blair que saltitava por aí acreditando em contos de fadas e vidas perfeitas não existia mais. Aquela Blair havia morrido junto com a mãe e sido enterrada no momento em que seu pai colocou os pés naquele hospital.

Moore quebrou sua linha de pensamento sentindo um olhar correr pelas suas costas e virou para trás no mesmo momento esperando ver uma pessoa plantada ali, a olhando. Mas não havia ninguém naquele corredor. Nem mesmo um médico circulando.

As luzes acima de sua cabeça piscaram no mesmo momento em que seu coração saltou e ela foi andando de costas completamente aterrorizada até esbarrar com uma porta de plástico fosco. Um estrondo barulhento ecoou por todo o corredor branco azulado, mas não houve resposta ao som alto. Blair estremeceu e se virou para frente, gritando logo em seguida. Ela havia visto algo que nada ou ninguém conseguiria apagar de sua memória: ela mesma refletida no plástico da porta, o rosto todo retorcido, os olhos, negros, escorrendo algum tipo de meleca gosmenta e preta, e a boca e o queixo cobertos em sangue.

Ela deu dois passos para trás e saiu correndo, dessa vez pela abertura da porta.

Filhas da NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora