Blair ainda encarava o nada quando seu pai abriu o porta malas e guardou as compras.
O ar dentro do carro tinha cheiro de menta, mas isso não a impedia de ainda sentir o cheiro nojento de carne podre vinda do bafo úmido daquele velho asqueroso. Um arrepio perpassou o seu corpo e se instaurou na metade de sua espinha quando ela se lembrou daquela língua bifurcada se mexendo pra cima e pra baixo como a de uma cobra enquanto ele balbuciava besteiras sobre um grande poder. A cena que havia acontecido a poucos minutos parecia tão irreal que Blair começou a se perguntar se não havia imaginado tudo aquilo, mas não, aquele homem havia sido real e o anel que ele havia lhe dado também. Afinal, como aquilo poderia ser fruto se sua imaginação se em seu pulso uma mancha roxa começava a nascer e em sua mão direita um anel verde musgo estava sendo apertado com força?
—Você está bem? — Blair ouviu a voz do pai soar alta logo do seu lado e seu corpo instintivamente pulou com o susto. Ela estava tão concentrada na batida acelerada do próprio coração que nem havia percebido que Ethan havia aberto a porta do carro e se sentado no banco do motorista. Ele franziu as sobrancelhas, confuso com o jeito que a filha se comportava. Ela estava agindo de uma forma tão estranha desde que a mãe havia morrido, de uma forma tão não natural que ele ficou surpreso consigo mesmo por não ter percebido a dois meses atrás que a filha não estava bem.
Ethan respirou fundo como se espantasse pensamentos idiotas da própria mente e Blair lhe respondeu finalmente:
—Hã, é claro que estou bem. — Mas não era claro e os dois sabiam disso. Blair tinha mudado tanto e se distanciado tanto do pai que agora a única coisa familiar e conhecida que Ethan via nela era a sua aparência e até isso parecia diferente de alguma forma. — Por que a súbita pergunta?
—Você só parece... Diferente. Tem algo que você gostaria de conversar? — Blair estremeceu e o anel em seu dedo pareceu congelar ao seu toque. Havia tantas coisas que ela gostaria de falar sobre, tantas coisas que ela gostaria de desabafar...
—Não. — Blair mentiu. Ela olhou diretamente para os olhos azuis do pai dizendo tudo para ele, todas as palavras possíveis e impossíveis, todos os sentimentos conflitantes que uma adolescente poderia ter, todos os sentimentos que uma pessoa completamente traumatizada e quebrada como ela poderia sequer pensar em falar. Todo o peso que estava em seu peito foi dito apenas por um olhar, mas ele não conseguia compreender o que ela queria dizer, o olhar não tinha significados e explicações para ele e ela quase berrou de frustração quando percebeu isso. Blair respirou fundo sentindo a garganta se fechar por dentro, era quase como se alguém a sufocasse. — Eu estou bem, você não precisa se preocupar. Eu juro, pai. — Blair virou o rosto para a janela numa tentativa - que seria falha se seu pai lhe conhecesse bem - de esconder uma careta de dor interna.
Durante o caminho inteiro ela continuou rodando o anel verde por entre os dedos, extremamente confusa e cansada. Seu pai não insistiu mais na conversa fiada e não lhe perguntou mais se ela estava bem e ela sabia que era injusto com o pai, mas ela queria muito que ele lhe perguntasse novamente, talvez se ele perguntasse ela conseguisse colocar todos os sentimentos para fora e talvez, só talvez, ele conseguisse a entender.
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Filhas da Noite
Paranormal| Capítulos novos aos DOMINGOS | Blair sempre foi a garota popular linda e perfeita, aquele tipo de menina de filme de romance clichê americano, que é uma abelha rainha e anda com duas outras garotas bonitas sempre a seguindo para frente e para trás...