Crônicas das Fadas - Prelúdio da Coroa

Capítulo 5: Cortesã Real

A cama feita de maduros dentes de leão, pétalas secas muito perfumadas do jardim, junto de plumas de cisnes,emitiram um leve ruído no movimento que Toula fez ao rolar de um lado para o outro em meio também a seda que cobria seu corpo.

Novamente a fêmea escutou alguém lhe chamar, mas decidiu ignorar mais uma vez.

— Me deixe dormir mais um pouco, Enobel — resmungou a rainha das fadas quando novamente escutou alguém lhe chamar, então pegou seu travesseiro do mesmo material da cama e colocou em cima de sua cabeça e ao fazer o movimento, a mesma passou a suspeitar que diversos dentes de leão foram lançados ao ar, pois sentiu a leve chuva delicada das sementes cair sobre seu corpo.

— É tarde o bastante até mesmo para a rainha. — Toula conseguiu entender com mais atenção a fala da sua cortesã pessoal.

A voz da fada campestre era muito semelhante ao arrulhar de um pombo em um amanhecer tranquilo, porém os seus passos apressados pelo cômodo estavam dissipando completamente o sono da outra fada, esta sentia o seu mau humor surgir.

— Não se dê ao trabalho de ficar de mau humor porque estou te acordando, Vossa Majestade. — disse a outra, possivelmente entrando no guarda-roupas para escolher a vestimenta daquele dia e ao voltar a falar, sua voz saiu um pouco abafada. — O sol já brilha alto no céu e seus conselheiros retornaram de suas viagens...

Toula parou de prestar atenção na sua criada ao se lembrar que deveria participar de uma reunião com seus conselheiros e muito possivelmente ter uma assembleia com o Conselho da Colheita para encontrar alguma solução para a atual situação que o reino de Goedwig estava vivendo.

A rainha sabia que a resposta para todos os seus problemas era ela simplesmente reclamar seu controle total nas energias do reino. Seria fácil ao ponto que ela sentia em toda sua extensão do seu corpo magro o poder rondando e esperando ser governado, mas ela não queria algo que não lhe pertencia, de fato. Sempre deixou isso claro a todos o seu desejo em não se tornar rainha das fadas.

— A sua infelicidade está estampada em seu rosto, Toula. — escutou Enobel falar ao sair do seu cômodo exclusivo para guardar suas roupas no lado direito. — Eu estarei sempre ao seu lado e tenho pleno certeza que nunca ocuparei o lugar de sua mãe, mas acredite que ainda tem alguém que pode lhe amar da mesma forma.

As palavras da fêmea foram como uma espada com dois gumes, pois em uma ela sentiu o carinho e toda a preocupação de sua criada de tantos anos, que lhe servia desde o seu nascimento, após ter cumprido sua servidão à rainha anterior como cumprimento de uma barganha com a mesma. Com a morte da mãe de Toula, a barganha de Enobel chegou ao fim, mas ela por livre vontade desejou manter seus serviços com a filha.

O outro lado lhe cortou profundamente ao fazê-la se lembrar da sua mãe, o quanto seu peito apertava em saudade de uma fada que deveria estar ao seu lado naquele momento tão importante, mas ela sabia que Enobel não disse as palavras para lhe atingir, porém mesmo assim o fez.

— Se passaram alguns dias após a notícia que Betrayal trouxe dos Mestres Estrelar e tivemos que começar o processo do envio das mensagens para chamar os responsáveis pelo conselho da colheita de cada espécie de fadas. — comentou Toula ao finalmente retirar o travesseiro da cabeça e ser atingida pela enorme claridade proveniente das tochas acesa em seu quarto. — Como está o castelo?

— Tamilson chegou dos Elfos da Floresta e conferiu todo os envios, as fadas palacianas estão se apressando para reunir os papéis das últimas colheitas e também procurando encantamentos que podem ser necessários. — respondeu a fada, mas Toula estava com seu olhar fixo no teto abobadado repleto de raízes, daquelas que descem ao trono no andar de cima do seu quarto e desta vez elas formavam sua cama de dossel. — O conselheiro Mota foi ver sua amada Tinafal em sua casa, mas creio que deve voltar o quanto antes possível para uma reunião com a senhora. Aliás, a primeira carta que foi enviada aos Gatos das Montanhas foi respondida pelo Striped ao enviar um dos seus gatos chamado...

— Cynffon. — Toula disse o nome ao interromper sua cortesã. — Era de se esperar que aquele gato inteligente enviaria um dos seus para verificar os acontecimentos dentro do castelo.

— Devo alertar a guarda do castelo ou até mesmo os conselheiros ainda essa manhã? — indagou Enobel.

Toula moveu seu olhar para o lado para avistar a pequena fada arrumando sua roupa em uma poltrona.

— Deixe o Cynffon se esgueirar pela nossa Corte para colher as informações que tanto quer. — disse a rainha em um tom de alerta para a outra fêmea. — Procure discretamente Betrayal e transmita meu desejo para que ela cuide para que certas informações sejam deixadas para o espião do líder de Arnófio encontrar.

— Como queiras, Vossa Majestade. — proclamou Enobel em um tom solene ao receber as ordens de sua rainha.

A jovem se sentou na lateral de sua cama e voltou sua atenção para a outra fêmea apoiada próxima da poltrona, a qual ela havia colocado um vestido verde-escuro tomara que caia ornado com arabescos pretos.

Observou quando Enobel saiu do seu lugar, a fada campestre tem pouca estatura e seu corpo é todo coberto de plumas azul-claro, os braços parecem frágeis com mãos pequenas, que possuem plumas brancas nas costas e longos dedos repletos de penas na tonalidade preta. Os olhos são completamente vermelhos, a face é uma mescla de humano e de ave; em sua cabeça, havia uma crista azulada no lugar dos cabelos, sendo em tons de branco, e ao voltar sua atenção para seu tronco coberto também de plumas azuis, havia um ponto com uma tonalidade de marrom-escuro nas penas.

— Deve tomar um banho para melhorar seu rosto de maracujá velho para estar pronta para receber os conselheiros! — exclamou Enobel em um tom zombeteiro ao direcionar um olhar semicerrado para a rainha.

A cortesã saiu andando pelo cômodo até uma passagem que dá para uma escada, que leva para um nível mais baixo dos aposentos da realeza.

Toula deixou sua cama ao notar que, realmente, diversas sementes de dentes de leão se soltaram da sua cama e dos travesseiros, pois ao se colocar em pé, viu uma chuva delicada cair sobre si.

Sua primeira reação foi se espreguiçar, seguida por retirar a longa camisola revelando sua pele pálida e os ângulos agudos do seu corpo e ao acariciar seu dorso com seus longos e finos dedos de sua mão direita, notou sua clavícula se mostrando abaixo de sua pele, depois seus pequenos e arrebitados seios, junto de uma barriga lisa.

— A senhora ficará até quando admirando esse seu corpinho real, Vossa Majestade? — questionou Enobel ao voltar pela escada e ficar parada no batente da porta.

A jovem rainha revirou os olhos ao começar a andar na direção de sua cortesã real, então após passar por um pequeno corredor em forma de espiral, adentrou em um lugar muito iluminado.

Toula observou os enormes cristais translúcidos emitindo um brilho suave de azul mesclado com verde na borda do lago e sua atenção voltou para as pétalas vermelhas das rosas que Enobel jogou para deixar as águas perfumadas e assim foi tomar seu banho.