A manhã da sexta-feira começou tão igual quanto a do dia anterior, o clima úmido e levemente abafado, com nuvens acinzentadas se deslocando por todo o céu de Bangkok, e as chuvas eram recorrentes, inclusive naquele momento a chuva passava a ficar mais densa. Esse era o clima comum do meio do ano, e para muitos esses meses eram os piores do ano. Para Song, entretanto, era o oposto. Sempre amara chuva, e mesmo sair na chuva não era um problema para ele, até dispensava o auxilio de um guarda-chuva quando saia para comprar algo na lojinha da esquina e a chuva não estava tão forte.
Mas naquela sexta daria tudo para não ter que sair de casa, não estava afim de encarar ninguém com suas enormes olheiras aparentes.
Foi bom perceber logo ao acordar que June realmente não havia voltado para casa no final da noite, sabia que ele não seria invasivo para lhe perguntar o motivo de seus olhos inchados, mas seus olhares seriam o suficiente para constrange-lo.
— Não é a primeira vez... Eu consigo. — Disse Song com sua voz rouca, ao encarar o espelho.
Não se considerava um incrível maquiador, mas lembrava bem ainda das técnicas desenvolvidas durante o breve curso de maquiagem do qual participou há alguns anos atrás, nos primeiros meses em Bangkok. Ainda lembrava claramente da felicidade de sua mãe quando a maquiou pela primeira vez, uma maquiagem realmente especial, pois era a primeira visita dela a capital da Tailândia, assim como a primeira visita ao novo apartamento de seu filho, agora morando sozinho.
Aquelas lembranças felizes o fizeram sorrir sem perceber, enquanto cobria da melhor forma possível suas marcas evidentes do choro na noite passada.
— Uhm... É o melhor que posso fazer. — Disse a ele mesmo ao concluir. Ainda era possível perceber se olhasse de perto, mas de longe passava despercebido.
***
— Meu Deus a minha cabeça está me matando... — Reclamou June sentado ao seu lado no pequeno restaurante próximo a faculdade.
— Você nunca me ouve! Sempre quer bancar que aguenta o álcool e é o primeiro a cair e passar vergonha. O pior ainda foi ter que carregar você até minha casa, por sorte minha mãe está viajando. — Retrucou Catty. Seu tom era mais de "eu estava certa o tempo todo" do que de alguém que estava realmente irritada.
— Eu espero que tenham gravado pelo menos alguma coisa que ele fez, esses vídeos sempre são minha serotonina. — Disse Song brincando.
June o olhou sério, olhando em seguida para Catty e abaixando a cabeça de volta a mesa. Os sóbrios riram ainda mais.
— É claro que eu gravei, te mostro depois. — Catty concluiu em sussurro, dando-lhe uma breve piscada.
Ali, junto com eles dois, todos os problemas e dores internas de Song pareciam sumir. Seus sorrisos eram sempre sinceros e aqueles momentos eram os únicos que aliviavam todo o peso que sentia quando se isolava entre as paredes acinzentadas de seu quarto. Talvez voltar para casa e encarar esses sentimentos fosse a pior coisa nos últimos dias, então de alguma maneira, a viagem para sua cidade natal, por mais que não tivesse fins muito animadores, seria boa na medida do possível.
Revisitar Hua Hin sempre trazia inúmeras memórias à tona. Os amigos com quem brincava várias horas quando criança, as escolas onde concluiu seus estudos, as diversas vezes que ele e sua mãe foram a praia ou visitaram o templo... Até mesmo a lembrança das comidas ficavam mais presentes, era quase possível sentir o gosto delicioso dos pratos de sua mãe.
Mudar-se de lá para Bangkok ao completar os vinte anos foi difícil. Já havia visitado Bangkok em excursões escolares algumas vezes, mas o peso de ir morar sozinho na grande capital era totalmente diferente. Não foram poucas as vezes que chorou por conta da saudade. Só depois de alguns meses que a vida na grande capital se tornou mais tolerável.
Seus anos lá foram bons, mas depois de morar quatro anos em Bangkok, já não enxergava Hua Hin como seu lar.
Para não acabar atrasando e perdendo o trem no horário que queria, Song precisou perder as ultimas duas aulas do dia e voltar para casa. Felizmente aquelas aulas pós temporada de provas nunca eram extremamente necessárias, e os alunos teriam 15 dias de recesso a partir da semana seguinte. Já tinha em mente que roupas iria levar, mas arrumar a mala sempre acabava por ser um processo demorado, assim como o tempo que demorava para ficar pronto. Considerando aquilo, sabia que precisava estar em casa antes das 16:00 horas para conseguir pegar o trem para Hua Hin às 18:30.
Estava arrumando as coisas na bolsa de mão que levaria quando uma voz feminina invadiu o seu quarto, o assustando ao ponto de quase derrubar o carregador que estava em sua mão.
— Catty, você quer me matar? — Disse espantado, com a mão sobre o peito esquerdo.
— Perdão, eu não queria te assustar... Mas, você está fazendo as malas? Você vai viajar? — Questionou ela, adentrando o quarto e sentando na poltrona estofada de sua mesa de estudos.
— Sim... Chama o June até aqui para que eu explique melhor.
Ela fez o que foi pedido e minutos mais tarde ambos já tinham conhecimento de toda a sua questão.
— Song, eu sinto muito... — Comentou June, provavelmente não conseguiria dizer mais nada mesmo que pensasse por algum tempo.
— Está tudo bem. Já se foram três anos desde a morte dela, e apesar de ainda doer, principalmente nessa época do ano, eu prefiro pensar apenas nos bons momentos que vivemos durante dezenove anos, sabe?
— Entendo... Mas você quer ir sozinho mesmo? — Perguntou Catty.
— Sim, prefiro. Depois de cometer um erro no último ano, percebi que esse tipo de momento é algo que eu devo fazer sozinho, mas eu agradeço a preocupação por querer me acompanhar.
— Não precisa agradecer. Mas me diz — continuou ela, olhando para a grande mala cheia e a bolsa já lotada de coisas. — Você vai passar quanto tempo lá? Uma ou duas semanas?
— Por volta disso. Estou indo essa sexta e volto provavelmente em 10 dias, pois meu trabalho voltará alguns dias antes das aulas.
Catty não falou nada sobre as palavras de Song, apenas encarou sua bagagem e olhou para June, que obviamente encarava a cena da mesma forma. Era evidente que levava mais coisa que o suficiente.
— Hum... — Espirou Song, tentando soar ofendido. — Sabem como eu sou indeciso quando se trata de roupa.
O casal riu, e Song logo desfez-se da cara de ofendido e os acompanhou.
Era estranho pensar que mesmo depois de um bom tempo de amizade, com June já quase um ano e com Catty pouco mais de seis meses, o assunto família nunca fora um dos debatidos. As informações eram extremamente básicas, como o fato de que June morava em Chiang Mai antes de mudar-se para Bangkok, ou como o fato de que Catty morava sozinha com sua mãe e irmã mais nova, ou até que Song teria vindo de Hua Hin. Nunca se aprofundaram no assunto.
Talvez todos tivessem seus devidos motivos, assim como Song tinha os seus.
Tudo pronto para a viagem, Catty e June exigiram que eles o levassem até a estação do trem, oferta que foi negada no início, afinal sabia que eles tinham seus afazeres a noite, mas depois de tanto insistirem Song cedeu a oferta.
Catty lhe deu um beijona bochecha e June fez questão de levantá-lo no ar durante um abraço e girar,recebendo protestos e gritinhos agudos do mais baixo. Depois das despedidas,carregou seus pertences e entrou no trem, que zarpou rumo a Hua Hin minutosdepois.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Love in Red Flowers | FlukeEarth
FanfictionExiste um ditado popular que diz que o amor aparece nos lugares mais inusitados, e a história de Song (Earth Katsamonnat) parece confirmar essa incomum frase. Um jovem sonhador morando em Bangkok, viaja de volta para Hua Hin, sua cidade natal, para...