Dentro da igreja de paredes bege e vitrais coloridos, ouvia-se o céu esbravejar contra os dois jovens que ali estavam. A punição celestial ecoava na mente daqueles dois que ousavam desobedecer a Lei divina.
As lágrimas da chuva encontravam a terra como aquelas que escorriam pelo rosto que buscava calor nos ombros de um rapaz de roupas brancas largas e camisa vermelha-xadrez aberta. Este estava deitado nas pernas daquele que chorava enquanto pressionava-o fortemente contra si. Ambos tremiam sem parar, não sabiam mais se pelo frio da água que os lavou, ou do medo que os afogava prendendo suas respirações, mas sabiam de uma coisa: nada era mais importante do que estarem juntos.
- Não me deixe aqui, Heitor - O menor de pele clara manchada em vermelho em alguns pontos do rosto por acne dizia tão melancolicamente, com uma voz quase inaudível pronunciada pela garganta rasgada em agonia, com sangue fervendo em medo e o coração em uma dor além do compreensível.
- Eu estou aqui - Respondeu sorrindo levemente, os olhos mágicos cansados brilhando num azul-celeste fúnebre.
- Eu preciso fazer alguma coisa, tem que haver um jeito...
- Ei, tá tudo bem, você vai achar um jeito de derrotá-lo.
- Eu não dou a mínima se ele conseguirá controlar essa cidade nojenta, eu só quero você vivo, aqui, comigo.
- Hélio - Não recebeu nenhuma resposta.
Heitor ergueu a mão acariciando o rosto do outro. As mãos que antes eram firmes e quentes agora estavam trêmulas e frias enquanto a palidez tomava conta de seu corpo cada vez mais. As mãos do menor brilhavam em dourado, mas não tinha a luz forte que costumava ter. Seus olhos também reluziam nessa cor, o maior sempre admirava a magia brilhante dele, mas sabia que não podia ser curado dessa vez.
- Hélio - Heitor segurou as mãos brilhantes o mais firme que pôde - Hélio, não desperdice seus poderes, seu propósito é outro.
- Curar você nunca foi um desperdício, eu nunca pedi um propósito e nunca tive, minha vida finalmente o teve quando você apareceu e agora...
- Ei! Você também é meu propósito, eu soube desde o início quando vi esses olhos dourados, mas agora você tem que continuar - Dizia enquanto a respiração tornava-se mais pesada e inalcançável.
Hélio seguia observando os olhos de íris escuras e leve brilho azulado tentarem se manter firmes por ele, aqueles olhos que, assim como os seus, estavam inchados e cobertos de pequenas linhas vermelhas. Os lábios avermelhados de Heitor tinham um corte no canto, as sobrancelhas escuras e grossas também estavam repletas de sangue. O maior estava na borda do seu mundo agora.
- Eu não vou te deixar. Eu... C-Como eu...? - O de cabelos dourados não conseguia terminar a frase. Seu corpo doía tanto, sua alma era destroçada enquanto seus olhos se recusavam a enxergar a esmagadora realidade.
- Você não vai. Lembra do que prometemos?
- Sempre encontraremos um ao outro - Hélio dizia enquanto enrolavam os dedos mínimos um do outro, onde tinham amarrados fios macios de coloração vermelha tão forte que pareciam brilhar.
- Nunca esqueça disso. Eu o encontrarei novamente.
E, então, o pequeno brilho azulado da magia de Heitor desaparecia e o último pedaço da vida de Hélio junto dele. Não havia mais nada, ele não estava mais ali. Somente seu corpo frio, morto, restava em seus braços. Aquele que mostrou como a vida poderia ser bem mais colorida o deixou e levou com ele todas as cores.
Sentia o coração apertar como se somente o ato de respirar esmagasse o corpo que tornou-se fraco por completo, exceto em suas mãos que seguravam o corpo do amado como se pudessem trazê-lo de volta. Seus olhos dourados eram como o céu lá fora, sombrios e tempestuosos cujos únicos lampejos de luz vinham como raios enfurecidos que projetavam-se de Hélio quando gritava totalmente sem rumo, dolorido, exausto.
O rapaz brilhava por completo em dourado, segurando o corpo do maior. Suas expressões passavam de raiva e dor, para o abismo do vazio. Não havia nada ali.
As portas duplas de madeira da igreja foram derrubadas com violência. O corredor formado pelos bancos e o tapete vermelho era coberto pela silhueta da figura que invadia o recinto. No altar, Hélio encontrava-se esperando por esse momento. Um homem de terno e calças pretas, carregava um cordão de uma pedra sombria no pescoço e uma adaga de lâmina vermelha e cabo dourado. Ele sorria maliciosamente, mas seu rosto era distorcido, formando uma figura bizarra quase incompreensível, era a personificação do terror. Seus olhos eram completamente pretos e obscuros, mas isso não já não causava mais aflição no rapaz de cabelos dourados.
Aquele homem vinha em sua direção apontando aquela adaga, deliciando-se no banquete do desespero do povo que esbravejava o canto de guerra em busca do "demônio" que possuía o corpo do filho do pastor. Mas Hélio não sentia mais medo enquanto seu corpo passava a emanar toda a magia que guardava em si.
O homem andava mais e mais rápido, como um predador prestes a pular e estraçalhar a carne da sua presa para alimentar-se do seu corpo, do seu sangue; mas Hélio não sentia mais medo enquanto sentia todos os pensamentos e sentimentos que guardava durante todos esses anos virem à tona.
A escuridão caminhava em sua direção e em segundos arremessou a adaga vermelha que girou no ar. Segundos, apenas segundos.
Hélio observava o cadáver de Heitor, prendendo-o mais em si enquanto o seu próprio corpo passou a rachar como se fosse de pedra e o brilho dourado cortar sua pele. E num último sussurro, disse:
- Eu o encontrarei novamente.
E, finalmente, ele partiu desse mundo, numa grande explosão de luz e fogo que desintegrou seu corpo e do amado, destroçando colunas, estraçalhando vidraças, inflamando a madeira e numa onda de choque a adaga voltou-se contra o homem que foi atingido no peito pela lâmina, caindo no chão desacordado ao ser arremessado para fora da igreja que agora encontrava-se em ruínas.
Em meio ao caos e as chamas uma frase reverberava além da vida e da morte.
Apenas uma frase forjada em fogo e água, em desespero e esperança, em fúria e ternura e em dor e acalento era o que ecoava naquele lugar:
Eu o encontrarei novamente.

VOCÊ ESTÁ LENDO
A Cor Do Céu Nos Seus Olhos (Romance Gay)
FantasíaAlex guarda dois segredos: o primeiro, ele consegue manipular o fogo e a luz, mas desconhece a origem dessas habilidades. O segundo, ele possui sonhos recorrentes com dois jovens chamados Hélio e Heitor, que morreram em 1989 quando lutaram contra um...