Depois de tudo o que passei para poder sobreviver e continuar respirando finalmente sou capaz de ver a luz do Sol no mundo humano, lugar ao qual deveria pertencer desde o meu nascimento. Assim que todas as crianças do orfanato de Isabella passam pelo portal que conectavam ambos os mundos as pessoas ao redor se aterrorizam e chamam as autoridades locais que, graças a ajuda dos órgãos políticos que sabiam dos acordos entre os humanos e demônios providenciam uma verba para os recém chegados.
Aos poucos as pessoas "normais" vão se acostumando com a nossa presença e algumas delas até realizam o sonho dos mais novos de serem realmente adotados por uma família de verdade, com as crianças se distanciando daqueles que haviam passado sua vida inteira juntos. E isso não foi diferente com Norman ou Emma, ambos foram rapidamente adotados devido seu QI acima da média dos humanos do planeta Terra, me deixando gradativamente sozinho com Isabella, que lutava com a justiça para conseguir minha guarda legal e virar minha legítima mãe.
Mais ou menos dois anos e meio depois Isabella finalmente se tornou minha mãe de forma judicial e passei a viver com ela na residência que foi designada a nós pelo governo japonês. Obviamente não poderíamos nos sustentar apenas com a pouca verba que o sistema nos entregava devido a adoção de crianças mais velhas, então minha mãe começou a trabalhar como professora em uma escola primária, além de costureira nos tempos livres levando em consideração que era ela quem era a responsável por remendar nossas roupas no orfanato demoníaco.
Enfim, no meu terceiro ano no planeta Terra pude começar a frequentar o ensino médio de uma escola pública relativamente próxima a minha casa, mesmo que houvesse uma taxa de inscrição, visto que a educação nesse país era altamente requisitada e competitiva. Durante os próximos seis meses que se seguiram não houveram problemas com minhas notas curriculares ou algum boato distorcido sobre mim já que fazia questão de esconder a tatuagem do meu pescoço e colocar uma prótese de orelha no lugar da que eu havia arrancado para fugir do orfanato do outro mundo.
Meu único problema naquela instituição além dos exames mal elaborados e relativamente fáceis de se concluir foi a personalidade distorcida de alguns alunos da minha classe que tentavam suprimir sua falta de autoestima com uma falsa superioridade perante os demais alunos, algo que não me importava contanto que não mexessem comigo. Poucos dias antes de se iniciarem as férias de verão que aconteciam no final de Julho e se estendam até o último dia de Agosto um boato foi introduzido entre os alunos do meu respectivo ano, onde uma possível pessoa que esteve no mundo dos demônios entraria na escola assim que as aulas voltassem.
Mesmo não me adentrando na conversa ouvi com cautela tudo o que saia da boca daquelas garotas fofoqueiras, era bem improvável que seria alguém do mesmo orfanato que eu visto que existiam muitos outros, mas mesmo assim esse pensamento agonizante tomou conta das minhas férias de verão. Pensar que uma única pessoa poderia estragar todo o meu esforço de esconder esse meu passado perturbado que eu tentava tanto esquecer dava uma pontada em meu coração, tentei não pensar demais nisso (mesmo que já estivesse) já que como eu tinha características nem um pouco marcantes eu poderia passar despercebido em relação a esse alguém.
🌤️
Enfim Agosto havia acabado e o mês de Setembro se iniciava juntamente com o regresso das escolas e minha ansiedade em relação ao novo estudante transferido que poderia chegar a qualquer momento. Me sentei no meu lugar habitual (encostado na parede que dava para o corredor) verificando se os números 81194 estavam devidamente tampados pela bandagem enquanto oscilava entre olhar para o espelho de bolso que carregava e a porta de entrada da sala.
Escuto o barulho da rolagem da porta e levanto meu olhar rapidamente, assim como todos os outros estudantes do cômodo, mas para o meu alívio era apenas a professora de língua estrangeira que havia chegado para a primeira aula da semana. Entretanto o mulher parecia esperar que alguém entrasse junto com ela e, assim como eu pensei o mesmo aconteceu. Primeiro consegui ver seus sapatos formais em um tom marrom escuro e a medida que subia meu olhar as coisas foram se tornando mais claras, o rapaz estava com o uniforme padrão da escola mas parecia ser muito mais apresentável e sofisticado do que qualquer outra pessoa da sala e seus cabelos grisalhos pareciam o tornar especial, como se estivesse um nível acima de todos os presentes.

VOCÊ ESTÁ LENDO
"Me deparei com você novamente" - Norray
FanfictionEu possuo o que chamam popularmente de "Memória Autobiográfica Altamente Superior", que me impede de esquecer qualquer memória que eu já tenha presenciado, o número em meu pescoço é 81194 e sou conhecido como Ray, uma das crianças que escapou do mun...