Ver ELE outra vez

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Eren lhe esperou desaparecer pelos becos antes de voltar para encontrar seus amigos.

Quando finalmente alcançou a parte "normal" da cidade novamente, era quase como se estivesse retornando ao paraíso. O cheiro de flores, madeira e comida enchera suas narinas e o oxigênio mais limpo refrescou seus pulmões. Até a irritante brisa gelada era melhor ali do que nos subúrbios. O caminho para casa era tão tedioso na volta quanto foi na ida, mas pelo menos se sentia um pouco melhor agora. Não sabia se era porque havia reencontrando alguns de seus amigos, ou se era porque finalmente teria uma noite de sono minimamente descente desde algum tempo.

Lançou alguns xingamentos ao ar quando se aproximou da fachada de sua casa e viu o chão repleto de novas folhas secas daquela árvore irritante de seu vizinho. Você varrera uma porção delas pela manhã e agora já havia mais um bocado. Estava a ponto de quase arrancar aquela árvore com uma serra quando anoitecesse. Pisando em algumas folhas com um tanto desnecessário de raiva, foi quase relaxante ouvir elas se rasgando. Depois de arrependeu. Só fez mais bagunça. O gato de sua outra vizinha, um preto de olhos amarelos, estava deitado no primeiro degrau que levava a porta. Você o amaldiçoou também, mas não fez nada para retirar o felino de lá.

Abrindo a porta e atirando a chave no pote que ficava em cima da cômoda ao lado, você se abaixou e desfez os nós do cadarço de seus coturnos, os deixando ao lado da porta também. Os seus pés calçados com meias felpudas tocaram a madeira fria no chão. Talvez se arrependeria depois, afinal as meias eram brancas e o chão provavelmente teria alguma poeira. Ainda não era noite, estava por volta das cinco da tarde, mas estava um pouco mais escuro devido a estação.

Caminhou até a cozinha e alcançou o interruptor com uma mão, enquanto a outra abandonava as duas sacolas em cima da pequena mesa. Você se lembrara de passar na padaria. Apanhou um prato de sobremesas no armário e um garfo na gaveta. Se sentando na cadeira da ponta, você pegou a embalagem que guardava uma fatia de bolo. Sua boca salivou com a visão das duas grossas camadas de creme branco, a massa claramente macia e úmida e os belos morangos gordinhos reluziram. Você não comeu muito, de qualquer forma, cinco ou seis garfadas, apesar de estar delicioso.

Seguiu seu caminho até o banheiro, pendurando seu sobretudo no mancebo do corredor quando passou por ele. Suas roupas foram abandonadas no chão e seu cabelo estava enrolado no topo da cabeça. Não queria molha-los e ter problemas para secá-los, afinal já era quase noite e estava frio. Você se permitiu usar um dos sabonetes franceses que sua Tia Hange lhe enviara a algum tempo. Tinham um aroma bom. Enquanto a água quente arrastava pela sua pele e descia as costas, você afundava a testa na superfície gélida do azulejo do banheiro.

O banho foi rápido. Apenas o bastante para que você conseguisse se esfregar direito ao ponto que sentiu aquela áurea dos subúrbios deixarem seu corpo. Era só neura claro, mas você sentia que a energia daquele lugar, a mistura de poluição, pobreza e crime, podia se impregnar.

Quando deixou o calor vaporoso do banheiro, a casa já estava um pouco mais escura. Provavelmente já beiravam as sete. Foi direto para o quarto, na qual a porta ficava em frente à do banheiro. Nem se deu conta de que as peças de roupas que você tinha deixado espalhadas pelo corredor quando foi banhar-se, não estavam mais lá. Adentrou o quarto e foi direto ao armário, apanhando e vestindo em seguida a sua camisola preta de alças finas, coisa essa que você provavelmente substituiria por um robe quentinho quando a noite se afundasse e as temperaturas caíssem.

Só então você reparou na pilha de roupas perfeitamente dobradas em cima da cômoda ao lado de sua cama. Exatamente as roupas que você havia espalhado pela casa. Como raios elas haviam ido parar ali? Uma parte sua automaticamente entendeu que algo estava errado, a outra, mais lerdinha, estava tentando se convencer de que você havia sim dobrado tudo e apenas se esquecido desse fato. 

Deixando as presunções de lado, você retoma o caminho para fora do seu quarto. A intenção era assistir um pouco de TV na sala e depois acender um cigarro e tentar dormir. Se fosse como seus hábitos geralmente tradicionais, você adiantaria algum trabalho nesta parte da noite, mas devido a insônia repentina dos últimos dias, você já ficara madrugadas inteiras fazendo muito mais do que devia, então não tinha nada para que trabalhar. Seu chefe já estava ficando orgulhoso de ti e até falando sobre um aumento, afinal ultimamente você tem entregado muito mais do que o esperado.

Porém, ao acender o interruptor da sala e trazer um pouco de luz à casa que estava completamente escura, você quase sentiu que poderia enfartar.

— Puta que pariu! - Fora tudo que conseguira afirmar perante a criatura ali presente. Você deu um salto de volta ao corredor e levou uma mão até o peito, numa tentativa inútil de acalmar seu coração que batia freneticamente devido ao susto. Vez ou outra até que estava familiarizada com um ser invadindo sua sala, o felino de pelagem escura da sua vizinha frequentemente arranja jeito de entrar pelas janelas e cochilava preguiçosamente em suas almofadas. Já teve momentos que você pensara que esse gato era mais seu do que da outra mulher. Mas desta vez não era o pequeno animal sentado ali em seu sofá. Bem, ainda era pequeno e ainda tinha cabelos pretos e, particularmente, era um gato, mas não no sentido literal da palavra. — Que porra você está fazendo aqui?

O homem pálido sentado despojadamente no sofá, com os braços abertos e esticados no encosto e uma perna dobrada sobre a outra. Vestia uma blusa justa preta de mangas compridas, as calças e coturnos ainda eram os que usava em seu uniforme na polícia. O cabelo levemente um pouco mais bagunçado que o normal e uma mochila negra também repousava ao seu lado. Levi soltou um suspiro baixo quando lhe viu assustada no canto da sala.

— Boa noite. Eu dobrei suas roupas. Estavam uma bagunça.

— Boa noite? Que merda, Ackerman! Não pode invadir minha casa!

— Não invadi. A porta estava aberta.

— O que? Não estava não... - Estava sim. Você se esquecera completamente de trancá-la quando entrou. O que também não significava que estava livre para qualquer um entrar.

— Devia lembrar-se de trancar a porta quando entrar e quando sair. É perigoso. Se esqueceu que mora sozinha?

— Sim, Levi, eu me esqueci! Meu pai que sempre trancava a droga da porta e eu simplesmente não perdi a mania de deixá-la destrancada, porque sinto que ele ainda vai voltar do trabalho no horário de sempre e trancá-la para mim! - Você lançou, um pouco mais irritada do que gostaria. A expressão tediosa de Levi foi substituída por algo que você não conseguiu muito bem decifrar. Talvez pena. Você não queria sua pena. Não queria Levi.

Ele não lhe respondeu nada. Geralmente ele não responde mesmo. Apenas a encarava e não movia-se minimamente para dar a entender que estaria disposto a ir embora. Ele não estava indo, de qualquer forma. 

O que eu faço com a saudade? - Levi x LeitoraOnde histórias criam vida. Descubra agora