Voltar a casa

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Era um quente mês de agosto. Saí de casa, de mala pronta e preparada em 10 minutos, em direção a qualquer sítio, embora ainda não soubesse qual. 

Meti-me no carro e rumei em direção à montanha. Haveria de arranjar um bom sítio para ficar. Era cedo, por isso confiei. 

O carro também correspondia, contrariamente face às minhas incertezas, na subida daquele monte cheio de curvas e desníveis. Ainda bem que ele colaborou pois, se fosse por mim só, não sei se chegaríamos lá acima. 

Parei no largo principal daquela pequena aldeia.Olhei à volta, tirei a mala do carro e fui à aventura. Não haveria de ser nada, ia correr bem. 

Oh! que bem me ia saber aquele tempo sem ninguém a perguntarem-me coisas a toda a hora e a interromper-me o raciocínio a cada meio segundo.

Perguntei, a quem apareceu, se havia algum sítio para passar a noite. Uma senhora bastante cuidadosa e meticulosa, deu-me indicações. 

Nem sei bem como, consegui lá chegar. Ruas sinuosas e sem lógica levavam-me ora, ao mesmo sitio, ora a lado nenhum. Além que todas me pareciam iguais. 

Lá dei com uma casinha branca de dois andares, com uma porta azul. Assim como eram todas as outras. Mas esta, distinguia-se pela Glicínia que tombava junto à porta e que com o peso dos seus ramos e dos seus cachos lilases, teimavam em tapar metade da fachada. 

Foi assim que a senhora no largo da aldeia me tinha explicado, como de certeza iria reconhecer a casa. 

Ia bater à porta, mas uma mulher, com alguma idade, que não cheguei a perceber quanta, já me estava a receber, com um sorriso franco e desdentado. Devia ter-me visto, pela janelinha que se via do lado direito da porta. Nunca tinha visto tal coisa, mas reconheci o jeito que aquilo dava.

Que beleza de mulher! Só aquele sorriso e aquela franqueza, desarmava qualquer ser, que lhe aparecesse pela frente, pensei.

- Bom dia! Preciso de um sítio para ficar esta noite, ou mais, ainda não sei, depende. - disse-lhe hesitante e indecisa.

- Entre! Venha, vou-lhe mostrar.- Diz-me a Senhora Ermelinda, decidida por mim e por ela, após se apresentar e eu a ela. 

 A casa estava fresca e cheirava a sopa a fazer no fogão. 

Subi umas escaditas estreitas que levavam ao primeiro andar. Os tetos eram muito baixos e fazia lembrar uma casa de bonecas, de tão pequena e harmoniosa. Achei perfeito. Mostrou-me qual era a porta do quarto onde eu iria ficar e dirige-me para lá. Ainda não tinha chegado à entrada e já se viam os raios de sol, que entravam diretos da janela já aberta, naquela manhã.

Era mesmo aquilo que eu precisava. Um quarto pequeno, mas luminoso. A roupa da cama era toda branca, como eu gostava. Junto à janela, com as vidraças abertas para dentro e as portadas abertas para fora, tinha uma mesa com um paninho branco rendado, que bem podia ter sido feito por aquela mulher ainda em nova, imaginei. 

Em cima da mesa e do pano, uma jarra com flores do seu quintal. Soube-o tão prontamente, porque um aroma doce, me entrou suave pelas narinas e quando me aproximo da janela para espreitar, vejo nas traseiras da casa em baixo, um jardim repleto de flores de todas as cores, arbustos e variadas plantas que não pude identificar, tudo a crescer exuberante e com a sua ordenação própria. Disse-lhe que era mesmo isto que queria e agradeci-lhe.

- Está cá só você. - disse-me ainda antes de sair. - Não vai haver barulho nenhum, pode descansar à vontade! 

 E com isto sai, fechando a porta atrás de si.

Já sozinha, sento-me na beira da cama e olho à minha volta. As paredes irregulares pintadas a cal branca, eram macias como montanhas de neve. O chão gasto, de madeira castanho escuro, extremamente limpo, cedia a cada passada, e rangia denunciando os meus movimentos. 

Quadros simples nas paredes, tinham cenas da vida de campo da aldeia. Um tapete no chão feito de sobras de tecidos coloridos. Cortinas também brancas, esvoaçavam com a brisa e criavam nas paredes do quarto, luz e sombra, tornando tudo ainda mais perfeito e no seu devido lugar.

Saí para a manhã ainda fresca, mas que logo ameaçava aquecer. De noite as temperaturas eram baixas, mas à tarde podiam subir até perto dos 45 graus.

Iria aproveitar a manhã, pois ninguém me iria ver na rua à hora que estivessem esses 45 graus ou mais.

Respirei profundamente 3 vezes. 3 vezes fechei os olhos e mentalizei que agora estava ali naquele sítio e aproveitaria. Logo pensaria no que dizer quando voltasse.

Fui andando pelas ruas, virando na esquina e na rua que me apetecia e assim fui dar a uma fonte. 

Sentei-me com os pés enfiados na água gelada. Mas meti na cabeça que não tinha frio e ali fiquei.Fechei os olhos mais uma vez e cheirei profundamente aqueles aromas misturados, de monte e de campo, de árvores e plantas secas e queimadas do sol de agosto. 

Estava ali para aprender ou reaprender a apreciar o momento, para estar no silêncio, para não ser comandada por ninguém e por nada. Para conseguir voltar a ouvir-me. Para ouvir aquela voz que teimamos em não escutar, a ignorar, mas que não é mais que a nossa melhor amiga. É ela que nos conhece, que sabe que gostamos, que sabe aonde realmente nos sentimos bem. 

Ainda consegui subir o resto do monte. Talvez as pernas geladas daquela água e do tempo que lá estive, tenham ajudado a superar o calor que já se fazia sentir por aquelas bandas. E a subida não era nada meiga, mas superei-me.

Sentei-me bem mais acima, numa pedra redonda e macia que estava mais saliente em relação às restantes. Olhei a paisagem imensa à minha frente e deixei-me por ali ficar. 

Consegui distinguir os pequenos ruídos da natureza à minha volta, por entre períodos de silêncio que recebia com grande satisfação. Pensei em todas as vezes que tinha desejado ali estar, quando por vezes estava já a colapsar de tanta agitação à minha volta. 

Quis guardar aquele momento, bem no fundo das minhas memórias, bem marcado em mim, para que, quando precisasse dele, conseguisse ali voltar vezes e vezes sem conta, sem nunca o gastar ou esquecer.

Voltei a sentir-me em casa, na casa que outrora já foi minha, quando passava horas e horas às voltas nos meus pensamentos sem fim. Gostei de lá estar e agora que já sabia o caminho, só queria lá voltar. 

Desci em direção à casa onde ia pernoitar. A dona viu-me a chegar, vermelha e a fumegar.

- Vá tomar um banho e venha aqui comer um pratinho de sopa. 


Abençoada mulher que sabia mesmo o que é que eu precisava. O banho de água tépida limpou-me tudo, até as mágoas. E a sopa, foi a melhor sopa que comi em toda a minha vida. Tinha um pouco de tudo. De legumes e sabedoria. De coisas tiradas da terra e de coisas pedidas ao céu. Doce e salgada em simultâneo. 

Teria também algo invulgar colocado por aquela mulher, pois senti-me um pouco atordoada e a começar a imaginar coisas. Subi, já trôpega, as escadas até ao quarto, nem sei bem como.

Deitei-me finalmente naquele género de berço branco e imaculado. Todo o quarto rodava e eu com ele. "O que teria ela metido na sopa?" - foi o meu último pensamento. 


O meu corpo ali ficou até ao outro dia. O meu espírito, esse, foi vezes e vezes até casa. Descansando, descansando-me, recuperando-me e recompondo-me. 

Na manhã seguinte, voltei para a minha casa. Eles iam-me perguntar o que se tinha passado, mas iam perdoar de certeza, por sair assim sem dizer nada. Pensei cá para mim que sim.

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