Mensagens que chegam no tempo certo

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- Vou te contar um segredo.
- De segredos todos gostam.
- Deste também vais gostar.

- Sabe a sal e a doce.
- Como assim, a sal e a doce?
- É gostoso! Nunca mais te vais esquecer.
- As pessoas esquecem-se.
- Sim, rápido demais! Logo vem outra coisa e esquecem-se.
- Então conta, vá!
- Não contas a ninguém?
- Juro!

- Encontrei um tesouro!
- Um tesouro a sério?
- Não, a brincar? Claro que foi a sério!
- Estou a perguntar se era a sério o tesouro? Como dos piratas!
- Piratas?! Isto é sério! Queres ouvir? Encontrei um lugar, uma porta. Entrei, não tive medo, hein?! Fui sempre em frente. Cheguei ao fundo, não havia nada!
- Nada? E o tesouro?
- Havia outra porta.
- Outra porta?
- Sim outra porta, pequenina?
- De que tamanho?
- De tamanho pequenino, quase não a via. Mas encontrei-a.
- E depois?
- Depois baixei-me e com o dedo mindinho puxei a argola da porta.
- Bolas, era mesmo pequenina e depois?
- Depois estava escuro e não vi nada.
- Então e o tesouro?
- Meti a mão. 
- Assim às escuras?
- Sim, não tive medo!
- Então e depois?
- Depois lá dentro, apalpei, e encontrei um objeto.
- O tesouro?
- Um papel?
- Só isso?
- Um papel dobrado. Tirei-o e abri para ver o que tinha.
- E o que tinha? Despacha, conta rápido!
- Tinha desenhada uma Cruz e em cada extremidade da Cruz um Xis. 
- Era isso? Só isso? Então não era tesouro nenhum! Era um papel e um desenho!
- Não consegues mesmo ouvir uma história pois não? Se te contasse logo tudo, não haveria de ser a mesma coisa.
- Então continua. Preciso saber! Não consigo esperar mais! O que fizeste ao papel?
- Guardei-o, pareceu-me importante. Saí dali e comecei a descer o monte.
Estava cansado e resolvi sentar-me numa pedra mais alta, que por ali estava. 
- Adormeceste?
- Gostaria, mas não. Comecei a olhar à minha volta e vi uma cruz de pedra. Na altura não liguei muito, há muitas por ali.
- E depois?
- Depois pareceu-me diferente e quis lá ir.
- E foste.
- E fui.
- Vais me dizer o que viste ou vais querer que adivinhe?
- A Cruz tinha um xis em cada extremidade, como o desenho do papel.
- Mas assim desenhada?
- Esculpida, sabes?
- Era a mesma?
- Era a mesma.
- E depois?
- Depois vim-te contar. Preciso que venhas depressa comigo. 
- Depressa? Imagino se tivéssemos tempo! Mas que vou eu fazer com esse teu tesouro?
- O tesouro não é a cruz.
- Como assim, não foi isso que encontraste?

- O tesouro és tu!

- Não estou a perceber.

- Quando encontrei aquele papel e achei que que podia ser um tesouro a sério, só pensei em ficar rico. Depois fui andando monte abaixo e pensei no que faria com todo esse dinheiro, que imaginei receber.  Compraria grandes casas e palácios e carros e tudo o que quisesse. Comeria o que me apetecesse e não faria mais nada na vida. Até que dei conta, que em todo esse meu sonho, não estava a pensar em ti.
E percebi que sem ti eu não queria ter nada daquilo. Que tudo aquilo me podia fazer feliz, 1 ano , 10 anos, mas não toda a eternidade e além. Como tu.

- E depois?

- Quando cheguei ao Cruzeiro encontrei um monge. Mostrei-lhe o papel e perguntei-lhe o que significava. Explicou-me que antigamente os rapazes novos que por ali andavam, escondiam pistas e mensagens em câmaras outrora construídas por monges, para assim se conseguirem encontrar com as jovens das aldeias. Os cruzeiros que existiam isolados na montanha, eram perfeitos para aqueles encontros clandestinos. Normalmente era no mês de Agosto que as usavam mais, assim me contou o Monge. A vegetação secava, do calor intenso daquele mês de Verão e conseguiam-se ver as entradas, fora isso, nunca ninguém as conseguia descobrir. Foi assim que a descobri também, e mais, houve alguém que não se chegou a encontrar.

- E vieste ter comigo!

- Sim, vim ter contigo!

- Então diz lá outra vez!
- O quê?
- Que o teu tesouro sou eu!
- O meu tesouro és tu!

- Então e aonde queres que eu vá? Vieste-me aqui chamar.
- Vem comigo à Cruz!
- Mas disseste que não tinha lá tesouro nenhum!
- Pois foi.
- Então?
- Então preciso que estejas lá, quero pedir-te uma coisa.

- Então que me queres pedir?

- Quero que sejas a porta que eu vou abrir vezes e vezes sem conta e de cada vez que a abra, descubra lá um tesouro, ainda mais importante e rico que o anterior.

- E o segredo ainda queres que o guarde?
- Sim, num papelinho dobrado, dentro de uma porta pequenina.

- Pode ser junto ao coração?


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