CAPÍTULO 2

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Rápido! - sussurei enquanto pegava o máximo que podia.

- Demos sorte hoje. Tem bastante coisa ainda fresca. - Elisabety disse pegando mais coisas da lixeira.

Não era muito na realidade, mas estava tudo em bom estado, o que era suficiente para nos alegrar.

- Vamos!

Ela assente e passa a caminhar ao meu lado pela rua escura.
Não se acendem muitos lampiões por aqui, então a iluminação vem da Lua, e embora fraca, é suficiente para identificar se há alguém por perto, no momento, estamos seguras.

- Consegui algumas frutas. - diz admirada.

- Eu achei umas batatas e alguns salgados ainda inteiros. Vai ser suficiente para 2 refeições cada.

O sorriso em seu rosto ao invés de aumentar, diminui.

- O que foi?

- Só estou pensando.

- Pensando?

- Como é fácil para essas pessoas jogarem comida fora. Não entendo, por que fazem isso?

- Não sei. - respondo honestamente - Bom, melhor pra nós. - completo, o que á faz rir.

Não faltava muito para chegarmos e estamos com sorte, aas ruas estavam desertas.

- Obrigada. - diz ela repentinamente.

- Pelo quê? - pergunto confusa.

- Por nós ajudar. Não sei o que seria de nós sem você. Claro corremos perigo com tantos rebeldes atrás de famílias ricas.... mas sem você já teriamos morrido.

- Não tem que me agradecer.

- Mas é claro que tenho. Graças á você temos um lugar para passar as noites. - seus olhos brilharam a dizer essa frase. Elizabety sempre teve do bom e do melhor, mas agora como uma Dez ter um lugar para passar as noites sem morrer de frio é um milagre.

Eu paro o que a faz parar também. Me viro de frente para ela e a encaro por alguns segundos antes de abraçá-la com força.

- É uma honra ter vocês comigo.

- Pois é uma honra poder estar com você também.

Nós sorrimos uma para a outra, mas o vento nos lembra de que devemos partir e retomamos a caminhada.
Trouxemos conosco alguns dos trajes que Elisabety conseguiu, mas não são suficientes para nos esquentar aqui fora. E vejo ela tremer com a ausência do cobertor, que ficou com o irmão.
Não levamos Jeramie conosco, é perigoso demais, ele é muito novo para esse tipo de coisa e se cansa muito rápido. É mais seguro que nos espere lá.

- Não tem sentido. - comentei.

- O quê?

- Eles pouparam as crianças. Por que fazem isso se vão atrás delas novamente? Não seria mais fácil matar todos de uma vez? - expliquei.

- Talvez. Não faz muito sentido mesmo, mas pelo menos temos uma chance de escapar.

- Está certa. Mas não creio que eles sejam misericordiosos, não é esse o objetivo deles.

Um dos salgados cai do meu bolso e paro para pegá-lo. É nesse exato segundo que Elisabety saí correndo, deixando frutas caírem e a ouço gritar desesperadamente.

- Elisabety!!!

Recolho as frutas o mais rápido possível e vou atrás dela. Quando viro a esquina, entendo o motivo do seu despero e gritos.
Ela se encontra ajoelhada no meio da rua e à alguns metros a sua frente está a garagem, coberta por chamas.
Diante do local, cinco homens estavam rindo com tochas na mão. Eles vestiam uma jaqueta com um quadrado esquisito, todos eles. E isso é só o que consigo observar antes de tapar duas boca com uma mão e erguer seu corpo com a outra, levando-a para outra rua.
Após uns minutos de corrida, recebendo mordidas e chutes, encontro um beco, completamente vazio e a coloco no chão do lado de uma lata de lixo alta.

- Precisamos salvá-lo! - As lágrimas escorrem pelo seu rosto quando ela levanta e tenta correr.

Sou obrigada a segurá-la com mais força do que gostaria.

- Não. - respondi.

- Como não?

- Se formos até lá seremos mortas. Temos que esperar.

- M-mas, Jeramie. - sua voz estava fraca e falha, como se não houvesse ar suficiente em seus pulmões.

- Sinto muito. - envolvo-a em meus braços, na expectativa de conforta-lá.

Ficamos assim por longos minutos, ouvindo o choro abafado uma da outra.

- Bethany, por favor. - seus olhos estão inchados e vermelhos, seu pedido parece uma súplica.

- Espere aqui. - ela assente.

Saio do beco, a fumaça no ar ainda é presente.
Estou prestes a virar a esquina quando ouço cavalos se aproximando. Corro de volta para o beco, me encosto na parede torcendo para minha magreza ser suficiente para passar despercebida. Prendo a respiração  e fico completamente parada quando vejo eles passarem em frente ao beco.
O último deles para em frente a entrada, bem ao meu lado. Nunca fui tão agradecida pela falta de iluminação destas ruas. Fecho os olhos e torço para isso ser o suficiente. Dentro de demorados segundos, ouço-o continuar com os outros.
Solto o ar e relaxo os membros, permitindo meu braço cair sobre as pernas.

- Venha! - Digo a Elisabety, torcendo para que ela consiga ouvir.

Ela ouve e começa a correr. Eu a reepreendo com o olhar e coloco o indicador sob a boca para lembrá-la que deve fazer silêncio. Ela compreende e passa a caminhar.
Coloco minha mão sobre seu ombro e a mantenho em minha frente. Olho para todos os lados enquanto avançamos devagar.
Quando chegamos, qualquer resquício de esperança de esvai. A casa continuava coberta por chamas, não havia possibilidade de alguém conseguir entra lá, ou sair. Quem estivesse lá dentro já estaria morto á tempos.

Elisabety desaba novamente, mas dessa vez não emite sons, teme ter o mesmo destino.
Nesse momento sou incapaz de seguir segurando o choro e as lágrimas escorrem do meu rosto livremente.
Esperamos alguns minutos, o fogo apenas aumentando. Vejo um sujeito atravessar a rua, não parece alguem importante, ele permanece á uma certa distância encarando a cena. Á partir de agora a fumaça só vai aumentar e começará a atrair olhares. Se permanecermos aqui, estaremos sujeitas ao mesmo destino que ele.

- Vamos embora. - digo, com a voz baixa e entre soluços.

- Pra onde? - ela se levanta e estende a mão para que possa segurá-la.

- Não sei. Mas não podemos ficar aqui, acharam ele, vão vir atrás de você também! - não quero assustá-la, mas não posso mentir.

- Ele era tão novo, nunca fez nada a ninguém não merecia isso!

- Eu sei! - respondo tão indignada quanto ela - Mas temos que ir!

- Certo. - ela enxuga as lágrimas nas mangas da blusa e lança um último olhar a garagem antes de começar a caminhar.

E assim fomos dentro da escuridão da noite sem rumo algum, para fugir de monstros espalhados por toda parte. Estavamos cercadas. Cercadas por lobos que nos rodiavam. Não era possível identificá-los, apenas ouvi-los. Havia centenas deles, espalhados por todo o reino em busca da destruição do povo e da morte á sangue frio dos nobres, ou dos antigos nobres.
Me perguntava quantas famílias, quantas crianças, quantos pequenos como Jeramie, quantos mais terão que morrer? Quantos mais terão que partir?
A neve branca, ainda rasa, me fazia afundar, daqui uma semana não conseguiremos mais andar no mesmo ritmo, daqui 20 dias não conseguiremos sequer andar.
E se continuar viva depois disso será tentando manter Elizabety aquecida em Janeiro, onde a neve se transformará em gelo puro. Teremos muita sorte se passarmos do inverno, se chegarmos a primavera. Mas teremos muito mais sorte se não morrermos pelos rebeldes, na mesma espada sangrenta e desnorteada que matou Jeramie. Eu queria ajoelhar na neve e desabar em lágrimas, mas não podia, não podia, por Elizabety. Por Elizabety eu marchava na escuridão olhando a minha volta com dor, temendo o frio e o que pode se esconder nele.
O peso de tudo isso parecia insuportável. Eu perdi pessoas, ela perdeu pessoas. Nós compartilhamos da mesma dor, mas ainda tínhamos uma a outra.
Eu sobrevivi á seis anos, seis verões infernais, seis primaveras agitadas, seis outonos longos e seis invernos sufocantes. Elizabety sobreviveu á metade de um outono e o começo de um inverno. Eu sabia um pouco mais, conhecia um pouco mais e isso me dava algum conforto, algo como "não estou completamente perdida". Mas Elizabety só tem a mim como apoio e não vou desaponta-lá.
Por isso, continuamos andando, com a esperança que não venhamos a falecer essa noite.

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