V E R Ã O

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Fazia pouco mais de dois meses que as conversas entre Tainara e Daniel já não eram umas das melhores que já tiveram

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Fazia pouco mais de dois meses que as conversas entre Tainara e Daniel já não eram umas das melhores que já tiveram. Parecia que o casal não conseguia mais ter no mínimo um diálogo razoável sem que uma discussão pouco amigável começasse e que, aparentemente, ambos pareciam não ter conhecimento do quanto aquilo não só os afetava, mas também afetava de forma direta a Emanuelle.

Ciência que os pais da menina não tinham até uma das noites em que acreditavam terem a posto para dormir antes que entrassem juntos no seu leito, portanto, não levaram em conta que possivelmente Manu não vinha tendo as melhores noites de sono com o tanto que ouvia do outro lado da parede quando os seus pais brigavam.

Emanuelle abraçava seus joelhos de encontro ao peito conforme lágrimas grossas lhe caíam dos olhos e a pequenina tentava entender o porquê os mais velhos sempre tinham de ter motivos para elevar a voz um para o outro, mesmo que isso raramente acontece com os seus progenitores. Geralmente, eles discutiam como se estivessem conversando, mas em suas vozes era possível notar o quão frustrante era a situação para ambos. E dormente para Emanuelle.

Naquele dia porém, o pai parecia alterado, a voz grave dele assumia uma tonalidade mais alta que o costume e isso fazia a garota tremer e temer o pior ao fim daquela discussão, pois tudo o que ela rezava internamente durante aquela troca de palavras inconformadas é que tudo acabasse bem e eles voltassem ao normal. A ser uma família normal.

— Não precisa elevar a voz, Daniel. — Manu ouvia sua mãe dizer do outro lado. Ela imaginava o cenário: a mãe sentada na cama de casal deles e o pai andando de um lado para o outro com as feições de irritação. — Somos dois adultos. Você é o meu marido e eu sou a sua esposa, podemos conversar como pessoas civilizadas, por favor? Não queremos acordar a Manu por causa disso.

Tolice a deles, mal sabiam que Emanuelle já se levantava da cama naquele instante com a sutileza de uma pluma.

Diferente do que a mais nova pensava, o casal estava deitado na cama, Tainara dava as costas para Daniel que por mais frustrado que pudesse estar, ainda conseguia ouvir a voz da esposa. Ele costumava ficar passado às vezes, mas nunca, jamais, passou disso. Ele e sua frustração que se ferrassem, pois não ousava levantar a mão para Tainara. Seu pai assim lhe ensinara uma vez e esse provavelmente era um dos princípios que ele conseguia cumprir.

Então suspirou o homem e suprimiu sua frustração apertando as mãos contra o rosto antes de dizer, baixo:

— Só me dê mais essa semana, Tainara. — Pediu ele, sem muitos argumentos para se defender do que tinha gerado a conversa. — Me dê essa semana e prometo que vou acertar tudo.

Tainara se virou bruscamente para ele. Em meio a escuridão do quarto era difícil ver as lágrimas que molhavam o rosto pardo da mulher que tanto se esforçava para guardar os soluços ansiosos por romperem a garganta.

— Um mês… — ela começou e para a sua infelicidade um soluço lhe escapou juntamente com mais lágrimas que a fizeram espremer o rosto na almofada antes de voltar a encarar seu marido em desilusão. — Vai um mês que você garantiu que iria pagar aquela conta. Agora estamos três meses atrasados, Daniel! Você poderia ter me dito que o dinheiro não entrou, e eu compreenderia, não criaria expectativas e não estaria ferrando com os planos das contas do mês que vem. Céus! É tão difícil assim contar a verdade para mim?

Daniel se manteve calado, acanhado. Sabia que sua esposa tinha razão, mas se sentia responsável por ajudá-la a pagar as contas também, principalmente depois do que aconteceu no ano anterior. Entretanto naquele mês o dinheiro do salário não tinha entrado na sua conta bancária e sentiu vergonha de confessar novamente a Tainara que outra vez receberia o dinheiro atrasado.
Não a queria sobrecarregar, mas não fazia ideia do quão frustrante para a esposa era toda aquela situação. Não somente por ela ter de estar pagando os boletos todos sozinha, mas por Daniel frustrar seus planos quando não lhe contava sobre a real condição financeira deles, tanto como pela falta de confiança dele, nela.

Então, outro soluço reverberou pelo quarto. Mas dessa vez não era o soluço de Tainara, era Emanuelle parada ali na porta deles observando tudo, absorvendo tudo na mais intensa negatividade.

Os adultos se assustaram, mas sequer se olharam quando viram Manu se aproximar deles com lágrimas nos olhos e soluços inconsoláveis. Tainara saiu debaixo do edredom desesperada e Daniel sequer sabia o que fazer, a vergonha já começava a o acometer quando se sentou sobre a cama observando Tainara pegar sua filha no colo.

— Por que vocês sempre brigam? Não se amam mais? — A garotinha perguntou amolecendo no colo da mãe que acariciava os cabelos soltos de Emanuelle e sussurrava shhhh, sem sequer saber o que responder a pequenina.

— Manu, o que faz acordada a essas horas? — Ela indagou, mas foi uma pergunta retórica e com finalidade de fugir da resposta à pergunta da filha. Tainara já começava então a ter noção de que suas brigas geraram a insônia da morena. — E é claro que  o papai e a mamãe ainda se amam.

A menina fungou e olhou para o pai por cima do ombro da mãe. Daniel estava com a cabeça baixa e costas coladas à cabeceira da cama.

— Então brigam por quê?

A mulher inalou ar com força e expirou com calma para conter as lágrimas. Não queria ter de falar sobre esses assuntos com sua garotinha. Ainda era nova demais, pensava. Só o que não imaginava era a confusão imensa que se formava na mente de uma criança quando não lhe era bem explicada determinada situação. Principalmente no caso de Emanuelle que sofria com dores no coração quando passava por momentos tristes ou tensos demais. Assim como acontecia ali.

— São conversas dos adultos, pequena. — A mãe disse. — E você precisa dormir, está tarde, meu bem.

— Posso dormir com vocês, mamãe? — indagou sem tirar a bochecha do peito da progenitora. — Meu peito está a aquecer, de um jeito não bom.

As lágrimas de Tainara a esse ponto já não se continham em ficar presas nos olhos. Elas rolaram justamente no instante em que as lágrimas de Daniel também caíram. Ele se sentia tão culpado quanto a esposa se sentia por ocasionar tamanhos problemas a sua filha. Mas mal eles sabiam que esse era um dos poucos efeitos que suas brigas causavam nela.

— Não, minha filha. — Ela constatou. — Vou te fazer companhia até que durmas, tudo bem?

Manu assentiu, mas nada disse. Nem naquele dia e muito menos nas semanas seguintes que sua mãe passou a dormir com ela. Não era de mau ao todo, mas sua mãe estar dormindo com ela significava que dormir com seu pai tinha se tornado uma coisa desagradável, o que lhe fazia chorar no secreto, pois não queria que as coisas terminassem mal por ali.

Verão é aquela estação em que as temperaturas se elevam. O que era ameno na primavera se mostra abrasador aqui. E no amor, é a estação em que uma pequena situação gerencia a subida de pressão do ar e condiciona climas de extrema tensão capazes de abalar o relacionamento com tamanho desconforto envolvendo os dois e os mais próximos.
É o momento em que pensar com a cabeça fria se torna a última opção e então vem a distância e pensamentos intrusivos consequentes da incapacidade de lidar com determinada situação.
Essa época exige resiliência e paciência para ser ultrapassada, caso contrário, é aqui que a relação acaba e te deixa passada pelo resto da tua vida ou então por uma pequena temporada.

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