16. dream or memorie?

780 75 11
                                    

Eu me lembro muito bem daquela sensação, eu respirava, mas sequer sabia se o ar entrava ou não, tudo que eu ouvia era o som pesado do meu corpo buscando por oxigênio aqueles bips que tocavam o dia inteiro, sem pausa, tudo que eu queria era que aquilo parasse. As luzes ficavam a maior parte do tempo desligadas porque achavam que eu estava dormindo, mas eu nunca dormi lá. Eu devo ter passado um mês acordada, encarando o teto, eu não queria falar com eles, eu não queria falar com ninguém, tinha muita gente falando e falando e falando e falando e falando, eu só queria que eles se calassem junto do bip do oxímetro.

Paredes brancas e roupas azul-esverdeadas foram o que eu vi durante minha estadia naquele lugar. As vezes eu via as sombras dançando e debochando da minha cara. Todas as vezes que eles vinham me ver, sempre ficavam de costas para mim, eu nunca vi seus rostos, só suas costas, o cabelo de Melina foi cortado durante meu tempo lá, eu soube que era ela por causa daquela cor. Seu cabelo tinha uma cor estranha.

Eles me disseram que eu parecia um fantasma de tão branca, ou era morta? Não sei. Não sei como viram meu rosto de costas para mim, talvez eles não estivessem de costas? Talvez eles só estivessem sem rosto mesmo. Melina me disse que tinha medo de ir me ver, ela disse que eu estava magra, gelada e sempre com a boca aberta. Tudo que eu queria era água.

Será que eu queria água? Eles me diziam que água era a fonte da vida, eu esperei de boca aberta pela vida mas nunca me senti tão morta.

E eles continuam falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando e falando.

Ah, como eu os amo. Eles falam tanto, eles sempre me perguntam como eu estou, eles sempre ligam aquela maldita lanterna no meu olho, eles sempre pedem para que eu me mexa. Eu os amo.

O que eu faço aqui? Eu me perguntei um dia, um dia? Mas eu não fiquei lá apenas isso? Não, eu fiquei mais dias. Ou fiquei apenas um dia e ele se repetia? Os ponteiros do relógio sempre estavam no mesmo lugar quando aquela mulher me trazia aquele copinho com aquelas coisas coloridas.

Me desculpem, eu menti sobre não dormir, eu dormia muito. As coisas coloridas me davam sono, ela me dizia que eram jujubas mas eu sabia que eram remédios. Então por que eu chamo de coisas? Sinto falta daquela coisa azul que me deram uma vez, eu fiquei tão feliz que finalmente levantei da cama - isso foi o que aquela mulher que parecia comigo disse.

Inclusive essa mulher era a que mais falava, eu tinha vontade de quebrar o oxímero na cabeça dela, talvez assim os dois se calassem. Foi quando eu comecei a senti dor, dor de cabeça, nas pernas, nos joelhos, nas mãos. Meu braço doía por causa aquelas injeções, e aquela mulher não parava de falar.

"Por que você fez isso?", ela me perguntou.

"Por que eu estou aqui?", eu a perguntei.

"Eu fui tão ruim assim?".

"Por que eu estou aqui?".

"Filha, eu queria que você não me olhasse assim".

"Por que eu estou aqui?", eu a perguntei, mas minha voz nunca saiu.

Depois disso eu gritei. Gritei tudo que havia guardado em décadas presa naquele lugar. Gritei tanto que cuspi sangue. Eu senti outra coisa além de dor, eu senti raiva! E eles nem haviam me dado aquela coisa azul.

Azul.

AZUL.

azul.

Foi por isso que meu cabelo ficou azul depois disso?

Depois da raiva, eu senti medo. As figuras que zombavam de mim agora me ameaçavam, uma delas até me machucou, ele colocou seu dedão grosso no meu nariz e eu vomitei, então a dor voltou e eu não queria mais sentir nada.

Depois da letargia veio a curiosidade. Quem é você? Quem é ele? De onde eu vim? Qual o meu nome? Eu tinha muitos nomes, mas qual deles era o certo? Filha? Amiga? Irmã? Paciente? Eu tenho um nome tão estranho.

"Qual o meu nome?", eu perguntei para a mulher que me trazia os copinhos. Ela pareceu tão alegre quando eu finalmente dei atenção para ela que ela até derrubou o copinho.

Apareceram várias outras pessoas depois dela, eu falei com eles, mas suas vozes eram altas demais.

"Qual o meu nome?", perguntei novamente, mas eles estavam distraídos demais comigo para me ouvirem. Isso fez sentido? Não sei. Mas eu queria água.

Quando eu ri, eles riram também. Agora ninguém mais entrava de costas, eles tinham rostos, o cabelo de Melina ainda estava longo, que estranho!

Eu sabia agora o nome de todos.

"Qual seu nome?", eu perguntava.

"Anders", responderam uma vez.

"E qual o seu nome?".

"Per".

"E qual o meu?", eles começaram a rir e eu ri também.

"Alex", a mulher que parecia comigo chamou, eu a segui porque esse pareceu meu nome.

"Acho que eu descobri!", falei para Anders que estava deitado na cama do meu lado.

"Deixe os outros em paz, Alex", Per era o único que eu sabia o nome mas não sabia o rosto, a mulher ao meu lado era a única que eu sabia o rosto mas não sabia o nome.

Aquela mulher reclamava todo o dia, ela me perguntava porque eu não lembrava dela, mas eu lembrava, só não sabia seu nome.

Eu só voltei para casa quando lembrei do seu nome, ela era a minha mãe.

QUARTZ EYES, per ohlin (PT-BR)Onde histórias criam vida. Descubra agora