Prólogo Um

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Ok, posso não estar causando boa impressão ao admitir isso, mas me deixe dizer logo de cara que eu era
muito careta, tão certinha que matar as duas últimas aulas do dia (física avançada e inglês avançado) me
deixou tão ridícula e loucamente apavorada que chegou a passar pela minha cabeça que aquele plano
maluco não valeria a pena.
Quando penso nisso hoje, mal posso acreditar que estive tão perto de desistir da mais bela, mais
engraçada, mais dolorosa e mais extraordinária experiência que terei por toda a vida.
Que idiota eu era.
Eu estava no Ernie’s e sentia um enorme frio na barriga. As pontas das minhas botas country batiam
incessantemente no balcão, até que Ernie – que tem cerca um milhão de anos de idade e é, basicamente,
um resmungão – me pediu para parar. Mas Ernie está a um show do Nickelback de distância da surdez
completa, então tirei as botas e continuei batendo com o pé no balcão.
Eu estava contente por ele não ter perguntado por que eu estava sentada em sua lanchonete antiquada,
tomando um café gigantesco (do qual eu precisava tanto quanto precisava de um buraco para enfiar a
cabeça), em vez de estar a dois quarteirões dali, no Colégio Klamath Falls, ouvindo o Sr. Fox tagarelar
sobre o espaço-tempo contínuo. O que eu teria dito?
Bem, Ernie — quero dizer, Sr. Holman —, estou esperando um garoto com quem eu nunca poderia
namorar e prestes a pedir que ele faça algo tão espantoso que irá salvar nossas vidas ou nos destruir
completamente.
Ernie não se importava muito com dramas adolescentes, e é provavelmente por isso que ninguém que eu
conhecia frequentava seu estabelecimento – isso e o fato de seus doces serem empoeirados e as barras de
Snickers, tão duras que podiam ser usadas como pés de cabra.
Mas eu não me importo. O garoto que eu mencionei também não. Ernie’s é o nosso lugar.
Esse mesmo garoto me enviara um recado naquele dia. De algum modo ele conseguiu acesso a meu
armário, mesmo não frequentando mais minha escola, e mesmo que tivéssemos um sistema de segurança
do nível dos SEALs da Marinha – para nos proteger sabe-se lá de quê (rebeliões contra o tédio de
cidades pequenas, talvez).
Axi, Então você tem novidades que vão abalar o mundo, é? Estou chocado por você pensar que pode me
surpreender – ou surpreso por você pensar que pode me chocar. Ou algo assim. Você é a nerd das
palavras. Bem, de qualquer modo, mal posso esperar para saber das novidades.
Me encontre no Ernie’s. À 1:15. Sim, isso significa matar aula. Sem desculpas.
Seu “Patife” preferido
Esse é Robinson. Eu o chamei de patife uma vez, de brincadeira, e ele nunca mais me deixou esquecer.
Ele tem 17 anos. Meu melhor amigo. Meu parceiro no crime.
Ouvi a porta da frente se abrir e poderia afirmar que ele chegara apenas pelo modo como o rosto de
Ernie começou a reluzir, como se alguém acabasse de lhe entregar um presente. Robinson tinha esse
efeito sobre as pessoas: quando entrava em algum lugar, era como se, repentinamente, as luzes se
tornassem mais brilhantes.
Ele se aproximou e colocou a mão sobre meu ombro.
— Axi, sua boba — ele disse (afetuosamente, claro). — Nunca beba o café do Ernie sem um donut. —
Ele se aproximou ainda mais e sussurrou: – Aquilo vai abrir um buraco gigante em seu estômago.
Então ele se sentou no banquinho ao lado do meu, de pernas abertas, pernas magricelas em sua Levi’s
desbotada. Estava usando uma camisa de flanela, mesmo sendo fim de maio e fazendo 25ºC lá fora.
— Ei, Ernie — ele chamou. — Você ouviu que os Timbers mandaram o técnico embora? Será que pode
nos trazer um donut de chocolate?
Ernie se aproximou, balançando a cabeça grisalha.
— Futebol! — ele resmungou. — O que o Oregon precisa é de um time profissional de beisebol.
Esse sim é um esporte de verdade. — Colocou o donut em um velho prato lascado. — Por conta da casa.
Robinson se virou para mim, sorrindo e apontado o polegar para Ernie.
— Eu amo esse cara.
Era óbvio que o sentimento era recíproco.
— E aí? — Robinson disse, me dando total atenção. — Qual é a ideia maluca? Finalmente vai aprender a
dirigir? Decidiu tomar uma cerveja inteira? Vai deixar de fazer a lição de casa tão assiduamente?
Ele está sempre pegando no meu pé pelo fato de eu ser comportada. Robinson acha — e meu pai
concorda — que é super-rebelde só porque abandonou a escola, um lugar que ele considera
“insuficientemente cativante” e “habitado por cretinos” (cretinos foi uma palavra que eu ensinei a ele,
claro). Pessoalmente, acho que faz sentido.
— Provavelmente vou reprovar em tudo, exceto inglês — eu disse, e não estava exagerando. A média deminhas notas estava prestes a desabar e, com um pouco de sorte, eu não estaria por perto para fazer os
exames. Uma semana atrás isso não me deixaria dormir à noite. Mas consegui deixar de me preocupar
porque, se meu plano funcionasse, a vida que eu conhecia estava prestes a mudar.
— Conhecendo você, isso soa altamente improvável — Robinson replicou. — E daí se você estiver um
pouco distraída e, Deus nos livre, tirar um B+ em alguma coisa? Você está muito ocupada escrevendo o
Grande Romance Americano. A i!
Dei um tapa no braço dele.
— Por favor! Entre estudar e tomar conta do meu querido e velho pai, não tenho tido tempo nenhum para
escrever. — Meu pai entrara em uma fase ruim alguns anos antes e estava tentado encontrar a saída no
fundo de uma garrafa desde então. Desnecessário dizer que sua estratégia não estava funcionando muito
bem. — Podemos nos concentrar no que estamos discutindo agora? —
perguntei.
— Que é…?
— Vou fugir de casa — anunciei.
O queixo de Robinson caiu. A propósito, ao contrário desta que vos fala, ele nunca precisou usar
aparelho e seus dentes são perfeitos.
— E, para sua informação, você vai comigo — acrescentei.

PRIMEIRO AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora