Parte 1
Eram quatro e meia da manhã quando acordei e tirei a mochila de debaixo da cama.
Passei as últimas noites obsessivamente acrescentando ou retirando coisas, me certificando de que tinha
exatamente o que precisaria e nada mais: algumas trocas de roupa, o sabonete do Dr. Bronner [ 1
] (serve como “creme de barbear, xampu, creme dental, creme de massagem e sabonete para banho”, de
acordo com o rótulo), e um canivete suíço que peguei da gaveta da escrivaninha do meu pai. Uma câmera
e, claro, meu diário, que levo comigo para todo lugar.
Ah! E mais de mil e quinhentos dólares em dinheiro, porque eu sou a melhor babá do bairro há cinco
anos e cobro de acordo.
Talvez uma parte de mim sempre soubesse que eu iria partir. Quer dizer, por que eu não gastara meu
dinheiro em um iPad ou em um vestido Vera Wang para a formatura, como as outras garotas de minha
classe? Eu tinha aquele mapa dos Estados Unidos na parede do quarto há anos e costumava olhar para ele
por horas, imaginando como seriam o Colorado, Utah, Michigan e Tennessee.
Não acredito que demorei tanto tempo para criar coragem. Afinal, eu vi minha mãe partir. Seis meses
depois que minha irmã mais nova, Carole Ann, morreu, minha mãe enxugou seus olhos vermelhos e nos
deixou. Voltou para o leste, onde foi criada, e, até onde sei, nunca olhou para trás.
Talvez a compulsão por fugir seja genética. Minha mãe fugiu para escapar de sua dor. Meu pai usa o
álcool para escapar. Agora é minha vez... e isso parece estranhamente certo. Depois de tanto tempo,
quase consigo perdoar minha mãe por ter ido embora.
Vesti minha roupa de viagem e calcei os tênis — dando adeus às minhas botas favoritas — e coloquei a
mochila nas costas, segurando apertado em suas alças. Eu sentiria saudades daquele apartamento,
daquela cidade, daquela vida do mesmo modo como um ex-presidiário sente falta de sua cela na prisão, o
que se resume a: Nem. Um. Pouco.
Meu pai estava dormindo no sofá horroroso da sala. O sofá tinha flores cor-de-rosa, e a cor agora
parecia mais um marrom alaranjado, como se até mesmo as plantas de tecido pudessem morrer por
negligência em nosso apartamento. Passei por ele e saí.
Meu pai emitiu um pequeno ronco, mas nem por isso se moveu. Nos últimos anos ele se acostumou a ver
as pessoas partindo. Faria alguma diferença se outro membro da família Moore desaparecesse da vida
dele?
No corredor, do lado de fora, eu parei. Pensei nele acordando e se arrastando até a cozinha para fazer
café. Ele veria como a deixei limpa e ficaria grato de verdade, e talvez decidisse voltar para casa mais
cedo do trabalho e fazer um jantar de família (ou um jantar para o que resta da família).
Então ele esperaria por mim à mesa, do mesmo modo que esperei por ele tantas noites, até a comida
esfriar.
Finalmente ele perceberia: eu havia partido.
Uma dor pesada se espalhou pelo meu peito. Me virei e voltei para dentro.
Meu pai estava deitado de costas, sua boca levemente aberta conforme respirava, os sapatos ainda nos
pés. Estiquei a mão e toquei seu ombro levemente.
Ele não era um pai ruim, afinal de contas. Pagava o aluguel e a conta do mercado, mesmo sendo eu quem
fazia compras. Quando conversávamos, o que não era frequente, ele perguntava sobre a escola e meus
amigos. Eu sempre dizia que tudo estava ótimo, porque o amava o bastante para mentir. Ele fazia o
melhor que podia, mesmo que seu melhor não fosse muito bom.
Escrevi cerca de oitocentos rascunhos de um bilhete de despedida. A Súplica: Por favor, tente entender,
pai. Preciso fazer isso. O Elogio: Foram o seu amor e o seu cuidado comigo, pai, que me deram
coragem para fazer essa viagem. O Literário: Assim como o grande roteirista irlandês George Bernard
Shaw escreveu, “Viver não é encontrar a si mesmo. Viver é criar a si mesmo”. E
eu quero criar a mim mesma, pai. O Irritado: Não se preocupe comigo. Sei cuidar de mim mesma.
Afinal, faço isso desde que mamãe nos deixou. No final, nenhum deles parecia certo e joguei tudo fora.
Me aproximei dele. Senti o cheiro da cerveja, do suor e de sua loção de barbear.
— Ah, pai — sussurrei.
Talvez uma pequena parte de mim esperasse que ele acordasse e me impedisse de ir. Uma pequena parte
de mim, fraca, que queria ser uma garotinha outra vez, com uma família que não estivesse doente ou
despedaçada. Mas isso certamente não iria acontecer, iria?
Então, beijei-o no rosto. E dessa vez fui embora pra valerAté amanhã galera.
Lembre-se amanhã partir das 22:00 o capítulo será publicado!
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PRIMEIRO AMOR
RomanceUm retrato comovente de um verdadeiro amor, que vai tocar o coração de quem tem um primeiro amor todo seu. Axi Moore é uma garota certinha, estudiosa, bem comportada e boa filha. Mas o que ela mais quer é fugir de tudo isso e deixar para trás as lem...