Capítulo 3

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O que você está fazendo? — resmunguei, enquanto Robinson me levava por uma das ruas paralelas.
Suas pernas são duas vezes mais longas que as minhas, e eu precisei correr para acompanhá-lo.
Quando chegamos a um cruzamento, agarrei seu braço e o forcei a se virar para mim. Olhos nos olhos.
Patife contra Srta. Careta.
— Está falando sério? — perguntei. — Me diga que não está falando sério.
Ele sorriu.
— Você cuidou da rota. Deixe que eu cuido do transporte.
— Robinson!
Ele se soltou e colocou o braço sobre meu ombro, como se fosse um irmão mais velho.
— Fique calma, MC. Vou lhe dar uma aula sobre como escolher um veículo.
— Uma aula sobre o quê? E não me chame disso. — MC significa Menina Careta, e fico irritada quando
ele me chama assim.
Robinson apontou para um carro bem à frente.
— Aquele carro, veja, é um Jaguar. Bela máquina. Mas é um XJ6, e esse modelo tem problemas com o
filtro de combustível. Você não pode roubar um carro que vaza gasolina, Axi, porque pode pegar fogo e
você não vai querer morrer em um incêndio. Além disso, você certamente iria para a cadeia por roubo de
carros de luxo.
Caminhamos um pouco mais, e Robinson apontou para uma minivan verde.
— A Dodge Grand Caravan é espaçosa e confiável, mas nós somos aventureiros, não mães de jogadores
de futebol.
Decidi fingir que era tudo um faz de conta.
— Tudo bem. E aquela? — perguntei.
Ele olhou na direção em que apontei e ficou pensativo
Toyota Matrix. Sim, definitivamente uma boa opção. Mas estou procurando algo com um pouco mais
de estilo.
Àquela altura, o sol estava começando a surgir no horizonte e os pássaros tinham acordado, conversando
uns com os outros. Enquanto eu e Robinson continuávamos a caminhar pelas ruas arborizadas, eu sentia o
bairro despertar. E se alguém saísse de casa para pegar o jornal e nos visse, dois sujeitos vadiando,
inspecionando os carros da rua de modo muito suspeito?
— Chega disso, Robinson. Vamos sair daqui. — Eu esperava que ainda desse tempo de pegarmos o
ônibus. Tínhamos dez minutos.
— Eu só quero o carro perfeito — ele respondeu.
Naquele momento, vimos algo com o canto dos olhos. Era marrom e rápido e vinha em nossa direção.
Quase sem fôlego, estendi a mão para Robinson.
Ele riu e me puxou para perto dele.
— Caramba, Axi, se controle. É só um cachorro.
Meu coração estava palpitando.
— Eu sei que é... Agora eu sei.
Dava para ver que não era um cão de guarda. Era pequeno, com pelo longo e emaranhado. Sem coleira ou
identificação. Dei um passo em sua direção, com a mão estendida, e ele recuou. Ele se virou, foi em
direção a Robinson (claro) e lambeu sua mão. Daí, aquela coisinha deitou nos pés dele.
Robinson se ajoelhou para acariciar o animal.
— Robinson. — Eu estava ficando impaciente. — Ônibus da Greyhound ou carro roubado, temos que ir.
Ele parecia não me ouvir. Suas mãos longas e graciosas puxavam as orelhas do animal, que rolava no
chão. Enquanto Robinson coçava sua barriga, a perna do cãozinho tremia e sua língua cor-de-rosa
balançava para fora, em um momento de êxtase canino.
— Você é muito fofo — Robinson disse, gentilmente. — De onde você é?
O cachorro não podia responder, mas nós sabíamos. Ele estava magro e seu pelo, cheio de lama.
Dava para ver a pele em alguns lugares. Aquele cachorro não pertencia a ninguém.
— Quem dera você pudesse vir conosco — Robinson sussurrou. — Mas temos um longo caminho para
percorrer e acho que você não iria gostar.
O cachorro olhou para ele como se quisesse dizer que gostaria de qualquer coisa no mundo, contanto que
envolvesse ganhar mais carinho de Robinson. Mas, quando você está fugindo de sua vida e não pode
carregar nada que não seja estritamente necessário, um cachorro abandonado cai na categoria Não
Necessário.
Dê um pouco de amor para ele, Axi — Robinson insistiu.
Eu me abaixei e mergulhei os dedos na pelagem imunda do cachorro, como vi Robinson fazer.
Quando corri minha mão por seu peito, pude sentir o coraçãozinho acelerar pela empolgação de
encontrar um lar, alguém para cuidar dele.
Pobrezinho, pensei. De certo modo, eu sabia exatamente o que ele estava sentindo. Não tinha ninguém e
estava preso ali.
Mas nós não estávamos. Não mais.
— Estamos indo embora, amiguinho. Sinto muito — expliquei. — Nós temos que ir.
Foi esquisito, e, por algum motivo, aquele adeus foi quase tão doloroso quanto o que sussurrei para meu
pai

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⏰ Última atualização: Sep 05, 2021 ⏰

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