Caravelas é mãe de muita coisa maluca, berço de mitos, lendas vivas e mortas que transcendem o imaginário das pessoas que a habitam. Sim, eu separei as lendas como "vivas" e "mortas", por que existem habitantes desse local místico que já se transformaram seres iluminados, quase santos às avessas, cujo seus nomes se tornaram marcantes e atravessaram o tempo, superando a morte. Mais para frente, no meio de toda a história que pretendo apresentar, explicarei com mais detalhes a respeito dessas pessoas. Estive lá, naquele pequeno município do extremo sul da Bahia, com cerca de modestos vinte mil habitantes, durante a minha infância e início da minha pré-adolescência. Neste período, pude vivenciar um dos momentos mais estranhos e macabros que já aconteceu naquela cidade.
Até mesmo para o município de Caravelas, algumas coisas não são muito comuns, principalmente o que aconteceu durante o ano de 2006, quando eu tinha em torno de treze anos de idade, e gostava de frequentar a praça dos correios para brincar com outros pivetes da minha mesma faixa etária. Naquele ano, em específico, as mães proibiram as crianças de frequentarem a rua por muito tempo, tudo isso por que, espalharam pela cidade toda o boato de que um carro preto estava passando pelas ruas e sequestrando as crianças para vender seus órgãos no mercado ilegal. As mães ameaçavam seus filhos sempre que tentavam sair de casa para "gandaiar" - "O carro preto vai ter levar!" - diziam, na tentativa de intimidar suas crias, e salvá-las do terrível mau de quatro rodas, uma versão moderna e motorizada da lenda do homem do saco.
Faz muitos anos que, eu, Sabino Barbosa, não visito Caravelas, para ser sincero, depois do fatídico e bizarro ano de 2006, após todos aqueles acontecimentos, e depois que fui embora do município e vim para o Ceará, nunca mais retornei. Mas agora, no ano de 2020, com essa pandemia e isolamento, tive um tempo a mais para me relembrar de coisas que aconteceram no meu passado. Mexendo em álbuns de fotos aqui, e outras acolá, encontrei um em específico com fotos minhas durante a infância em Caravelas. Uma delas, em especial, me trouxe um sentimento de saudade e conforto que há muito tempo não sentia antes, na foto, mostrava: Eu e um menino nativo da cidade - que não me recordo o nome, mas durante essa narrativa, vou chamá-lo de "Menino"- em frente a casa em que eu e minha família - composta pelo meu pai, minha mãe e eu - vivíamos na época, que acredito que não esteja muito diferente hoje em dia. O garoto era magrelo, negro, com a pele mais clara, de cabeços cacheados e usava um óculos gigante na cara. A casa era verde, com uma arquitetura colonial característica da cidade, cercada por um muro pequeno com formato pontiagudo, portões brancos, e decorada com dois pinheiros que enfeitavam a entrada principal. Essa casa, pelo o que meu pai disse, é onde os oficiais da marinha se hospedam temporariamente para realizar trabalhos na região, e foi por esse motivo que fui parar em Caravelas, meu pai, Sabino Santos Barbosa I - Sim, ele também se chama Sabino - é marinheiro (hoje, aposentado), e passou um ano realizando atividades da marinha na cidade de Caravelas, conhecida mundialmente como porta do arquipélago de Abrolhos.
Inclusive, o meu pai foi responsável por alimentar minhas memórias enquanto folheava o álbum de fotos. Ele falou que, o menino, até então desconhecido em minha mente, foi o meu melhor amigo durante o tempo que passei em Caravelas, e aquela foto, registrava o fim de um momento que marcou a vida de muitos caravelenses, o momento bizarro do fatídico ano de 2006. Lembro exatamente do diálogo, foi ele que me motivou a escrever esse blog.
- Lembro de você e esse menino jogando cartas lá na casa, era "Yu-Ji-Ou", ou algo do tipo - relembrou papai, se referindo ao card game de "Yu-Gi-Oh!", um jogo de cartas colecionáveis que fazia muito sucesso na época.
- Yu-Gi-Oh? - corrigi.
- Sim!
- Ah! Lembrei! acho que me recordo disso, éramos umas das poucas crianças que não tiveram suas cartas jogadas na fogueira - risos - respondi, tirando graça de uma situação muito comum na infância de nascidos dos anos noventa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Lobisomem em Caravelas.
WerewolfEm plena pandemia, em um momento de isolamento, Sabino começa a relembrar do passado através de um álbum de fotos de sua infância, no município de Caravelas, durante o início da década de 2000. Uma foto em particular, o faz despertar memórias em rel...