Episódio 01 - A Primeira Noite de Lua Cheia - Parte I

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Caravelas é mãe de muita coisa maluca, berço de mitos, lendas vivas e mortas que transcendem o imaginário das pessoas que a habitam. Sim, eu separei as lendas como "vivas" e "mortas", por que existem habitantes desse local místico que já se transformaram seres iluminados, quase santos às avessas, cujo seus nomes se tornaram marcantes e atravessaram o tempo, superando a morte. Mais para frente, no meio de toda a história que pretendo apresentar, explicarei com mais detalhes a respeito dessas pessoas. Estive lá, naquele pequeno município do extremo sul da Bahia, com cerca de modestos vinte mil habitantes, durante a minha infância e início da minha pré-adolescência. Neste período, pude vivenciar um dos momentos mais estranhos e macabros que já aconteceu naquela cidade.

Até mesmo para o município de Caravelas, algumas coisas não são muito comuns, principalmente o que aconteceu durante o ano de 2006, quando eu tinha em torno de treze anos de idade, e gostava de frequentar a praça dos correios para brincar com outros pivetes da minha mesma faixa etária. Naquele ano, em específico, as mães proibiram as crianças de frequentarem a rua por muito tempo, tudo isso por que, espalharam pela cidade toda o boato de que um carro preto estava passando pelas ruas e sequestrando as crianças para vender seus órgãos no mercado ilegal. As mães ameaçavam seus filhos sempre que tentavam sair de casa para "gandaiar" - "O carro preto vai ter levar!" - diziam, na tentativa de intimidar suas crias, e salvá-las do terrível mau de quatro rodas, uma versão moderna e motorizada da lenda do homem do saco.

Faz muitos anos que, eu, Sabino Barbosa, não visito Caravelas, para ser sincero, depois do fatídico e bizarro ano de 2006, após todos aqueles acontecimentos, e depois que fui embora do município e vim para o Ceará, nunca mais retornei. Mas agora, no ano de 2020, com essa pandemia e isolamento, tive um tempo a mais para me relembrar de coisas que aconteceram no meu passado. Mexendo em álbuns de fotos aqui, e outras acolá, encontrei um em específico com fotos minhas durante a infância em Caravelas. Uma delas, em especial, me trouxe um sentimento de saudade e conforto que há muito tempo não sentia antes, na foto, mostrava: Eu e um menino nativo da cidade - que não me recordo o nome, mas durante essa narrativa, vou chamá-lo de "Menino"- em frente a casa em que eu e minha família - composta pelo meu pai, minha mãe e eu - vivíamos na época, que acredito que não esteja muito diferente hoje em dia. O garoto era magrelo, negro, com a pele mais clara, de cabeços cacheados e usava um óculos gigante na cara. A casa era verde, com uma arquitetura colonial característica da cidade, cercada por um muro pequeno com formato pontiagudo, portões brancos, e decorada com dois pinheiros que enfeitavam a entrada principal. Essa casa, pelo o que meu pai disse, é onde os oficiais da marinha se hospedam temporariamente para realizar trabalhos na região, e foi por esse motivo que fui parar em Caravelas, meu pai, Sabino Santos Barbosa I - Sim, ele também se chama Sabino - é marinheiro (hoje, aposentado), e passou um ano realizando atividades da marinha na cidade de Caravelas, conhecida mundialmente como porta do arquipélago de Abrolhos.

Inclusive, o meu pai foi responsável por alimentar minhas memórias enquanto folheava o álbum de fotos. Ele falou que, o menino, até então desconhecido em minha mente, foi o meu melhor amigo durante o tempo que passei em Caravelas, e aquela foto, registrava o fim de um momento que marcou a vida de muitos caravelenses, o momento bizarro do fatídico ano de 2006. Lembro exatamente do diálogo, foi ele que me motivou a escrever esse blog.

- Lembro de você e esse menino jogando cartas lá na casa, era "Yu-Ji-Ou", ou algo do tipo - relembrou papai, se referindo ao card game de "Yu-Gi-Oh!", um jogo de cartas colecionáveis que fazia muito sucesso na época.

- Yu-Gi-Oh? - corrigi.

- Sim!

- Ah! Lembrei! acho que me recordo disso, éramos umas das poucas crianças que não tiveram suas cartas jogadas na fogueira - risos - respondi, tirando graça de uma situação muito comum na infância de nascidos dos anos noventa.

Um Lobisomem em Caravelas.Onde histórias criam vida. Descubra agora