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TESTEMUNHO DO FUMACINHA.
Já era meia-noite, e em pleno verão, a lua surgiu cheia e brilhante, algo muito incomum para aquela temporada e data em específico. Fumacinha voltava de suas andanças pela cidade, realizou o seu trajeto de quase vinte e quatro horas de trabalho, vendendo suas pamonhas em sua bicicleta, mesmo com a cidade vazia em seu clima gélido e noturno, continuava a cantarolar suas prosas de vendedor em bom e alto som, sem perder o costume, até chegar em sua casa. Naquele dia em particular, Fumacinha pedalou até a Barra de Caravelas, um povoado que fica a dez quilômetros da cidade, lugar onde está localizada principal praia caravelense, a praia da Barra. Fumacinha havia vendido todo seu estoque para os turistas que lá estavam mais cedo, aproveitando a praia, e voltava da batente em sua bicicleta, percorrendo o caminho da pista que levava de volta a Caravelas.
Naquela noite, segundo a testemunha, a pista estava estranhamente silenciosa, certo que, em um município minúsculo como aquele, depois de um certo horário, toda a área urbana fica deserta e vazia, imagine uma estrada. Mas Fumacinha estava acostumado com pelo menos a passagem de algumas carretas por alí, ou caminhões das fábricas de celulose que ficam perto daquelas redondezas, mas isso não aconteceu, tudo estava completamente vazio e penumbroso, e a lua cheia que iluminava o caminho não passava para Fumacinha uma sensação de segurança, pelo contrário, transbordava medo, arrepio, angústia e uma ansiedade extra para chegar logo em casa. Para fugir dessa sensação incômoda de aflição, Fumacinha começou a cantarolar seus bordões em alto e bom som, para o nada, apenas com o propósito de aliviar o seu coração e diminuir o tamanho simbólico do trajeto.
- Olha o Fumacinha chegando - cantarolou.
- Pamonha quentinha vindo da roça do fumacinha - cantarolou mais uma vez - Se estiver fria você não paga - completou.
Quando estava prestes a cantarolar novamente, escutou murmúrios de uivos de uma espécie de cão no meio da estrada, e assim que percebeu, seu coração gelou, cessando seus movimentos para observar qualquer coisa que estivesse em sua volta. Fumacinha olhou para um lado, e para o outro, mas nada viu ali, então decidiu continuar o seu trajeto normalmente, como se nada tivesse acontecido. Entretanto, não poderia negar o sentimento de angústia e aflição que congelava aos poucos o seu coração, tornando a estrada mais densa e longa, e os pedais da bicicleta pesados, e suas rodas dianteiras e traseiras, como se estivessem se arrastando pela pista, dificultando a seu trajeto de volta para casa. Para aliviar a sensação de angústia, Fumacinha decidiu cantarolar mais uma vez os seus bordões marcantes, como forma de diminuir a duração psicológica de seu percurso. Ele já estava prestes a chegar em Ponta de Areia, um povoado do município de Caravelas que se localiza no meio da estrada entre a Barra de Caravelas e a cidade sede, próximo dali, a sensação de alívio e segurança retornou, pois estava próximo a uma área urbana, lugar onde poderia se sentir mais seguro do que na estrada vazia e deserta.
Para a infelicidade do destemido vendedor da Pamonha, Ponta de Areia estava coberta por uma neblina incomum para a estação, onde nada poderia ser visto, apenas a penumbra das residências em volta, e a lua cheia que emanava uma luminescência de cegar os olhos no centro do céu noturno. A sensação de segurança foi embora como um sopro de vida de uma mosca, abrindo caminho de volta para a angústia, aflição e ansiedade, ambientadas pelo frio do desértico urbano daquele povoado.
- Olha o fumacinha... O Fumacinha chegando! Pessoal! - cantarolou, dessa vez, sem tanta entonação e ânimo na sua voz, que estava trêmula, e soava como um grito de socorro de alguém que só queria estar logo em casa.
- Ajudar o Fumacinha... Ajudar o Fumacinha! - cantarolou mais uma vez o seu trecho característico de vendedor ambulante, que dessa vez, soava como um pedido de socorro para que alguém o tirasse dali o mais rápido possível.
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Um Lobisomem em Caravelas.
WerewolfEm plena pandemia, em um momento de isolamento, Sabino começa a relembrar do passado através de um álbum de fotos de sua infância, no município de Caravelas, durante o início da década de 2000. Uma foto em particular, o faz despertar memórias em rel...