Fumacinha surgiu de tal maneira, confuso, ensanguentado, dizendo em alto e bom som que viu o lobisomem destrinchar o corpo daquela vítima. Segundo o que está escrito no nosso caderno de "Pistas e Planos dos Caçadores de Lobisomem", Fumacinha afirmou que naquele dia, as pessoas o olharam com desconfiança, como se não o reconhecessem, mesmo atordoado e traumatizado, pelo o que acabara de viver na madrugada anterior, ainda era capaz de perceber o olhar de cada pessoa ali: Gente que comprava suas pamonhas, clientes fiéis, que sempre o recebiam com o mais caloroso sorriso, o encarando como se fosse um assassino voraz. Ninguém ali cogitou a possibilidade de Fumacinha ter sido uma vítima sobrevivente, ou algo do tipo, todo mundo em volta encarava o humilde e conhecido vendedor de pamonhas como o autor do cenário tenebroso deixado na praça da igreja da Nossa Senhora de Lourdes.
Fumacinha estava ajoelhado aos pés do padre Inório, agarrado em sua batina com as mãos manchadas de sangue, consequentemente manchando todo o manto sagrado de sua santidade. Ao notar o olhar de espanto das pessoas em sua volta, Inório logo decidiu expulsar todo mundo da praça, deixando apenas a polícia por perto.
_ O que vocês estão fazendo aqui? Andem, já bisbilhotaram tudo que tinha para bisbilhotar, agora xispam daqui! xô! xô! - expulsando todos os fuxiqueiros de perto - incluindo, minha mãe e Verinha.
As pessoas ignoraram o recado e não se afastaram de jeito nenhum. Padre Inório se viu em desespero porque Fumacinha não parava de chorar e gritar que havia visto o lobisomem matando uma mulher, as pessoas ficaram em círculo rodeando tudo que estava acontecendo, a polícia, estava parada com a viatura em frente a igreja, aparentemente esperando algum sinal do padre para que qualquer coisa fosse feita. O santíssimo notou que a inércia da polícia estava relacionada com o respeito de sua presença e a logo fez um sinal de positivo para que algo fosse feito para conter a balbúrdia.
POU!
Um dos soldados, o cabo Delgado, atirou para o alto e botou todo mundo para correr dali, incluindo minha mainha, Verinha e eu.
_ Vamos ir vazar daqui! - gritava Verinha, enquanto minha mãe me puxava pelas mãos.
_ O que está acontecendo mainha? - perguntei, confuso e assustado com o barulho.
_ Nada filhinho, vamos para a praia - respondeu mainha, tentando me tranquilizar.
Meu pai decidiu tirar uma fotografia do acontecido com sua câmera digital fotográfica e a foto ficou emblemática, ilustrando todo aquele momento que logo viria à tona para toda a população no dia seguinte: Fumacinha ajoelhado e agarrado na batina do Padre Inório, um corpo morto, estirado e estilhaçado no chão em diversos pedaços em cima de uma poça enorme de sangue, dois policiais se aproximando de Fumacinha e uma viatura parada. Meu pai utilizou um filtro preto e branco na hora de bater a fotografia, o que a deixou com um aspecto mais histórico ainda. Sabino pai, me contou que mesmo "animado'' de álcool, conseguiu analisar que se tratava de uma situação crítica e ficou observando de dentro do carro, para não causar qualquer tipo de problema. Dona Célia - a minha querida mãe - , e sua amiga Verinha, entraram no carro já tricotando sobre o assunto, em seguida, partimos para a praia. A foto estava grudada no nosso livro dos planos infalíveis, no verso de uma das folhas que registrava a entrevista com o Fumacinha.
O ACONTECIDO NOTICIADO
Fiquei de fato instigado a saber por que diabos meu pai retirou aquela fotografia, em um tom tão jornalístico. Eu sei que ele é um acumulador e gosta de juntar muitas coisas, guardar recordações e etc, mas na maioria das vezes eram de momento felizes, como viagens, por exemplo. Mas em momento nenhum me recordava de Sabino pai ter uma característica tão investigativa e sombria dentro de si. Logo deduzi que ele pudesse estar por trás da súbita vontade de duas crianças em pleno dois mil e seis, de caçar um lobisomem pelos arredores de Caravelas. Pausei um pouco a leitura daquele caderno, ainda na metade da entrevista com Fumacinha, e resolvi chegar perto do meu velho, que estava do outro lado do quarto, mexendo em mais baús empoeirados. Destemido em reutilizar minhas táticas investigativas da infância, fui interrogar o coroa.
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Um Lobisomem em Caravelas.
Hombres LoboEm plena pandemia, em um momento de isolamento, Sabino começa a relembrar do passado através de um álbum de fotos de sua infância, no município de Caravelas, durante o início da década de 2000. Uma foto em particular, o faz despertar memórias em rel...