Ou era isso que ela achava.
Assim que bateu a porta da sala de estar de sua casa, deu de cara com um Daniel sentado em seu sofá. Ele estava com botas, a jaqueta jeans de sempre e Ana ficou tão nervosa que os piercings do rosto dele pareciam mais brilhantes que o habitual.
Ok, isso realmente poderia acontecer. De fato, não ficaria só por aquilo.
Colocou a mochila com os patins na mesa, e caminhou - tentando esconder seu nervosismo - até onde seu namorado, ou ex-namorado, estava. Os braços dele estavam apoiados nas pernas, e as mãos unidas. Mesmo com o corpo curvado, ele inclinou a cabeça para cima, olhando para ela com as sobrancelhas juntas.
Era exatamente a mesma cara de quando ela fazia algo que ele não concordava, ou não gostava. Era a mesma, também, de quando ele não entendia uma questão de História, ou de Gramática e mandava ela ajudá-lo. E sim, ele mandava mesmo. Não com todas as letras, mas era subentendida uma ordem quase que psicológica.
Ana sabia o que queria, porém estava nervosa. As pernas fraquejavam enquanto ela tentava olhá-lo nos olhos, às vezes parecia que ela não era forte o suficiente. Seu coração voltou a disparar quase fugindo pela garganta, cada vez mais forte.
Desviou o olhar para o quadro que estava atrás dele na parede do sofá, só para não encarar ele.
Uma réplica de A Noite Estrelada, de Vincent Van Gogh. O quadro preferido dela, apesar de ter um grande leque de pintores e pinturas preferidas. A Noite Estrelada sempre ganhava. Tudo naquela pintura chamava a atenção, ela era fissurada pelo quadro e ninguém entendia o motivo, nem mesmo Daniel ou Mariana. Ela gostava das pinceladas inquietas, da pressa, dos nuances, das ondas, das cores, das luzes. Do efeito. Ela amava aquele quadro.
Respirou fundo. Uma, duas, três vezes. O coração não desacelerou. Ela conseguiria levar numa boa, certo?
Olhou Daniel com firmeza, estava decidida e não poderia mudar a decisão. Limpou a garganta e cruzou os braços sobre o peito, a fim de aquietar o coração. Ou protegê-lo.
— Você entendeu que eu pedi um tempo?
O coração já estava saindo pela boca. Ele levantou e foi lentamente até ela.
— Me explica isso, Ana. Isso de tempo... Você está terminando comigo, não está?
Sua voz sussurrada era mais assustadora que o normal.
— Eu preciso de um tempo pra pensar.
— Um tempo pra pensar em quê? — a voz dele se elevou, mas não o suficiente para que os pais de Ana se metessem na conversa, ou até ouvissem. E era justamente por isso, e só por isso, que ele estava se controlando. Ana apertou os braços com as mãos, deixando os dedos brancos de tanta força.
— Para pensar em mim, Daniel. — a voz dela quase falhou ao dizer o nome dele. — Cansei de ser só mais a namorada do garoto popular...
Na verdade, Ana havia se cansado de um bocado de coisa, mas não conseguiu falar. Só deu um passo pra trás, quando ele resolveu se aproximar mais dela.
— Você é a minha namorada. No que está pensando? Vamos terminar assim, sem mais nem menos? Estava tudo bem com a gente. Eu gosto de você, você gosta de mim, não é tão complicado assim.
Ele começou a andar de um lado para o outro, com os pés pesados. Ana fechara os olhos, aproveitando o momento em que ele não observava nada além do chão. Mordeu a parte de dentro da bochecha e encarou mais uma vez o quadro.
"A Noite Estrelada foi pintada de memória, e não a partir da vista de uma paisagem, como de costume". Ana lembrava dessa frase, da época em que tinha tempo para pesquisar sobre obras de arte. Era isso que ela queria. Queria que as pessoas lembrassem dela, e não ser só mais uma paisagem que alguém olha e, no máximo, tenta copiar. Ela queria marcar a vida de alguém, e ser marcada também. E esse alguém, definitivamente, não era o Daniel.
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A Noite Estrelada
Teen FictionAna não queria ser só mais uma. Ela queria fazer a diferença, queria ser ela mesma, queria marcar a vida de alguém pra ficar na memória e esse alguém, definitivamente, não era Daniel - seu namorado. Tomando decisões e trilhando seu futuro, Ana come...