Estava saindo da sala de aula, quando uma garota surgiu bem na sua frente. Ela era ruiva, os olhos pareciam duas azeitonas e sua bochecha estava tão vermelha quanto seu cabelo, redondas e querendo saltar de seu rosto.
— Desculpa pelo bilhete. — Ah. — Não sou muito boa para começar uma conversa. — ela sorriu, nervosa. Ana suspirou, aliviada. "Não, Ana, nem tudo é sobre você", pensou. — Eu sou Alice.
— Ana. E... Obrigada.
— Eu realmente gostei da sua franja.
— Ela ficou curta demais, cortei sozinha.
— Ela ficou legal demais. E esses esmaltes? Cara, total coisa do Universo. Olha. — Alice disse, balançando os dedos das mãos. — Quase a mesma coisa, só que verde. Eu não gosto muito de verde nesse tom, mas minha colega de quarto me garantiu que ficaria bonito pro primeiro dia oficial.
— Você mora numa República? — Ana sorriu, ao imaginar. — Deve se sentir num filme norte-americano.
— Juro que não é tão legal assim, mas é. Dá pra entender? — puxou os fios ruivos num coque, que logo se desfez. Sua bochecha se avermelhou novamente, enquanto olhou para seus pés. — Às vezes falo muito, mas é puro nervosismo.
— Eu amei as suas unhas também.
E simples assim, Ana se colou em Alice basicamente durante todo o resto do dia. Alice tirou foto de suas unhas quase-gêmeas e enviou logo para sua colega de quarto. Era bom finalmente mudar os ares. Ela perdeu sua primeira semana de aula por uma super mistura de nervosismo, confusão e trabalho. Precisou fazer tudo às pressas, já que sua saúde mental estava oscilando e seu irmão a convenceu de que a primeira semana pós-greve seria apenas caos e confusão, o que Alice confirmou depois.
— Você não sabe como foi sortuda de não ter vindo. - ela disse, enquanto andavam pela universidade. — Muitas coisas não estavam funcionando, tivemos que subir todos os lances de escada porque alguns funcionários ainda estavam retornando. Não tivemos a maioria das aulas também. Estava tudo meio... Caótico, sabe?
— Poxa, queria ter participado mesmo assim. — Ana disse. Só não revelou que um dos motivos para não ter ido foi ter passado mal sem conseguir respirar quase todas as noites. O que foi uma ótima ideia, na verdade.
— Olha pelo lado bom, está começando mesmo agora. — Alice sorriu. — E... - apontou animada para uma grande muvuca que estava se formando no final do corredor.
Tinha uma galera. Tipo assim, muita gente mesmo. Todos indo na direção da rampa e das escadas. Alguns carregavam bolsas e tintas, tinha gente também com caixinha de som e algumas outras coisas, tipo chapéu... De pirata.
— Calouras? — um garoto com uma blusa do Darth Vader perguntou. Tinha glitter nas bochechas e o cabelo era cor-de-rosa que nem um algodão doce. — Vem! Hora do trote!
Sem pensar duas vezes, as duas seguiram ele e a multidão de alunos. A nova amiga de Ana logo pescou o celular na mochila e digitou sem parar até chegarem nas rampas. Enquanto isso, ela observou ansiosa todo mundo. Conseguia facilmente distinguir os calouros dos veteranos, era bem simples: tinha uma galera bem perdida e outra que pareciam ter nascido ali e amar aquele lugar. Alguns calouros mega extrovertidos já tinham se enturmado, enquanto outros tentavam fingir que aquilo ali não era o máximo dos máximos. Aquilo era o máximo pra Ana. Mesmo.
Enquanto iam descendo os andares, alguns veteranos iam buscando mais gente pelos corredores chamando para participarem do trote de boas-vindas. Eles cantavam músicas antigas, ao mesmo tempo que misturavam um pagode ou um funk uma vez ou outra, e, do nada, metiam uma Miley Cyrus, Rihanna e Taylor Swift.
Passaram pelo andar de Matemática, de Ciências Sociais, Antropologia, Física. Cada vez as rampas ficavam mais e mais apertadas. Era gente de todo tipo, todo tipo mesmo. O prédio não tinha nada demais, mas era um grande labirinto e esse passeio estava sendo de uma grande ajuda para que ela conhecesse ele melhor. Uma pessoa perto delas estava guiando uma caloura e Ana aproveitou para ouvir.
Eram doze andares, todos tinham mais de um andar, tipo uma parte dois. Apesar de ter xerox e cantina em todos, a guia recomendava a xerox do quinto andar e a cantina do onze, porque tinha açaí barato e você podia colocar tudo o que quisesse sem mendigaria. Havia o andar com um dinossauro, e também tinha uns outros prédios dentro do campus, além de um teatro.
O Hall dos elevadores sempre era um caos mesmo, principalmente nos primeiros e últimos horários. E não era para apertar o botão porque ele não funcionava. "Obrigada, Mari!", Ana pensou. Se eles quisessem se pegar com privacidade, não seria legal visitar as escadas de incêndio, porque, bom, todo mundo ia para lá.
— Você mora aqui perto? — Alice perguntou, tirando a atenção de Ana da tour. Concordou com a cabeça e a colega voltou a falar. — Que sonho! Eu sou de outra cidade, por isso tenho que morar na República. Pelo menos ela é aqui perto também, mas é chato ter que dividir tarefas. Tipo, lavar um banheiro que outra pessoa usou.
— Ah. Eu meio que tô acostumada. — Alice arregalou os olhos. — Eu trabalho numa lanchonete. Não é tão ruim, com o tempo você se acostuma com o cheiro.
Alice riu, e era uma daquelas risadas que iluminam qualquer alma perdida. Algumas pessoas tentam ultrapassá-las na rampa correndo, enquanto caminhavam com a multidão.
— Você trabalha numa lanchonete? Massa. Deve comer vários salgadinhos de graça, né?
Até que Ana queria mesmo.
— Nem sempre. Mas, olha que legal. — Ela pega o celular para mostrar uma foto e logo vê uma notificação de Lorena. Por alguns segundos ela esquece para que pegou o aparelho. Era fácil tirá-la do seu novo mundo, a porta do antigo ainda estava meio aberta.
— Amei seu papel de parede!
Era uma fanart do Percy e do Nico comendo McLanche Feliz juntos, de Percy Jackson e os Olimpianos. Sim, uma série infanto-juvenil. Juvenil mesmo, ok? Não era nem um pouco boba e ela precisava falar isso sempre para Daniel, quando ele implicava com ela por causa disso. Sempre que pegava o celular dela, trocava a foto para uma dele fazendo careta.
Balançou a cabeça, tentando mandar embora todos os pensamentos da antiga Ana. Sorriu para Alice, que nem devia saber de verdade o quanto ela shippava eles dois. Procurou pela sua galeria do celular e abriu a foto dela vestida de uma personagem aleatória dos anos 80 e com patins.
Alice quase caiu quando olhou a foto.
— Opa! - ela riu, com as bochechas ruborizadas. — Isso acontece com frequência. — apontou para os pés, enquanto ria. — Nossa! Eu não acredito que ela é temática! Amei!
"Nossa, ela ama absolutamente tudo.", Ana pensou. Até que não seria ruim estar com ela. Tipo, quando Ana ficar com falta de ar e parecer uma maníaca morrendo perto dela, a amiga não vai achar estranho. Ela vai amar. Ou quando ela descobrir sem querer que Ana, na verdade, foi uma péssima pessoa por anos. Com certeza, Alice vai dizer que amou a mudança, ou amou as aventuras do colégio. Não seria tão ruim.
Elas já tinham passado do Hall e estavam chegando no bosque, quando a menina do megafone passou por elas e gritou mais uma vez, lembrando da tal Assembleia. Depois, o garoto de cabelo cor-de-rosa assumiu.
— Sejam bem-vindos calouros!
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Noite Estrelada
Roman pour AdolescentsAna não queria ser só mais uma. Ela queria fazer a diferença, queria ser ela mesma, queria marcar a vida de alguém pra ficar na memória e esse alguém, definitivamente, não era Daniel - seu namorado. Tomando decisões e trilhando seu futuro, Ana come...