Cochichos. Dedos apontando. Olhares.
E Ana só estava tentando ir para seu primeiro dia real de faculdade, já que a primeira semana foi basicamente perdida.
Agosto, mês do desgosto. O carma de se namorar um dos garotos mais populares do colégio, é se tornar uma das garotas mais populares do colégio. Muito amada, mas também muito odiada. A consequência de terminar com um dos garotos mais populares do colégio, é se tornar motivo de chacota.
Mesmo que tenha sido você a terminar com ele, ninguém fica ao seu lado, porque 1) Ele era popular primeiro, 2) Todos os garotos o veneram, 3) Todas as garotas tinham uma queda por ele e por todas as suas tatuagens e piercings.
Passou pelo seu trabalho no caminho e foi surpreendida quando Beth - a garota do aparelho colorido de sua antiga escola - apontou para sua cara e riu. Ana olhou-a incrédula, lembrando da vez que a defendeu de uma bosta que Daniel jogou pela boca para ela. "Nunca mais insulte uma garota na minha frente, não implique com a Beth", Ana disse, quase gritando.
Ela quase se arrependeu, mas não se importava mais tanto com o que as pessoas pensavam e falavam dela, não aquelas pessoas. Mas, mesmo assim, ainda ficava um pouco ressentida. É claro que ficaria. Em um momento você é quase venerada, noutro é odiada. Ela estava com medo do que vinha pela frente, jurou para si mesma que estava super confiante nessa nova fase, mas a verdade é que ela estava com medo de não ser aceita. A Ana, que por tanto tempo ela escondeu.
A faculdade era relativamente perto de sua casa. Ela pegava o trem na estação próxima a seu trabalho, o que era ótimo, porque ela nunca iria se atrasar pra ele. Descendo quase em frente, ela só se atrasaria caso quisesse muito mesmo. Os patins já estavam na mochila caso precisasse deles, junto com um mini caderno e duas canetas: uma azul e uma laranja.
Sua barriga se revirava e o coração parecia que tinha uns três batendo junto, de tão rápido que estava. Ela desceria na próxima estação. Deus, como ela estava ansiosa!
– Ok – disse, bem baixinho, mas não o suficiente para que a garota sentada ao lado dela não ouvisse. Ela fez uma careta e desviou o olhar. – Ok. – repetiu. – Nova Ana. Alegre, simpática. Verdadeira.
A locutora do trem anunciava a chegada na estação.
Ana ajeitou sua franja, colocou as alças da mochila nos ombros e seguiu para seu mais novo e esperado futuro.
***
– Fala sério! Ele não fez isso, fez?
– Eu juro!
Ana estava praticamente seguindo duas garotas extremamente descoladas e não se sentia nem um pouco confortável com isso. O problema é que não se lembrava muito bem de onde ficavam os elevadores e presumiu que essas meninas, super amigas, eram veteranas e estavam indo na direção deles.
A que estava contando a história do garoto que saiu pelado da República dela era alta, muito alta mesmo. Os cachos cheios e definidos pareciam ser tão bem hidratados, que Ana quase perguntou que misturinha pra hidratação ela usava. Estava vestindo short jeans e uma blusa do Clube das Winx. E isso era incrível, porque ela estava descolada com uma blusa de desenho animado. Ao lado, a amiga era a própria estudante de humanas, com um cropped e uma calça molinha listrada. O cabelo blackpower tinha luzes loiras e o delineado uma cor vibrante, diferente do preto básico de Ana.
Deus, como Ana se sentia patética atrás delas. Tão basiquinha.
Elas riram e enquanto uma parou numa fila, a outra foi até mais a frente olhar alguma coisa. Então Ana percebeu que chegaram ao hall dos elevadores e era a hora de se despedir mentalmente das garotas.
Aquele hall era uma confusão. Devia ter, pelo menos, umas duzentas pessoas juntas. Uns grupos celebravam, riam e já tinham até copinhos com bebida, outros estavam tão perdidos quanto Ana. O prédio não tinha muitos detalhes modernos e legais a ponto dela correr para o celular e tirar foto, mandando pra Mariana, mas incrivelmente tinha gente literalmente abraçando o corrimão da rampa.
Eram cinco elevadores, Ana contou. Percebeu que uma parte da confusão era gente tentando entender qual fila era o quê. Ela precisava ir para o andar de Letras, e precisou urgentemente checar qual andar era no papelzinho que ganhara no dia da inscrição. Nele tinha apenas a informação do nome do Instituto, o andar e o seu quadro de horários. Sete matérias. Gente.
– Essa fila é pro doze? – um garoto pergunta, com uma voz extremamente suave e que mal parece que pertence àquela confusão. Ele olha para o papel nas mãos de Ana e sorri. – Ahm... Esquece.
Assim que o garoto correu para a fila ao lado, um barulho de batuque e trezentos mil instrumentos juntos começou a soar. Todos viraram para trás, na direção da rampa. Uns estavam sorrindo, animados, outros revirando os olhos seguindo a fila que finalmente estava andando.
Um grupo de estudantes uniformizados surgia, com instrumentos e cartazes. Num megafone, uma garota gritava "Bem-vindos! Mas ainda não acabou!", o boné vermelho era quase maior que sua cabeça e depois de tanto cair, ela o retirou, segurando com a mão desocupada do megafone, revelando seu cabelo raspado.
– Maneiro. – Ana sussurrou.
Alguns do grupo distribuíam folhetos, outros um tipo de jornal.
– Terça-feira, dia 13 de setembro! – ela gritou, enquanto passava pelos alunos. – Assembleia Geral!
– Não perca a Assembleia, caloura. É importante. – um garoto a entrega um folheto, cheio de pautas e letras bem grandes com a data e horário. – Dia treze, não se esqueça.
E então entregou para outra pessoa e disse as mesmas palavras. A música era ensurdecedora e a garota do megafone parecia uma revolucionária como daquelas dos filmes. O barulho se misturando com as conversas e risadas. Cheiro de cigarro, misturado com perfume. Gente maquiada, outros de pijama. Gente, era tudo tão caótico e tão... Vivo.
Quinze minutos na faculdade já tinham sido melhores e mais significativos do que qualquer outro em seu Ensino Médio. Foi surreal perceber que aquilo ali, aquele momento, seria para sempre. Seu primeiro dia na Universidade.
A fila andou mais uma vez e Ana saiu de seu transe, sorriu animada e se espremeu no elevador com mais vinte e duas pessoas.
***
Ok, eram muitas salas. Muitas mesmo. E corredores. E gente correndo. Tentou mapear o local para nunca mais se perder: sair do elevador, virar à direita. Nunca, em hipótese alguma, apertar o botão do elevador. "Ele não funciona. Vi na Internet. Todo calouro paga mico apertando.", Mari enviou uma mensagem intitulada "URGENTE" quando Ana estava descendo do trem.
Tinha uma cantina, com uma placa enorme escrito "Estrogonofe, apenas $10" e uma sala onde funcionava a xerox. Pra esquerda eram as rampas, que levavam pra parte dois do andar, e, na direita, estavam os corredores. No centro da parede, placas avisavam a quais cursos pertenciam aquele andar.
Letras, Educação Física e umas coisas que não importavam para Ana, não quando viu que logo ao lado dela... Logo ali também tinha Artes. Era quase um arrependimento. Acontece que a gente faz más escolhas quando se está no colégio. Dezessete anos não é uma idade muito legal para decidir cem por cento seu futuro. Escolheu o curso errado, não deu tempo. Acontece. Mas ela estava ali e era sua oportunidade. A única.
Correu pelo corredor, devia estar quase atrasada. Passou por uma grande porta, que tinha uma plaquinha escrito "Biblioteca". Ouviu uma gritaria vindo de um dos corredores e descobriu que achara seu mais novo lar. Verificou o quadro na parede e achou sua sala. Estava nervosa-barra-animada-barra-ahmeudeus.
Ana avistou um lugar vago na frente e correu para ele. Deu uma boa olhada na turma e ninguém ali parecia ligar muito para essa coisa de onde sentar, tinha grupo de amigo que tava até espalhado pela sala. Ana se sentiu meio boba por isso, mas tudo bem. Quando virou para frente, encontrou um papel em sua mesa.
"Gostei da sua franja". As letras eram bem redondinhas e a pessoa desenhou também um Smile bem mal-feito.
Ana olha para todos os lados, procurando por Lorena. Ela com certeza devia estar ali e tudo iria por água abaixo. Não a encontrou em lugar algum e começou a ficar assustada. Gente, ela já estava paranoica.
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A Noite Estrelada
Ficção AdolescenteAna não queria ser só mais uma. Ela queria fazer a diferença, queria ser ela mesma, queria marcar a vida de alguém pra ficar na memória e esse alguém, definitivamente, não era Daniel - seu namorado. Tomando decisões e trilhando seu futuro, Ana come...