0. prólogo

54 9 16
                                    

O rapaz da mesa número dois devorava o quadrinho como se fosse comida. Por um momento, a menina dos cabelos escuros se viu nele. Seus olhos chegavam a brilhar e ela acompanhava sua leitura apenas pelo caminhar das bolas esverdeadas pela página. Parecia uma cena de ação. A sobrancelha do menino levantou e os olhos arregalaram; pareceu prender a respiração. Com certeza, uma cena de ação.

Poderia ser atrevida o suficiente para chegar mais perto e tentar descobrir o nome do quadrinho, mas a menina se conteve atrás do balcão. Sempre estava assim, atrás de algo. Se escondendo. Bom, não sempre; começou mesmo depois da confusão, mas ela ainda não estava disposta a mudar isso.

O jovem levantou os olhos por um instante e a pegou desprevenida, o observando. Não tendo tempo para fingir que não estava o fazendo, ela se recompôs e correspondeu ao sorriso, com um aceno de cabeça.

Seus dentes eram alinhados como ela nunca vira antes. Ana realmente nunca o vira antes. Foi a primeira vez que ele foi à lanchonete. Ainda não havia feito seu pedido. Todas as outras duas garçonetes estavam ocupadas, sobrando para a menina a terrível missão de perguntar se ele queria alguma coisa ou estava apenas desfrutando o ar-condicionado do local, enquanto lia seu quadrinho – que ela ainda não havia descoberto o nome.

Ana colocou o chapéu e foi patinando até ele, segurando seu pequeno bloco de anotações e com a caneta enfiada atrás da orelha. O menino de cabelo cor de fogo notou sua presença e mandou novamente o sorriso de antes, agora levantando a cabeça.

- Gostaria de alguma coisa?

- Um suco de uva, por favor. – ele disse, coçando a cabeça.

Enquanto anotava inútilmente seu pedido, a menina tentou ver a capa da pequena revista. Mas ele a fechou rapidamente, colocando em cima da mesa. Ana levantou uma sobrancelha, surpresa pela reação. Ele sorriu novamente. O que esse menino tem?, ela pensou, É filho de dentista, por acaso? Sendo ou não, o sorriso com certeza era o mais belo de todos, e por ela, ele poderia sorrir durante seu expediente inteiro.

A menina então se virou e voltou para o balcão, dando o pedido para Sebastião, que preparou o suco tão rápido que mal teve tempo de se ajeitar no banco vermelho ao lado do caixa. Ana não se levantou imediatamente, mas seu colega de trabalho a mandou entregar o suco logo, e ela resolveu obedecê-lo.

- Algo mais?

- O nome da senhorita, se não for muito incômodo.

O observou sem dar uma resposta. Ele deu uma leve e harmônica risada e abriu novamente seu quadrinho, pondo o dedo sobre o nome, impedindo-a de lê-lo. Seria um proibido? A jovem deu uma última olhadela, a definitiva para fazê-la notar uma familiaridade na capa.

Percy Jackson. 

Ana sorriu satisfeita e deu as costas para o leitor, não deixando que este percebesse seu rubor nas bochechas. Era sua saga predileta.

A Noite EstreladaOnde histórias criam vida. Descubra agora