[4] Depression

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"Existem feridas que nunca aparecem no corpo, mas que são mais profundas e dolorosas que qualquer uma que sangre." ― Laurell K. Hamilton.

💫

Lan WangJi estava tendo um sonho.

Ele corria por um campo de rosas vermelhas como sangue, e o vento batia no seu rosto enquanto uma extensão de flores e grama verde abria-se na sua frente — era infinito, lindo e lhe dava uma sensação de paz e segurança... O sol brilhava acima de si numa bola de fogo alaranjada, encoberta por nuvens esparsas, como se alguém tivesse pego algodão, o quebrado em pedaços e então espalhado pelo céu.

Lan WangJi sentia uma sensação abrasadora no peito, que parecia dominar todos os seus sentidos. Era como tomar chocolate quente no inverno enrolado em cobertas; era como pular em um lago após um dia calorento; e era como o abraço de seus pais... Ali, naquele campo aberto que estendia-se infinitamente nos confins de sua mente — pois ele sabia estar sonhando —, ele não sentia nenhum desespero, nenhuma dor aguda no peito à lembrança da morte dos pais...

E então, ele os viu.

Os seus pais estavam logo à frente, em meio ao borrão vermelho das flores, abaixo do dourado cegante do sol e na frente dele. A sua mãe usava um vestido florido branco e amarelo — o favorito dela, um que lhe lembrava de momentos felizes nas tardes de domingo —, o cabelo dela balançava como uma cortina de escuridão líquida. Ela sorria, e seus olhos eram pequenas meia-luas no rosto redondo, feliz e vivo.

Ela estava viva.

E ao lado dela, o seu pai. Era o mesmo de sempre, usando suas calças escuras simples, o suéter preto sobre uma camisa branca — aquilo lhe lembrava das tardes de outono, das manhãs de inverno —, e diferente de sua mãe, o pai de Lan WangJi tinha cabelos da cor de chocolate, como Lan XiChen. Apesar do sorriso dele não ser tão aberto ou tomar o rosto inteiro como o da mãe, era igualmente reconfortante.

Eram eles.

Lan WangJi correu.

Ele correu porque seus pais estavam na sua frente, e talvez aquela fosse a última vez que os visse... Ele geralmente não sonhava com os pais. Era algo raro. Ao invés disso, ele sonhava com uma escuridão crescente o consumindo, com espinhos, com garras e dentes afiados o circulando... Ele arfou, puxando o ar para si enquanto abria caminho pelo campo de rosas carmim que deslizavam entre seus dedos, suas pernas e roupas como tinta.

E ele estava tão perto. Tão perto de tocá-los. Tão perto de sentir o cheiro deles novamente. Eles estavam ali, e—

Em um instante, os seus pais estavam ali, inteiros.

No outro, as cabeças deles explodiram em um mar de escarlate, manchando as flores já vermelhas, tornando-as da cor de vinho... Lan WangJi estava cravado no chão, como se um raio tivesse passado pelo seu corpo em um impulso violento, e então o prendido ao chão com uma violência assustadora. O sangue caía pelo seu corpo, pelo seu rosto...

Ele estava encharcado em sangue, e não havia pais, não havia campos de flores e luz do sol dourada e o céu azul e nuvens de algodão... Havia apenas o terror do sangue o cobrindo por inteiro, e de cada pedaço quebrado do seu coração partindo-se ainda mais, como se pudessem se resumir a átomos, e então, a poeira cósmica no universo, esquecida entre as estrelas.

Foi só então que Lan WangJi percebeu que aquele não era sonho nenhum. E só então lembrou-se que, desde que recebera a terrível notícia há quatro meses, não tivera mais um sonho que não tenha terminado em sangue, escuridão e sombras e dor.

Whisper of The Wind | WangXianOnde histórias criam vida. Descubra agora