Epílogo - Aliança

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Ao se dar conta de que o cenário de invasão e guerra à sua volta, em Cresta, havia mudado para o de uma ilha pequena e vazia – exceto pela sua presença e a de de pouquíssimos de seus marujos; aqueles que ficaram de guarda enquanto o resto lutava –, Kiara imediatamente direcionou seu olhar do ambiente desconhecido para o cabo da espada que ainda empunhava, – o qual Gemma ainda agarrava junto a ela – já imaginando o que havia acontecido. Livrando-se da mão da garota em um gesto abrupto, a capitã notou que a última das três pérolas negras que ainda continha magia voltara à cor natural, juntando-se às outras duas, as quais já haviam sido usadas anteriormente.

— O que foi que você fez? — A pergunta retórica foi feita em um tom baixo e controlado. — Eu disse que se o plano de fuga falhasse, nós lutaríamos até a morte — sem desviar o olhar da imediata, Black prosseguiu, se aproximando uns passos: — Eu disse que se fugíssemos, eu não abandonaria ninguém! Você me fez deixar mais da metade da minha tripulação para trás. Usou nosso último resquício de magia para nos trazer para sabe Deus onde. No que estava pensando, Gemma?

A mais nova a encarou por uns segundos, com o queixo erguido, sem ousar desviar o olhar. Em suas íris claras não era possível ver medo ou desconforto, – algo esperado ao estar diante da situação em que se encontrava depois de desafiar sua capitã –, pelo contrário; havia determinação e imposição queimando ali.

— Não era nosso último resquício de magia; as pérolas só funcionam para uma pessoa. Olhe a sua volta, estamos pelo menos em sete aqui — sem se aprofundar no assunto, Gemma prosseguiu: — Todos nós entramos em um acordo depois das suas ordens, Black. Apesar de deixar explícito que, se fosse capturada, não era para nos arriscarmos por você, sabia que não existia um mundo onde isso fosse mesmo acontecer. Qualquer um de nós arriscaria tudo — o mesmo tom usado por Kiara segundos atrás era agora empregado nas palavras da garota. — E foi o que eu fiz. Não foi uma decisão fácil. Você está fora de si agora, mas se parar pra pensar direito, verá que fiz o certo.
— O certo? Em que mundo eu deveria deixar alguém para trás naquelas circunstâncias? Em que mundo "o certo" é a capitã fugir sozinha e deixar sua ilha que está sendo invadida, e sua tripulação que está lutando por ela, para trás?! Se queria abandonar o barco como uma covarde, que o fizesse, Gemma. Mas eu deveria morrer protegendo os meus! — O descontrole agora era perceptível na voz da mais velha, que não se esforçava para falar baixo ou esconder a decepção.

Kiara fechou os olhos por uns segundos, tentando controlar sua respiração alterada pela raiva. A mulher sentia cada nervo de seu corpo à flor da pele, e sabia que quando estava nesse estado, não era bom ter a companhia de ninguém. Por mais que a parte racional – que a fazia pensar com clareza – insistisse que o que a garota havia feito era motivo de gratidão, já que havia sido um gesto de lealdade, ela não conseguia deixar de se sentir traída, e de sentir que havia traído o resto de sua tripulação ao deixá-los lá, mesmo que não por vontade própria.

— O plano principal era fugir, Black, não seja hipócrita. Não conseguiríamos roubar um navio e dar no pé naquelas condições, muito menos com todos juntos, e você percebeu isso. Então resolveu lutar. Você diz que deveria morrer, mas depois, o que? — Foi a vez de Nash se pronunciar. A postura do pirata não era desafiadora como a de Gemma, mas sim, defensiva. — Se conseguíssemos, por um milagre, sobreviver e fugir, ainda assim ficaríamos sem um líder. De que vale uma tripulação sem seu capitão? Não havia ninguém para assumir seu posto, Black, e mesmo que houvesse, qual seria o propósito?
— Eles não iriam te matar. Iriam te levar para o reino, era isso que Syrena queria, afinal — a mais nova voltou a falar, sem deixar que Kiara a interrompesse: — Ela quer te matar com as próprias mãos, apesar de mandar encarregados te buscarem e levarem até ela para isso. Além do mais, se a rainha tiver o mínimo de cérebro, ela não deu ordens para os soldados matarem os outros caso não conseguissem você, mas sim, de levá-los como reféns. Porque ela sabe que você arriscaria tudo para salvá-los. É um jeito de te atrair até lá.
— Isso é apenas uma suposição, Gemma! — Black negou com a cabeça várias vezes, andando de um lado para o outro. — Celeste ficou para trás! Connor também! Todos os outros que não estavam ali conosco e nos viram sumir do nada, vão achar que os abandonei para morrer. E Syrena não tem motivos para fazê-los de reféns. Aquela mulher não tem misericórdia, você não entende?! Aposto que mudou as ordens que deu primeiramente ao Sawyer, aposto que ordenou a morte imediata de todos.
— Ela não tem motivos? Syrena quer você, Black! Qualquer um que seja um meio para um fim, vai ser usado. Se você fosse levada, acabaria ali, mas não foi, e eu aposto que ela não iria desperdiçar mais seis anos procurando por ilhas aleatórias tendo a oportunidade de te fazer ir até ela! — Gemma gritou de volta, deixando o controle que tentava manter de lado. — Suas apostas não valem de nada, quem é que está sempre certa nessa tripulação?! Não são suposições, posso não ter tido um presságio sobre isso, mas eu sei do que estou falando. Temos uma oportunidade de ir até lá e salvá-los.
— Ótimo — a palavra saiu num tom baixo, quase num sussurro. Alguns instantes de silêncio pairaram sob a capitã e seus marujos, mas a superior logo voltou a falar: — Se ela quer me atrair até Willhye, que assim seja — sem deixar que Nash, Gemma, ou qualquer outro falasse mais alguma coisa, Kiara prosseguiu: — Façam o reconhecimento da área e montem acampamento em um lugar afastado que julgarem seguro. Não sabemos onde estamos e o que ou quem habita essa ilha, então não baixem a guarda — sem encará-los, Black finalizou, em um tom que ninguém ousaria contrariar: — Eu encontro vocês depois. Não me sigam, eu preciso ficar sozinha.

Sea Mission [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora