Capítulo X - Uma Antiga Canção

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O céu enevoado que se punha acima das cabanas simples remetia à uma época turbulenta a qual a garota mal tinha recordações. O cenário, porém, não lhe era estranho; trazia até mesmo certa nostalgia, algo parecido com a sensação de estar de volta a um lugar ao qual nunca deveria ter deixado para trás. Apesar disso, ela não entendia o motivo de estar ali. Afinal, segundos antes, não estava em uma batalha importante? Ou aquilo havia sido só um sonho, fruto de sua imaginação?

Olhando em volta, – sua mente embaralhando enquanto tentava distinguir presente e passado entre flashes de memória –, ela se pôs a caminhar. No primeiro passo, entretanto, se arrependeu imediatamente; a dor aguda causada em decorrência do gesto fez seus olhos se direcionarem para baixo, e com isso, o vislumbre de seu pé direito em uma posição nada agradável trouxe à tona a resposta que precisava para pôr um fim às suas perguntas: não havia sido um sonho.

Celeste! Ela estava sendo imobilizada por um inimigo.

Sua flecha já estava a postos para atingí-lo e salvar sua companheira, mas aquele homem misterioso, – que apareceu sorrateiramente por entre as árvores, desconcentrando-a, e, mais do que isso, confundindo-a com palavras tendenciosas cujo significado ela não havia entendido –, acabou com seus planos. Aquela luz azul inebriou seus pensamentos, e então, nada.

Ela havia acordado ali.

Mas onde estava? Onde poderia estar, senão em Cresta? Como havia chegado naquele lugar?

— Gemma? — A voz suave que se fez presente atrás de si para arrancá-la de suas dúvidas fez uma posição defensiva ser assumida. Ao se virar, entretanto, deu de cara com um rosto que não parecia representar nenhuma ameaça, pelo contrário; a bondade e serenidade presentes naquele olhar de compaixão remeteram a mais lembranças confusas, escondidas em seu subconsciente. — Como você cresceu. Se tornou uma linda mulher.
— O que... quem... — os olhos azuis da garota começaram a marejar quando a mesma caiu em si. — Mãe?

A mais velha se aproximou da filha, abraçando-a. Suas expressões eram um misto de emoções, contrastando entre alívio, felicidade, dúvida, saudade, e tantas outras.

— Mas como... onde eu estou? Onde nós estamos? Você... você desapareceu há tanto tempo, como me achou? Por que agora? Foi você quem me trouxe aqui? — A respiração de Gemma, alterada com tantas perguntas que não conseguia conter, fez um riso um tanto triste escapar dos lábios de Agnes.
— Gemma, escute. Você não está aqui de verdade, isso é um sonho. Uma visão, na verdade. Ou, como você costuma chamar, um presságio. De qualquer forma, eu preciso que preste muita atenção, não temos muito tempo.

A garota sempre tivera mãos firmes, mas naquele momento, elas tremiam, bem como todo o seu corpo. Seus olhos claros percorreram cada canto do rosto de sua mãe, em busca de um motivo que justificasse tudo aquilo que ela não conseguia compreender: seus presságios sempre vinham por sonhos, mas, na maioria das vezes, tudo o que via era um grande borrão, flashes do que viria a acontecer em um futuro próximo.
Nada nunca foi tão nítido como o que via naquele momento. Era real demais.

E esse era o motivo principal de se sentir tão desestabilizada.

Decidindo não contestar, e apenas aceitar que aquilo não poderia realmente ser mais do que um sonho – afinal, a garota e sua mãe se separaram muitos anos atrás, e uma sequer sabia se a outra ainda estava viva – ela assentiu, esperando que Agnes lhe dissesse o que precisava.

— Preciso ser rápida. Você está vulnerável no momento, então precisa retomar a consciência o mais breve possível. Gemma, seus amigos estão em perigo. Algo grande está prestes a acontecer, muito maior do que o que já enfrentaram até agora — a mais velha suspirou, olhando em volta, como se sentisse estar sendo observada. — Mas você não estará sozinha, uma pessoa chegará até você. Enquanto isso não acontece, precisa se lembrar da canção. Lembre-se das palavras em seu coração, filha, e encontrará seu caminho e sua essência nelas. Elas te protegerão de todo perigo. Você é mais forte do que imagina — e então, tão rápido quanto Agnes disse que precisaria ser, sua imagem começou a desaparecer, deixando um sorriso gentil e esperançoso nos lábios como último vislumbre para sua filha.

Sea Mission [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora