Capítulo III - Águas Rasas

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Reunir a tripulação, juntar pertences necessários para a partida e finalizar os preparativos para a tarefa foi a parte fácil. Tudo havia saído como brevemente planejado, e agora, a única coisa restante era a madrugada escura dar lugar aos primeiros raios de sol da manhã para a missão mais importante de sua vida ter início.

Essa foi a parte difícil.

Desmond estava impaciente demais para conseguir dormir; a mente trabalhava com inquietação para repassar todos os detalhes e imaginar incontáveis cenários do que logo menos viria a acontecer, razão pela qual as horas pareciam se arrastar no relógio de parede enquanto o homem rolava de um lado para o outro na cama. 
Mais cedo, havia dito para a rainha Syrena, com convicção, que não falharia em cumprir suas ordens. Agora, porém, estando sozinho com seus pensamentos, o homem não estava tão certo de que conseguiria manter a sua palavra. 

Não seria fácil se controlar.

Uma vez estando em frente à mulher que havia tirado a vida de seu irmão, como poderia não deixar o ódio tomar conta e lhe cegar? Como poderia encará-la, sabendo o que a mesma havia feito, estando ciente da dor e da ruína que ela tinha causado à toda sua família, e não lhe devolver na mesma moeda? 

Como poderia não fazer justiça com suas próprias mãos? 

Willian merecia ser vingado por alguém de seu próprio sangue, mas Desmond sabia que isso seria traição à sua soberana. A pergunta que restava a se fazer era se conseguiria lidar com as consequências que o ato traria caso decidisse trilhar por esse caminho.
E quanto mais pensava nisso, mais o dilema o consumia, guiando às mais sombrias possibilidades de sucesso e falha.

Em meio à exaustão de tanto remoer essas dúvidas, porém, o sono acabou vencendo, permitindo-o cochilar brevemente. Mas nessas poucas horas da madrugada restante, o soldado embarcou em um sonho turbulento, onde Syrena o alertava sobre a maldição que colocaria sobre ele e toda a tripulação caso sua missão não fosse bem sucedida.

E não bastando essa hipótese ser ruim sozinha, sua mente o conduziu à um cenário ainda pior, onde, além da punição pelas ordens mal cumpridas, seu destino foi se tornar um pirata.

Acordando abruptamente com algumas gotas de suor escorrendo pela têmpora, o homem desistiu de fechar os olhos. Ao menor sinal do alvorecer, – e agradecendo por esse fato – se colocou de pé, não demorando a juntar as poucas coisas separadas anteriormente para embarcar e atentando-se em deixar sua aparência apresentável e respeitável, digna de um capitão. Esse era seu posto agora, afinal. 

Ao se dar por satisfeito, os olhos se demoraram no espelho. 

O reflexo que o encarava de volta, apesar de cansado pela noite quase completamente em claro, parecia orgulhoso; o uniforme azul refletido não só representava um grande peso em sua carreira, mas também em seu coração. Antes, ele havia pertencido a Will. Era uma maneira de se lembrar que, onde quer que estivesse, seu irmão estaria com ele, acompanhando-o e o protegendo.

Com um suspiro e um pequeno sorriso por conta desse pensamento, Desmond começou a caminhar para fora de seus aposentos. Não tinha mais tempo a perder: agora o sol já clareava completamente o céu e sua tripulação provavelmente o aguardava no porto.

No caminho até lá, entretanto, uma pausa rápida foi necessária. Por mais que já há algum tempo sua relação não estivesse boa, o homem não poderia partir sem a bênção de seu pai. Thomas Sawyer sempre fora um homem muito amoroso com sua família, cuidando de todos os cinco filhos junto à sua esposa, Margaret. Eles levavam uma vida simples; Thomas era pescador e tinha um comércio local. O trabalho mal sustentava à todos e exigia muito mais do que sua avançada idade permitia, mas independente disso, o homem nunca chegava em casa ao fim do dia sem um sorriso no rosto e muito amor para dar, agradecido por ter alguém para quem voltar todas as noites.
O ponto alto de sua vida foi quando o filho mais velho ingressou à guarda real. Seu coração se encheu de orgulho. Não poderia ter ficado mais feliz pela conquista e por tudo que ela representou, não só para ele, mas para toda a família. 

Sea Mission [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora