Pílula do amor

82 13 4
                                    

    Arrependimento se arrasta na minha pele em formato dessa jaqueta que imita couro que Jungkook me emprestou para sair essa noite

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

    Arrependimento se arrasta na minha pele em formato dessa jaqueta que imita couro que Jungkook me emprestou para sair essa noite. É quase dois números a mais que o meu e tem umas papagaiadas brilhosas na gola, algo bem próprio de uma estrela do rock. Ou era isso, ou iria fazendo cosplay de encanador vestido apenas de jeans claro e regata branca. Optei por uma distinção bad boy ao invés de concretizar algum roteiro fuleira de filme pornô. Sério, acho que deviam pegar alguma obra de literatura erótica como as de Anne Rice, Laurann Doh, Megan Maxwell e fazer um troço bem feito, porque, vamos, você tem de concordar comigo que enfiar o pinto dentro de uma abóbora e fazer a irmã pegar nele é escroto.
    Eu tinha que estar bonitão, afinal não sabia exatamente o que esperar do lugar. Fiz até rasgos no joelho para ficar mais estiloso! Se minha mãe souber que destruí minhas roupas... Espero que ela não descubra. Hoje a noite é minha.
    Tomei um banho de perfume, conferindo sem parar se estava gato no espelho. A autoestima fica lá embaixo quando paramos de sair e de nos arrumar. Parece que perdi a manha. Agora que retornei — provavelmente apenas por essa noite —, esqueci-me até de como partir o cabelo. Resolvi repartir no meio e jogar as laterais para trás, bem formal, embora essa não fosse ocasião para qualquer formalidade.
    Eu sabia onde era porque meus amigos me contaram e, já no meu limite de "gastação", ia a pé mesmo. Chegaria em 40 minutos aproximadamente, entretanto Deus é misericordioso e colocou em meu caminho uma van de viajantes que me ofereceram uma carona para as bandas do sul, o lado mais chique da ilha. No percurso o mau cheiro era tão insuportável quanto a conversa de que as aves dali tinham que migrar e que o ser humano era um monstro por ocupar todo o espaço, deixando os pobres animais sem suas casas. Quase beijei o chão quando a carona hipster terminou. Cheguei em aproximadamente 10 minutos na porta da boate, então prender a respiração e tapar os ouvidos durante esse tempo valeu a pena.
    A luta ainda não terminou. Aquela fila enorme que quase sumia de vista, esta é minha última batalha. Entrei no final dela, pois sou um cidadão comum, oras, e aguardei paciente a uma hora e meia seguinte de espera — o que achei até pouco para a fama que o lugar tem. Depois que entrei a fila triplicou. Benditos sejam os hipsters e suas vans verde-água turbinadas entre os carros comuns.
    Como dito nos anúncios, a entrada dos homens é mais cara e nesse momento em específico eu me vestiria de travesti só para conseguir a entrada mais barata. Taehyung me convenceu a não fazer isso porque eu podia ser preso e pagar uma fiança quase do mesmo valor da entrada dos homens ou até um pouco mais. Como ele sabia disso eu realmente não sei e nem queria saber. Imaginar meu amigo maquiado, com um vestido colado e um salto alto; meus neurônios restantes se suicidarão, logo me pouparei de tal trágica morte não pensando nisso.
    Um corredor de paredes pretas e leds roxas é o caminho que leva ao grande espaço que chamam de Ibiza Night Club. Havia uma pista de dança que ocupava quase 2/4 de todo o estabelecimento e ela acendia conforme o ritmo da música da mesa do DJ — que estava mais para um balcão de quatro metros de altura e pelo menos oito de largura — também coberto em leds interativas. Existiam vários nichos iluminados da mesma cor, que piscavam em efeito estroboscópico deixando quem quer que estivesse sentado naquelas mesas bem malucão. Atrás do responsável pelo som, um painel onde imagens com efeito 3D capturavam aqueles que já estavam no décimo quinto nível de experiência psicodélica. Eu, sendo um pobre soberbo, passaria a curtir a noite imediatamente, portanto fui procurar o bar.
    Tive pena de mim mesmo. A beleza daquelas taças humilhavam por si só meu cantinho de trabalho de verão. O balcão era de uma pedra preta reluzente, os equipamentos nos trinques, tanto que reluziam e eu podia ver meu próprio reflexo estampado nelas. Para terminar de detonar o barzinho em que estou atualmente empregado, exibiam uma parede de bebidas — a maioria vodka e whiskey — estilo aquela do apartamento do senhor Morningstar na série Lucifer. Em resumo, um espetáculo mesmo esse Ibiza Night Club.
    — O que vai ser hoje, chefe? — o barman soltou o jargão que estou por dentro assim que descolei um espaço para apoiar o cotovelo.
    — Sabe o que é? Sou amigo do senhor Min e ele me disse...
    — Por conta da casa será para todo e qualquer convidado do senhor Min.
    Esse novo namorado de J-Hope é um cara poderoso. Espero que JJ não o afaste, ou juro que remendo esse casal de novo nem que seja com fita adesiva e super bonder. Parando para pensar, podia ter evitado a fila lá fora se tivesse citado o nome dele. Que vacilo... Perdi uma hora e meia, droga!
    — E então? O que o senhor gostaria de beber?
    — Me vê um martini, por favor.
    O barman sorriu de canto de boca pra mim e voltou pros seus afazeres. Todo mundo sabe que martini, ou é bebida de coroa rico, ou de donzela rica. Mas eu só gosto da bebida e já me acostumei com as olhadas presunçosas que me dão quando peço.
    Alguns segundos depois, o drink chegou. O meu colega de igual função lançou outro sorriso sacana que tive de retribuir demonstrando um certo nojinho. Não sei se ele entendeu o que quis dizer, mas fiz minha parte de defender minha sexualidade. Daí me virei de costas para o bar. Acho que continuar a encarar aquelas madeixas negras que davam a impressão de que a cabeça dele era menor do que realmente era resultaria numa crise de riso que seria difícil de parar. Ele é um cara bonito, o cabelo com gel traz um charme ao mostrar sua testa. A questão é que preto no preto some, sacaram?
    Estava sentado na banqueta, os cotovelos apoiados atrás feito um badass, as pernas cruzadas em elegância. Juntar essas duas personalidades é tão eu! Aprecio o gostinho meio amargo do martini enquanto observo o movimento.
    Tem gente de todo tipo ali. No canto, perto dos banheiros, está uma galera toda tatuada. Se pudessem, aposto que fariam caveiras nos dentes. A escadinha para a área VIP ficava ali perto e, pelo público que transitava ali, deduzi ser a área dos casais. Um homem fortinho e careca cuidava de abrir e fechar a cordinha garantindo que as pessoas que pagaram uma porcentagem a mais subissem e descessem, aproveitando o direito de ir e vir na sua totalidade. Do lado oposto tinha uns sofás brancos que eram tingidos pelas luzes roxas. Sentados em um, observei um harém: um cara com um monte de belas garotas rindo e fingindo sorrisos para ele. Os ricos têm muitas vantagens. Ao lado, uma galera mais nova. Provavelmente portavam identidades falsas e um deles sairia dali em uma ambulância. Querem saber o diagnóstico? Coma alcoólico.
    Girei um pouco mais a cadeira e me deparei com a pista de dança. As pessoas estavam animadas, tipo, muito animadas. Nem se o Twitter viesse com uma atualização de editar os tweets a população ficaria tão eufórica como estavam ali. Eu estava sorridente. Não sei bem se é a sensação de estar num lugar bacana, com bebida à vontade e música boa, ou a expectativa de conhecer alguém especial naquela noite, dentro daquele espaço fechado.
    — Ei, já tomou a sua? — Sinto um cutucão nas costas e vejo novamente o barman sorridente.
    — Como?
    — A bala? Já tomou?
    Meneio a cabeça pressionando os lábios. Ele sinaliza para uma garota que desfilava com uma saia rodada branca e um colã preto, em sua cabeça uma tiara escrito "BALA". Não tinha como não a notar. Ela se aproximou e percebi que aquela roupa chamativa era um uniforme.
    — Oi, fofinho, vai querer uma?
    Minha vontade era fazer mil perguntas sobre o que iria ingerir. É pra mastigar? Quanto tempo dura? Quais são os possíveis efeitos colaterais? Quem tem intolerância à lactose pode tomar? Mas achei que me confundiriam com algum policial disfarçado e me expulsariam de lá. Ou quem sabe um medroso. Sinceramente não sei o que é pior. Eis, então, que meu questionário foi sintetizado em uma única palavra:
    — Vou.
    Vi ela retirar de uma pochete rosa fluorescente um saco maior e de dentro dele pegar um saquinho transparente com uma única bala. Parecia uma pastilha comum para garganta com o diferencial de ser roxinha.
    — É 50€, fofucho.
    Embananei-me todo para tirar a carteira do bolso apertado da jaqueta de JK, mas com sucesso efetuei o pagamento. Ela me entregou a bala e lançou um beijo soprado.
    — Espero que encontre seu amor!
    Assisti a saída triunfante dela, que mal passados três segundos já tinha novos clientes. Quando girei o banco, lá estava o barman. Sua pose enquanto me observava demonstrava certa obsessão. Não me diga que ele espera que a bala o faça o amor da minha vida.
    — Você precisa engolir a pílula do amor. — Ele enche meu copo e me incentiva a mandar goela abaixo.
    Retiro a bala do plástico com cuidado, pressiono contra a língua e dou um gole no martini.
    Tive a sensação de tomar um placebo. Não senti nada do que temia sentir. Dor de cabeça, gosto ruim. A verdade é que pensei ter sido enganado. Mas aí comecei a ter uma leve vertigem. A imagem do sorriso diabólico do barman mais aquela parede de bebidas estava torta. O prejuízo se aquelas garrafas caíssem seria gigantesco. Senti que lacrimejava e estava entrando em pânico.
    — Meus olhos estão ardendo, porra!
    Pisquei e não queria abrir as pálpebras de jeito nenhum. Parecia que havia ido no oftalmo e tinham pingado aquele colírio dilatador de pupila. Enxergava tudo embaçado. Foi quando fui me levantar que alguém me trouxe de volta ao banco segurando em meus ombros.
    — Relaxa. Leva alguns segundos para se acostumar.
    Só que para mim pareceu que levou horas. Mesmo sem enxergar, tinha quase certeza de que uma força misteriosa me levitava e girava como se estivesse amarrado à roda da fortuna. Os dois competidores ao telefone me assistindo girar infinitas vezes na TV. "Geladeira! Geladeira!" e o outro esganiçando "Torradeira! Torradeira!".
    Sei que teve uma hora que quase chorei pedindo por minha mãe. Apenas queria que parasse. Poxa, por que ninguém me avisou que tinha que passar por essa tortura antes da parte legal? Meus pensamentos estavam se afogando de tanta pressão no meu cérebro. Afogando de tanta pressão.
    — Senhor, o senhor não parece muito bem. Quer água? Aqui, ó! É só virar. Quando se mistura o efeito é mais forte. A experiência é outra. Mas talvez tenha sido demais para o senhor.
    Fui guiado pela voz juntamente por uma mão, que pegou as minhas e pressionou contra um cilindro frio. Levei o copo e enchi a cara de água gelada. Como estava bom! Senti cada gota doce esfriando minha garganta e de súbito estava curado. Abri os olhos e li finalmente o crachá pendurado em seu pescoço.
    — Obrigado, Jin. Se não fosse por você, acho que teria um derrame.
    Jin não respondeu, apenas sorriu e, de prima, pensei que tivessem ligado uma luz magenta em cima de sua cabeça, mas as luzes do bar eram brancas e de repente nada fazia sentido. Havia um contorno nítido ao redor daquele barman e se propagava um pouco além dele, como uma aura fantasmagórica. Abanei ao lado de seu ombro e meus dedos atravessaram aquela massa estranha que vinha dele.
    — O que o senhor está fazendo? — Imediatamente tomei distância. Estava completamente debruçado no balcão, quase invadindo a pequena ilha negra coberta em led. — Sou um pretendente do senhor, não sou? Estou destacado em roxo, não? — O rosto inteiro de Jin sorriu pra mim. Aposto que o meu ficou ruborizado.
    Eu não podia acreditar que aquilo funcionava. A bala funcionava. Não é uma propaganda enganosa. É a merda da descoberta do século!
    Disse a ele que ainda não me sentia bem e que precisava vomitar. Realizei uma fuga não planejada e nem um pouco bem executada. É capaz que se houvesse um avião ali dentro eu esbarraria nele. Andar me parecia a coisa mais esquisita que podia fazer naquele momento. O chão estava gelatinoso, mas isso só pra mim. As pessoas ao meu redor conversavam e dançavam normalmente enquanto eu buscava apoio em algumas delas e em cada cano, pilastra, ou parede que via na minha frente. Eu me caguei de medo quando trombei e derramei bebida em uma das tatuadas. Se sua gangue viesse atrás de mim era bem capaz que vomitaria em cima deles. Ainda bem que ela estava em um estado ainda mais debilitado que eu e quando se virou eu já não estava mais lá.
    Abri a porta do banheiro e me tranquei lá dentro. Fui lavar o rosto e me olhei no espelho ficando atônito. Meus olhos castanhos comuns se foram e em seu lugar estavam duas bilócas púrpuras. Amassei meu rosto entre os dedos e esfreguei meus olhos. Não saía. Eram as minhas próprias íris que brilhavam de forma sobrenatural.
    — Puta merda eu enlouqueci.
    Enrosquei os dedos nos meus fios louros e por Oxalá, Santa Maria, Odin, Zeus, Michael Jackson, todos os deuses de todas as mitologias; passei a acreditar em cada um de vocês, seus putos! E como não? Isso aqui só pode ser obra do divino!
    Respirei fundo e saí para a boate. Admito que minhas pernas tremiam quando dei o primeiro passo. Via nitidamente o barman adornado por aquela luz roxa e as outras pessoas mais apagadas que o próprio escuro. A bala o destacou e eu não sabia o porquê nem como aquilo funcionava. Pensei que eu mesmo estivesse errado sobre minha sexualidade ao saber que Jin e eu mais que devíamos nos relacionar. E é aí que está. Ele não era o único que tinha a aura chamativa.
    Estava longe da pista de dança, porém meus olhos viam claramente como se estivesse ao seu lado. Tinha uma bela garota de pele bronzeada requebrando de forma magnífica no meio daquele mar de gente. Que coisa mais linda ela é. Nem sei como não a avistei antes. Suspirei. Acho que encontrei minha sereia. Vi que Jin piscou pra mim. Suspirei de novo. Acho que sou bi.

Gostou? Não se esqueça de votar!

❝𝐍𝐢𝐠𝐡𝐭 𝐂𝐥𝐮𝐛⚥❞Onde histórias criam vida. Descubra agora