capítulo VI

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Dinheiro! A palavra rodava na cabeça de Susannah enquanto, na manhã de sábado, subia em seu carrinho pela estrada de montanha em direção ao riacho Patch, na sierra. O dinheiro podia não ser a raiz de todos os males mas, no caso do casal em guerra de divórcio, era.
Por acaso não fora também o dinheiro que causara o rom¬pimento com Dan, dez anos antes? Uma firma de advocacia lhe oferecera um salário polpudo e ele pulara sobre a oferta como uma truta sobre uma isca apetitosa, traindo os ideais que os dois haviam traçado para sua vida profissional. Ela ficou chocada com a amargura que a recordação lhe despertou, des¬cobrindo que ainda guardava muito ressentimento por aquela atitude do homem que amara.
Talvez aquele ressentimento nem fosse justificado, porque várias vezes eles haviam conversado sobre um dia entrar no mundo real da competição, perseguindo uma carreira na pro¬fissão que haviam escolhido. Porém, quando Dan dera o pri¬meiro passo naquele caminho, ela se sentira traída.
Era delicioso recordar os doze primeiros meses que haviam vivido juntos, quando qualquer honorário recebido era motivo para comemoração e quando colocavam o dinheiro num velho pote de cerâmica e ao qual os dois recorriam. E o pote nem sem¬pre tinha fundos, mas dinheiro pouco lhes interessava, e sua falta era encarada mais como uma inconveniência que motivo para grande preocupação.
Vivendo daquele modo, sem grandes ambições, fora um choque ouvir Dan anunciar que aceitara um emprego na Bradley & Hammer e que ganharia um salário altíssimo. O pote não mais serviria para guardar todo o dinheiro que ia entrar e ele dissera que teriam que abrir uma conta conjunta em algum banco. O que a deixara mais furiosa, entretanto, fora a atitude chauvinista de Dan, que começara a dizer que ela não mais precisava preocupar-se com as despesas, porque ele as pagaria todas. Propusera pagar o aluguel do sobrado onde viviam, in¬cluindo a parte referente ao escritório que seria apenas dela, e até o salário da secretária, como se ela fosse uma incapaz.
— O idiota arrogante! — ela disse em voz alta, movida pela raiva antiga.
A briga causada pelo exibicionismo machista de Dan ter¬minaria em uma reconciliação regada a champanha e esfuziante paixão, como todas as outras que se seguiram, depois dos desentendimentos cada vez mais constantes. A situação conti¬nuara por seis meses, até que uma tremenda briga colocara um ponto final em tudo.
Dan, o machão ambicioso e autoritário, não era o tipo de homem que ela desejava novamente em sua vida. De alguma forma, porém, aquelas acusações pareciam um pouco injustas, depois de dez anos, quando a mente de Susannah como que se abria a novas possibilidades. Podia ser que as propostas irri¬tantes não fossem produto de arrogância machista, mas de uma real preocupação com ela. Por experiência própria, Dan sabia como seria difícil para uma pessoa sozinha manter o escritó¬rio pouco lucrativo.
Ela começava a temer que houvesse sido injusta com ele durante todos aqueles anos de separação em que o culpara do que acontecera, lembrando-se de que também fora arrogante ao ponto de recusar-se a aceitar que ele lhe desse a ninharia equivalente a uma passagem de ônibus. Pensando naquilo, ocorreu-lhe que talvez o dinheiro não houvesse sido a única causa do rompimento, mas que as pequenas mesquinharias acumuladas poderiam haver se transformado numa bola de neve que aumentara com a contribuição do orgulho e do amor-próprio ferido.
Apesar de todo o raciocínio, havia algo que ela não podia atribuir à injustiça e à precipitação, algo que ainda doía terri¬velmente. Por que ele não lhe contara sobre a oferta de Bradley & Hammer antes de aceitá-la?
Chegando a uma encruzilhada, ela parou o carro e exami¬nou o mapa que Jill desenhara e que indicava que devia tomar o caminho da esquerda. Tomou a direção indicada, dirigindo mais devagar por causa da superfície acidentada da estradinha. Aspirou com prazer o perfume dos pinheiros e da terra molhada pelo orvalho da noite. Os cheiros da montanha misturavam-se ao aroma primaveril dos lilases selvagens que co-briam os barrancos com sua cor azul.
A estrada serpenteava montanha acima, tornando-se bastan¬te íngreme. Lá embaixo ela divisava uma corrente de água que adivinhava ser o Patch despencando pelas encostas. Não se atrevia, porém, a distrair-se olhando a paisagem. Motorista ca¬paz e confiante nas rodovias mais movimentadas, estava achando enervante a experiência de dirigir sozinha numa estrada de mon¬tanha.
Exceto por seu próprio carro, o caminho estava assustadora¬mente deserto. De repente, um movimento na vegetação do topo de um dos barrancos chamou-lhe a atenção e instintivamente ela pisou no freio. Um segundo depois, um pequenino cervo com pintas no lombo escorregou pela encosta do barranco até o leito da estrada, bem no caminho do carro que acabava de parar a poucos metros de distância.
Susannah ficou observando a linda criatura, esperando que se movesse para que ela pudesse passar. Depois de algum tempo, como o animalzinho não mostrasse intenção de sair do caminho, ela buzinou, sem resultado. Desligou o motor e desceu do carro, achando que sua presença assustaria o bichinho.
— Vá para casa, Bambi! — ela gritou. — Você é novinho demais para andar sozinho.
Os líquidos olhos castanhos a encaravam sem sombra de me¬do, embora ela batesse as mãos e gritasse. O animal parecia ter poucos dias de vida e ela imaginou se sua mãe haveria sofrido algum acidente, deixando-o desamparado. Se tivesse certeza de que a mãe não se encontrava por ali, vigilante, ela simplesmente o tomaria nos braços e o colocaria na margem do caminho. Já ouvira muitas histórias sobre como uma corça se tornava peri¬gosa ao ver o filhote ameaçado e desistiu da idéia arriscada.
Pensou em contornar o animal com o carro, mas desistiu, ao ver a única passagem possível, uma espécie de acostamento cheio de pedras e sulcos profundos que apresentava um desafio maior do que ela estava pronta para enfrentar. Além disso, sabia que não seria capaz de deixar um animal indefeso no meio de uma estrada, com tráfego ou não. Deu um passo indeciso na direção do cervozinho e então ouviu o inconfundível barulho de um motor possante mudando de marcha. Parecia próximo, pouco além da última curva, talvez, e vinha rapidamente.
Esqueceu toda a cautela e correu para o animalzinho, preten¬dendo agarrá-lo. A criaturinha pareceu repentinamente ame¬drontada e começou a andar de costas em pequenos passos de dança, afastando-se dela. O ruído de vegetação quebrada sob pés pesados chegou aos ouvidos de Susannah. Ela olhou para o topo do barranco e viu uma enorme corça dourada que saía do mato. O animal deu um salto corajoso e dentro de segundos estava no meio da encosta do barranco, dirigindo-se para a mulher que, como num pesadelo, sentia as pernas pesadas como chumbo.
Se corresse para o carro poderia ser alcançada pela corça en¬furecida e atacada pelas costas; se ficasse parada onde estava poderia ser atirada ao chão e massacrada por aqueles cascos pontiagudos. Quando pensou que ia entrar em pânico, sentiu-se invadir por uma estranha calma. Decidiu ficar parada e não tirar os olhos do animal furioso. De repente, lembrou-se da ja¬queta vermelha que vestia e tirou-a rapidamente. Talvez conse¬guisse distrair a corça segurando a peça aberta imitação desajei¬tada de um toureiro. Se tivesse sorte, até conseguiria jogá-la so¬bre a cabeça do animal, cobrindo-lhe os olhos. Alguns segundos de cegueira poderiam confundir o bicho, o tempo suficiente para ela fugir para o refúgio do carro.
Firmou os pés no chão, decidida, com a jaqueta aberta nas mãos.

Pela primeira vez, desde que pisara no tribunal presidido por Susannah, Dan sentia-se completamente em paz consigo mesmo.
Tomara a decisão final de não mais desejar ver Susannah a não ser na corte e, como se o destino quisesse recompensá-lo pela coragem, estava gozando uma das mais belas manhãs que um pescador de trutas poderia desejar.
Saíra de Cacheton na tarde anterior, depois da sessão no tribunal e entrara na sierra, seguindo o mapa que Jill lhe dera, antes do anoitecer. A beleza estonteante do riacho Patch o em¬polgara, embora tivesse suas dúvidas se realmente seria um bom lugar para a pesca. Afinal a moça vira a região com olhos de artista e não de pescador. O riacho era pequeno e preguiçoso e escorria mansamente pela estreita campina onde ele parara. Não parecera nada prometedor, porém. Ele fizera café no fogãozinho de acampamento, notando que o gás estava acabando, e comera um sanduíche.
Com a mente ainda presa nos problemas do caso Minerva, acendera o cachimbo e ficara fumando, perdido em pensamen¬tos. Imaginara o que faria para salvar o caso, se a agência de detetives que contratara não encontrasse o piloto que poderia testemunhar que o tanque de herbicida do avião estava vazando. Quando voltou a pensar no riacho, já estava escuro demais para pescar, então abriu o saco de dormir sobre a grama, resolvido a passar a noite ao ar livre.
O sol já banhava a campina, na manhã seguinte, quando ele finalmente dirigiu-se ao riozinho. A maioria dos pescadores diria que as melhores horas para a pesca, antes do alvorecer, já ha¬viam passado, mas ele atinha-se à idéia de que os peixes mor¬diam a isca quando tinham vontade, independentemente de ho¬rário. Ainda sem acreditar muito nas possibilidades daquela água mansa, atirou a linha e, quase imediatamente, uma bela trutazinha de vinte centímetros abocanhou a mosca que usara como isca. A luta para tirá-la da água acendeu-lhe o sangue nas veias, até que, com um sorriso, colocou-a no cesto.
Jill estava certa. O Patch fervilhava de peixes e certamente os pescadores pouco vinham ali por estarem influenciados, se¬gundo a moça lhe dissera ao entregar-lhe o mapa, pela crônica esportiva que resolvera promover um grande lago e um rio muito maior algumas milhas abaixo, um lugar que oferecia muito mais potencial turístico.
Duas horas depois de haver pescado sua primeira truta, ele descia a estrada de montanha em sua perua rural revendo os eventos da manhã com profundo contentamento. A campina, com seu riacho preguiçoso, havia provado ser a delícia de um pescador, mas era apenas o começo do encanto. O prazer real surgira quando ele a abandonara para explorar o riozinho, acima e abaixo do lugar onde acampara. A água cascateava formando pequenos lagos e correntes cantantes e cada recanto oferecia a promessa de uma pescaria compensadora.
Cheio das recordações da manhã, descia a estrada para comprar gás para o fogãozinho num posto de gasolina que vira ao subir, um pouco antes de sair da rodovia e entrar no caminho de montanha. O Patch fizera-o pensar num riacho onde fora com Susannah quando... Susannah! Sem aviso, sua imagem en¬cheu-lhe. a mente, viva e colorida, adorável e sensual. Desapa¬receu em seguida, deixando-o com um sentimento de perda. Aquela obsessão não o largava. Considerou-se louco por haver pensado em voltar para Fresno sem falar com ela, em deixá-la sair de sua vida uma segunda vez.
Toda a euforia causada por aquele lugar maravilhoso desa¬pareceu, deixando no lugar uma dolorosa melancolia. Já repas¬sara aquela situação um milhão de vezes na mente cansada e sempre obtinha a mesma resposta. Não havia chance para os dois, a menos que ele deixasse a posição que levara dez anos para construir em sua cidade e fosse para Cacheton ser humilde¬mente, o marido da juíza da comarca. E isso era algo que ele não seria capaz de fazer, assim como não poderia pedir a ela que renunciasse à magistratura para tornar-se a sra. Dan Sullivan em Fresno.
Continuou a dirigir numa espécie de alheamento sombrio, apertando o volante com violência, pisando fundo no acelera¬dor, sem prestar muita atenção à estrada, até que o carro fez uma curva larga. Pisou no freio e apertou a buzina com desespero.
— Susannah!

Concentrada no animal pronto a atacar, ela se mantinha fir¬me, mesmo ao vê-lo dar um salto final para a estrada e depois parar de repente a uma pequena distância. Talvez a jaqueta o houvesse assustado e ela continuou a balançá-la com mãos trê¬mulas. No terror do momento, não registrara o som da buzina nem vira a pesada rural que, descendo a montanha, passara pelo acostamento acidentado, até que o carro parou entre ela e a corça enfurecida, erguendo um chuveiro de cascalho. Ficou olhando confusa e o motorista abriu a porta ordenando-lhe que entrasse. Com as pernas moles, conseguiu subir no veículo, que já começava a se movimentar.
Fechou os olhos, tremendo dos pés à cabeça com o relaxa¬mento da tensão, mal percebendo que o motorista esticava o braço para bater a porta. Um segundo depois ela ouviu e sentiu o corpo pesado do animal atingir a lateral do carro num ataque furioso.
A perua arrancou e ela se deixou ficar largada no banco como uma boneca desconjuntada.
— Essa foi uma coisa bem estúpida, considerando-se como é inteligente — o motorista observou enquanto parava o carro além da curva.
Os olhos de Susannah arregalaram-se para encarar o homem.
— Dan! — murmurou atônita. — O que está fazendo aqui?
— Poderia fazer a mesma pergunta a você, mas deixarei para mais tarde. Agora, gostaria de saber que diabo estava fazendo no meio da estrada bancando o toureiro com uma corça enrai¬vecida.
— Foi por causa do filhotinho. Ele não queria sair do ca¬minho... Pensei que fosse órfão — ela explicou fracamente, olhando espantada para ele, que parecia furioso.
A voz tornou-se mais firme quando ela se inflamou em de¬fesa própria.
— Se eu não houvesse "bancado o toureiro" você viraria a curva como um louco e atropelaria o pobre bebê.
— Se eu não houvesse "virado a curva como um louco" aquela corça teria feito você em pedaços, minha querida.
Ouvindo as palavras cruas, ela começou novamente a tremer, sabendo que se tentasse responder alguma coisa começaria a chorar. Virou a cabeça e ficou em silêncio.
Ele passou as mãos pelos cabelos e suspirou.
— Você quase me matou de susto, Susannah — ele disse como se desculpando por haver ficado irritado.
Houve mais um momento de silêncio até que ele estendeu a mão para a chave e deu partida no motor.
— Vamos voltar para o seu carro.
Ele fez uma hábil manobra, virando o veículo, e voltaram lentamente. Não havia o menor sinal da corça ou do filhote e o carro de Susannah permanecia bem no meio da estrada onde ela o abandonara. Dan parou no acostamento pedregoso e des¬ceu para olhar o declive cheio de vegetação, voltando rapida¬mente.
— Ela está lá embaixo, lambendo a cria e parecendo um pouco espantada. Deve ter tido uma dura surpresa ao atingir o carro, mas não está ferida.
Aliviada, Susannah levou a mão à maçaneta para abrir a porta.
— Fique onde está — ele mandou e, surpreendentemente, ela não teve vontade de desobedecer. — Você levou um susto muito grande. Quando puser os pés no chão vai perceber que está tonta.
Ela o viu descer novamente e dar a volta para o seu lado, parando um pouco para olhar o lugar onde o animal batera antes de abrir a porta para ajudá-la a sair. Estendeu a mão, mas ela a recusou, plantando os pés firmemente no chão apenas para descobrir, apavorada, que suas pernas se haviam trans¬formado em gelatina. Sem querer, obedecendo ao instinto de procurar apoio, agarrou-se ao braço dele.
— Upa! — Dan exclamou. — Ainda não está pronta para voar sozinha. Sente-se mais um pouco e espere seu corpo voltar ao normal.
— Estou bem — ela protestou.
— Acredito, mas o que acha de me dar as chaves para que eu tire seu carro do meio do caminho?
Para evitar discussão, ela lhe entregou o chaveiro e segurou-se na porta aberta enquanto ele se distanciava. Depois de algum tempo forçou-se a olhar para o lugar amassado onde a corça atin¬gira a lataria. A amassadura era do tamanho de uma frigideira grande e, quando pensou o que o golpe faria em seu corpo, sentiu-se nauseada.
Dan levou menos de dois minutos para colocar o carro à margem da estrada. Quando voltou, o normal autocontrole de Susannah já a havia ajudado a recuperar-se. Todavia, embora não soubesse a razão, não estava com pressa de ir embora. En¬costou-se no veículo olhando o homem aproximar-se, sentindo o gostoso calor do sol atingir-lhe a pele através da blusa de algodão e do velho jeans desbotado.
— Não havia necessidade de afastar o carro — ela comen¬tou. — Acho que somos as duas únicas pessoas nesta estrada.
— Isso é o que você acha, mas não podemos ter certeza.
— Até agora não vi ninguém — ela teimou.
— Estou curioso para saber o que está fazendo aqui.
— Perguntei primeiro, lembra-se? O que está fazendo aqui, doutor?
— Além de salvar belas damas em perigo?
— Não foi para isso que você veio, naturalmente.
— Vim para pescar.
Uma suspeita cruzou a mente de Susannah.
— No riacho Patch?
— Como sabe?
A suspeita aumentou.
— Como descobriu esse riozinho? — ela perguntou, já quase sabendo a resposta.
— Jill... sua secretária, desenhou-me um mapa. Oh, não me diga que andei pescando no rio particular da juíza.
— Não é o meu rio. É o de Jill. Ela não me disse... — interrompeu-se, hesitando em dizer mais alguma coisa.
Aquela romântica mocinha havia arranjado uma armadilha, mas ai dela quando lhe pusesse as mãos em cima! Não podia revelar a Dan as maquinações da secretária sem confessar que andara discutindo o passado dos dois com a moça.
— Susannah, não vá me dizer agora que é contra o regula¬mento do tribunal estarmos aqui pescando ao mesmo tempo. Não tenho o menor desejo de abandonar a melhor pescaria que já tive em...
— Não seja tolo — ela cortou asperamente. — O riacho é tanto seu quanto meu. Não precisamos ficar no mesmo lugar. Há bastante espaço para nós dois.
Como os lábios cerrados, como que irritado, ele tirou uma moeda do bolso.
— Cara ou coroa? Cara significa pescar acima da campina e coroa, abaixo.
Ela engoliu o desapontamento ao ver que ele não ia nem ten¬tar ficar junto dela, naquele lugar remoto onde ninguém os veria.
— Cara — ela escolheu.
Ele jogou a moeda para cima e aparou-a. Deu cara. Ela ou¬viu-lhe as explicações de como chegar à campina e depois houve um momento desajeitado em que nenhum dos dois tinha nada a dizer. A tensão cresceu e ela pensou que não havia mais mo¬tivo para demorar-se ali. Começou a andar em direção ao pró¬prio carro e Dan a seguiu.
— Espero que este pequeno encontro não lhe pese na cons¬ciência, juíza — ele disse com uma ponta de sarcasmo, quando atingiram o outro lado da estrada.
Ela não respondeu, limitando-se a abrir a porta e entrar no carro. Porém, antes de dar a partida teve o repentino impulso de dar a última palavra.
— Eu lhe disse que não havia necessidade de afastar o carro. No tempo que passamos aqui não vimos nada sobre quatro rodas.
Ele deu a impressão de que ia responder, mas apenas virou a cabeça como que ouvindo. Ela também prestou atenção e dis¬tinguiu o barulho de um caminhão de toras que se aproximava, descendo a montanha. O veículo pesado passou e logo em se¬guida apareceu outro e mais outro, num verdadeiro comboio. Quando tornaram a ficar a sós ele inclinou-se para olhá-la pela janela e deu-lhe um sorriso irônico.
— O que estava dizendo, juíza?
Ela ligou o carro e arrancou, deixando-o sozinho no meio da estrada.

Dan ficou parado, olhando-a partir, cheio de frustração. Per¬dera-se o encanto da manhã e ele lamentou não haver ficado na campina e assado os peixes sobre um braseiro como sempre fizera antes de ficar estragado pela comodidade de um fogão a gás. Depois reviu a cena formada por Susannah e a corça fu¬riosa e agradeceu a Deus por ter descido a montanha.
Vendo-a naquela situação de perigo tivera a súbita revelação de que, se a perdesse, muito de sua vida também se perderia. Suportara a separação porque sempre soubera, mesmo incons¬cientemente, que chegaria o dia de reencontrá-la. Encarando o fato de que ela estivera em perigo mortal, descobrira que não suportaria perdê-la irremediavelmente.
Precisava aceitar a evidência de que chegara o tempo do reencontro e que não podia deixá-lo passar, pois representava sua última chance. Quis correr atrás dela, mas desistiu, pensando que nada de concreto tinha a lhe oferecer. Sacudiu a cabeça e com um desanimado gesto das mãos cruzou a estrada, entrou na rural e desceu a estrada.
No posto de serviço, bar e armazém Acampamento do Índio, alguns quilômetros rodovia abaixo, encheu o tanque, comprou um botijão de gás, um pacote de fubá para empanar os peixes e conversou sobre pescaria com o dono do estabelecimento en-quanto tomavam uma cerveja.
Durante todo aquele tempo, porém, um verdadeiro debate ocorria em sua mente. Quando estava pronto para sair e voltar à montanha, percebeu que o debate terminara. Sabia que subiria até a campina e iria atrás de Susannah. Já haviam perdido dez anos. Ele a amava e o resto não tinha importância.




(Completo) Sempre Te Amei, Nunca Te Esqueci Onde histórias criam vida. Descubra agora