Capítulo II

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Embora tudo fizesse para negar a evidência, Susannah não podia fugir da verdade. O homem à sua frente era Dan. Conservava o mesmo rosto bonito, apenas tocado pela maturidade que transformara os traços cheios de juventude em feições fortes e mais atraentes ainda. Os cabelos ruivos, mesclados de dourado, apresentavam alguns fios brancos que mostravam os anos perdidos em que haviam ficado separados e incapazes de acompanhar a lenta modificação que o tempo operara nos dois. Esse pensamento provocou uma pontada de dor que ela tentou em vão ignorar.

As emoções em tumulto levaram-na perigosamente à recordação daquela noite do rompimento e, temendo sucumbir, ela procurou refúgio no exame da aparência de Dan. O homem que conhecera jamais haveria pensado em combinar a gravata com a camisa. Observou que, embora as roupas que usasse tivessem bom corte e fossem feitas de tecido caro, ao contrário de dez anos atrás, quando o dinheiro era sempre curto, ele ainda se vestia com descontração e elegante indiferença. Lembrou-se de como ele detestava ternos, vivendo de jeans, mesmo no escritório, apenas usando roupas mais formais para ir ao tribunal.

Sentiu o coração apertado por uma mão de gelo ao pensar que a gravata verde que usava naquele momento e que acen¬tuava a magnífica cor dos olhos, poderia ser a escolha de uma mulher e que provavelmente ele se houvesse casado.
Percebeu o silêncio da sala, notando que se tornava opressivo. Procurando forças para falar, espantou os pensamentos deprimentes, considerando que não lhe interessava se ele tinha ou não uma esposa. Suas vidas estavam irremediavelmente se-paradas. Quando falou, finalmente, a voz saiu controlada e fria.

— De acordo com os autos do processo, o advogado do autor da demanda, neste caso, é o dr. Jerome Curtis — ela começou, dando a entender que demorara a falar por estar examinando os papéis. — Não se acha presente?

Dan ergueu-se da cadeira e ela percebeu que o corpo longo e flexível continuava enxuto e firme como o fora aos vinte e seis anos de idade.

— Excelência, meu sócio, Jerome Curtis, sofreu um acidente no fim de semana e encontra-se hospitalizado. Vim substituí-lo. Meu nome é Dan Sullivan, da firma Curtis & Sullivan
.
— Sinto muito pelo dr. Curtis. Se desejar um adiamento até que ele se recupere... — ela interrompeu a frase, deixando supor que concederia o prazo.

— Não, excelência, obrigado. Conquanto os ferimentos de meu sócio não sejam criticamente graves, exigem que ele per¬maneça em aparelho de tração por um tempo ainda indefinido — Dan respondeu na linguagem rebuscada dos advogados.

— Nosso cliente opõe-se terminantemente a um adiamento desde que meu sócio e eu trabalhamos juntos na preparação do pro¬cesso, o que me habilita a continuar se vossa excelência permitir.

Susannah irritou-se. Esperava que ele aproveitasse aquela oportunidade de tirar os dois do impasse. Os últimos seis meses de convivência entre eles haviam sido cheios de ressentimento e hostilidade, e a lembrança daquele relacionamento poderia interferir no julgamento. Como ele pretendia continuar a cuidar do caso, só restava a ela declarar-se desqualificada para os trabalhos e trazer outro juiz de alguma comarca das redon-dezas.
Pesando as conseqüências, porém, concluiu que não era algo que pudesse fazer sem alegar motivos sérios, se desejava que sua carreira na magistratura não fosse por água abaixo, amea¬çada, como já estava, pela incerteza do resultado das próximas eleições. Retirar-se daquele julgamento significaria uma demora aborrecida e mais despesas para a comarca. Os eleitores, que pagavam impostos pesados, não iriam gostar de ver mais di¬nheiro gasto com outro juiz quando a pagavam para fazer o trabalho.

Mais uma vez percebeu que a sala permanecia em silêncio, esperando que ela falasse, mas não se precipitaria. Todo seu íntimo rebelava-se contra a idéia de julgar um caso que tinha Dan como advogado. O instinto dizia-lhe que seria capaz de exercer a função sem parcialidade em qualquer circunstância, mas queria ter plena certeza disso.

(Completo) Sempre Te Amei, Nunca Te Esqueci Onde histórias criam vida. Descubra agora