Durante o último horário recebi uma ligação da enfermeira que cuida da minha mãe. Desde que descobriram que a mente dela estava abalada, ela recebe visitas médicas frequentes, pois a mesma se recusa a pisar em um hospital ou consultório médico.
Não é só de médicos que ela foge, ela mal sai de casa desde que o peso em seus ombros se tornou pesado demais para ela carregá-lo sozinha. No máximo vai até o jardim e fica lá por horas cuidando das plantas, mas desde que os comentários infelizes da vizinhança sobre nossa família se tornou frequente ela deixou de pisar do lado de fora.
Toda essa cidade tem a língua maior que a mente, eles tem prazer de humilhar os fracos e os filhos não fazem diferente. Na escola reproduzem cada um de seus atos e falas, humilhando os colegas. É horrível como falta senso na mente de tanta gente ao mesmo tempo, são tantas pessoas falando sobre a mesma coisa que chega a parecer que eles tem razão sobre tudo.
Ao estacionar o carro na garagem, desço às pressas e vou para dentro. Minha mãe está sentada no chão com o coelho de pelúcia da minha irmã. Ela raramente pega algo da minha irmã, raramente se agarra às coisas dela como está fazendo agora. É algo tão inusitado que mal tenho forças para continuar em pé.
Me sento no chão ao lado dela, coloco os braços à sua volta e a aperto contra mim.
- Vai passar, mamãe. Não sofra tanto com tudo isso. - suspiro escutando o choro baixinho dela.
Minha mãe é muito instável emocionalmente por conta do passado que carregamos, da culpa que deixamos culminar dentro de nós, desde aquele dia nunca mais fomos os mesmos. Nunca mais terei minha família como era anos atrás.
Meu corpo se esmolece e me encurvo sobre minha mãe, chorando e soluçando sem segurar a dor que me aperta o coração e rouba todo o ar de meus pulmões. Só gostaria que tivesse sido eu.
Papai entra na sala e me lança um olhar de raiva, toda a culpa me consome a cada olhar que ele me dá. Toda a dor que mamãe sentiu nesse tempo todo fez com que ele criasse o mesmo rancor que ela tem por mim.
No mesmo instante em que seu olhar me queima e seus punhos se fecham ao lado do corpo, eu me levanto e vou para o quarto. Dentro do quarto me sento no chão, soluçando toda a dor que ainda não consegui deixar sair.
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O medo, o rancor, a culpa, tudo isso me consome dia após dia, me tirando o sono, me levando a ter pesadelos e a temer o dia seguinte.
Acordo ao amanhecer, não faço ideia de quando apaguei e ainda estou no chão do meu quarto, o braço dormente por ter adormecido sobre ele. Passo a mão no rosto que ainda está molhado, provavelmente chorei até pegar no sono, e a umidade só prova que devo ter dormido menos de uma hora.
Vou para o banheiro e tomo um banho demorado, deixando que a água carregue consigo todo o resquício de dor, choro, culpa, dormência que a noite anterior me causou. Enrolo no banho não só para tentar me limpar de tudo aquilo, mas para não ter que encarar meus pais ao sair daqui.
