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Hoje é um grande dia, sinto que todo o meu esforço valeu a pena. Sei que ainda não subi no palco e muito menos coloquei minhas sapatilhas... Na verdade ainda estou na biblioteca esperando meu turno acabar. Escuto o sino infernal da porta tocar toda hora.

Olho para o relógio a cada 2 segundos, eu amo o meu trabalho, mas hoje eu quero ir embora logo. Hoje irei dançar para muitas pessoas "O lago dos cisnes". Esperei tanto por esse momento, treinei tanto pra isso. Estou um pouco nervosa, pois sei que muitas pessoas importantes estarão lá.

— Meu Deus... — E se algo der errado? Meu futuro está nas minhas mãos, eu não posso dar um passo em falso. — Calma, Fátima... Vai dar tudo certo, confia. — Não confio.

Não adianta, já estou nervosa. Será que treinei o suficiente? Claro que treinou, você deu o seu melhor. Vai dar tudo certo.

Bebo um copo de água e espero o tempo passar. Tranco a biblioteca e vou correndo para o lugar do espetáculo para começar a me arrumar. Quando chego lá vejo que já tem uma fila enorme na frente, sinto meu estômago gelar.

Entro pelas portas dos fundos e vejo minha melhor amiga me esperando.

— Você chegou! — Ravena diz animada me abraçando.

Sou amiga da Ravena desde que me conheço por gente, nós duas nos conhecemos assim que entrei para o balé. Ela sempre foi uma grande companheira. As vezes nos desentendemos, mas eu sempre entendo o lado dela no final.

— Você está linda. — Digo apontando para a mesma que já estava vestida com o figurino.

— Entra, vou te ajudar a colocar a roupa, ela é super apertada... O gato da iluminação teve até que vir me ajudar. — Ela diz rindo e me puxando até o camarim.

— Só você mesmo... — Digo rindo e até me esqueço do nervosismo.

Vejo ela tirar a roupa do cabide e me entregar enquanto tranca a porta para ninguém aparecer do nada e me ver pelada. Ravena me ajuda com o cabelo e com as sapatilhas. Ela só não me ajudou com a maquiagem, inclusive eu fiz a dela. Pois se tem uma coisa que eu sou boa, é em me maquiar e dançar balé.

Escutamos duas batidas na porta seguida com uma voz grossa.

— Vocês entram em dois minutos. Estão prontas? — Sinto meu estômago embrulhar.

— Estamos sim! — Ravena grita sorrindo. — Amiga... — Ela sussurra pra mim.

— Que foi? — Digo olhando pra ela.

— Não sei, sinto que algo não está certo. Não sei explicar, acho que só estou nervosa. — Ela diz gesticulando.

— Se acalma... vai dar tudo certo! — Digo tentando acalmar a mesma.

— Vou indo na frente, te vejo lá. — Ela diz saindo.

Eu conheço a Ravena, ela não me engana, ela está muito nervosa. Espero que ela não me deixe na mão, preciso dela no palco.

— 1 minuto. — Escuto a mesma voz grossa atrás da porta.

— Okay... chegou a hora. — Digo me levantando e me olhando no espelho uma última vez. — Vai dar tudo certo.

Vejo pessoas correndo para todo lado, meninas rezando e algumas se maquiando sentadas no chão. Vou no canto da cortina pra ver se consigo ver meu irmão na plateia. Eu chamei ele mas não temos uma boa relação, não tenho fé que ele venha hoje.

— Fátima, não estamos encontrando a Ravena em lugar nenhum. — Uma das bailarinas me diz e sinto uma leve raiva. Onde ela está? Ela se comprometeu e agora faz isso?

Faltam poucos minutos para começar e agora estou procurando a Ravena em todos os lugares possíveis. Acabo encontrando a mesma do lado de fora fumando e sem a roupa da apresentação. Sinto uma raiva enorme.

— Ravena?? Era pra você estar lá dentro... E cadê o seu figurino? O que você está fazendo? — Digo um pouco alterada.

— Fátima, eu não quero fazer isso. — Ela diz segurando o cigarro enquanto solta fumaça pela boca e pelo nariz. — Eu só estou cansada.

— Você não pode fazer isso comigo. — Digo com os olhos cheios de lágrimas. — Sem você a coreografia fica incompleta. O que aconteceu? Você estava animada até agora. — Digo gesticulando.

— Você nem liga. — Ela diz dando um trago no cigarro.

— Oi? — Digo confusa.

— Eu nunca gostei de fazer balé, você sabe que sempre fui forçada pela minha mãe. — Ela diz com os lábios tremendo. E na verdade eu não sabia, mas eu já estava muito brava para tentar entender esse lado da história agora.

— Você é uma irresponsável, você prometeu pra mim que iria subir comigo no palco. Você que não liga. — Digo quase gritando e apontando pra ela.

— Você está perdendo seu espetáculo. — Ela diz com lágrimas escorrendo e consigo escutar a música tema de "O lago dos cisnes" ecoando pelo lugar.

— Eu te odeio. — Digo largando a mesma sozinha enquanto saio correndo até o palco. Eu sei que não deveria ter falado isso, é óbvio que é mentira. Depois eu resolvo isso, agora preciso dar o meu melhor.

Entro no palco já no ritmo da música e me entrego por completo. Meu par é um dançarino que veio de fora, não conversei muito com ele. Apenas sei que seu nome é Bill. Nos ensaios ele era bem quieto mas um ótimo par.

A música é ao vivo e linda, eu amo o som do violino. Minhas sapatilhas deslizam e meus braços abrem e fecham de acordo com a coreografia. Bill tem um toque suave e gentil, confesso que tenho uma quedinha nele. Ele é alto, tem braços fortes, lindo e também é super simpático.

O outro dançarino que está todo de preto e com o rosto coberto representando o cisne negro, me levanta e me coloca no chão com tanta delicadeza. Eu não sei quem ele é, me avisaram que alguns dançarinos de outra escola participariam da coreografia, não ensaiei com ele e muito menos o conhecia. Ouvi falar que ele já tinha dançado "O lago dos cisnes" mil vezes e já sabia os passos de cor. Volto para os braços de Bill e já estou totalmente envolvida na dança. Não existe plateia, não existe Ravena, apenas o palco e eu.

Bill me gira e ajoelha acariciando minhas mãos, essa coreografia é tão bela. O dançarino de preto me pega no colo e de repente escuto as pessoas fazerem um barulho espantadas. Olho para o rosto coberto e vejo um grande sorriso através do pano, elas estão chocadas com a perfeição? Quando ele me coloca no chão percebo que ele tem uma faca nas mãos. Vejo o mundo em minha volta girar, desde quando a arte virou algo tão cruel? Antes que eu consiga me defender, sinto ele cravar a faca em minha barriga.

As bailarinas e nem o Bill perceberam, mas a plateia sim. Vejo um homem covarde correr e me largar sangrando no chão. Consigo ver toda a minha carreira desabar e tudo à minha volta escurecer. A última coisa que consigo enxergar são os paramédicos se aproximando e meu figurino branco se tornando vermelho.

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Vivendo após a morte: Em busca do paraíso Onde histórias criam vida. Descubra agora