— Eu poderia falar com a Natália, por favor?
— Oi... ela mesma, pode falar.
— Olá, Então... sou a Suzana da Gatinho Alegre... são dezenove horas e doze minutos, já... a senhora tem previsão de chegada?
— Para?
— Como assim "para"? Para buscar o Felipe, né?
— Ah, sim... olha Suzana, acho que tá havendo uma confusão, sabe?
— Oh desculpe, é dia de outra pessoa pegar?
— Não, seria meu dia mesmo. Mas eu mandei um bilhete informando que não vou mais proceder com essa busca dele todo dia.
— ...
— Tudo bem? Então obrigado por ligar, viu?
— NÃO! EI ESPERA! Não, senhora, não tá tudo bem. Como assim a senhora não vai mais... a senhora não vai mais buscar o Felipe? Então quem vem? Contrataram serviço de transporte?
— Ahahaha, não querida, não. Você leu o bilhete?
— Não tive a chance e os professores já saíram.
— Lá explico tudinho, mas resumindo é isso mesmo: Eu não vou mais buscar o Felipe.
— Olha eu não tô entende--
— Ele pode ficar.
— O que?
— Ele pode ficar, Suzana. Sabe quando assino uma autorização para ele ficar até mais tarde na exibição do cineminha ou ir num passeiozinho sob seus cuidados? Agora assinei uma permanente, ele pode ficar sob os cuidados da creche de vez.
— Isso.... Meu Deus, Natália, isso... isso não existe... é seu filho.
— Ah eu sei, adoro esse menino, foi difícil decidir, mas resolvi desapegar, sabe? Viver o minimalismo, tem uma moça oriental que manda você segurar um objeto e perguntar pra si mesma "isso me faz feli--
— não, não, não... NÃO SENHORA. Vem buscar seu filho agora!
— Impossível, eu já estou chegando em Salvador.
— Oh meu pai. Natália, não temos o que fazer com o menino aqui.
— Fica com ele, Suzana... Eu tô em outra já... Marquei uma semana de SPA aqui na Bahia, depois vou pra Miami.
— M-mas é seu filho, Natália...
— Tudo bem!
— Como assim, tudo bem? É seu bebê, Natália, seu menino tá aqui me olhando e esperando...
— Deus, como ele é dramático.
— Toda criança fica ansiosa, é coisa de criança...
— Gente, Suzana, como exageram esse lance de criança, viu? Ai, é criança. Ai, é especial. Deixa eu te falar... sabe aquele papo de que é anjo enviado de Deus.. Jesus que me livre! É não, viu? Se um anjinho é assim o céu é um eterno aniversario Guanabara, Suzana. Eu caí nesse papo, Suzana, eu fui enganada...
— N-nã-não precisa chorar, Natália.
— Minha mãe me cobrando filho, todo mundo perguntando quando ia rolar esse lance de filho... eu investi né... pensei nos closes do Insta, nos stories lindos que a gente ia fazer, mas SUZANA, cada feed lindo no Insta é umas dez vomitadas, milhares de fraldas cagadas... horas de choro... Suzana como ele chora...
— Eu sei, aqui ele é bastante...
— Eu falei pra mim mesma que ia aguentar pelo menos três anos, é o tempo certo de um empreendimento dar certo ou não... eu vi um coach há um tempo e ele explicou a curva dos três anos, você conhece?
— Acho que n---
— É assim, você conversa com sua empresa e ela como entidade espiritual consegue entender, e vai te convencer a continuar... ou não, compreende?
— Não.
— Eu conversei com o Felipe, dei a ele três anos para me convencer que deveríamos continuar com essa nossa caminhada juntos, sabe o que ele fez?
—...
— Babou no meu blazer novo, Suzana... SUZANA DO CÉU! Eu tentei de tudo e não consegui tirar a mancha, aí pensei comigo mesmo, vou dar esse tempo pra ele e pronto... Não deu certo, viu? A gente não tem o mesmo ritmo, sabe? Ele só quer assistir programa bobo educativo, não aguenta uma maratona de Game of Thrones... você acredita que ele chora quando aparece um dragão, Suzana?
— Olha, na verdade, acredito.
—...
—...
— Fica com você...
— ...
— Vai, pode ficar. Tá assinado na agendinha dele, tudo certinho. Depois você passa lá em casa quando eu tiver e pega as coisas dele, os potinhos de beber aquele compridinho...— Mamadeira.
— ISSO, viu? você já tem o tino pra coisa, Suzana... vai ser bom pra nós duas. Eu já dispensei a Babá. Olha ela até chorou, viu? Fazia anos que não via a família! Mas fica. É teu já. Eu tenho um monte de raçãozinha comprada, uma fina, amarelinha...
— Leite em pó!
— Mas você hein! NASCEU PRA SER MÃE! Acerta todas. Não é a toa que trabalha em creche, eu sabia, Suzana. Deus te colocou no lugar certo!
— Ele tá chorando...
— Mas Puta que o pariu, só chora esse filho da p-- Olha. É teu! Pronto! É dinheiro que você quer? Me fala Suzana, é a porra do dinheiro? Eu pago!
— E-eu...
— Eu pago o integral, que tal? Pago o tempo da creche e depois o resto do dia todo pra você. Pronto... bem que você tinha uma vozinha de mercenária mesmo, viu? Eu te saquei Suzana, esse "amor" pelas crianças aí é só visando dinheiro.
— Mas é meu trabalho...
— Pronto, satisfeita? Eu pago! Puta merda viu? só pensa no dinheiro com uma criança abandonada aí chorando do seu lado... vou te contar, hein... interesseira do cacete... aposto que é desses esque--
— Tá bom... tá... eu fico com ele.
— É?
— Sim, se a Senhora vai pagar integral... Ah... e o plano de saúde do garoto!
— Ora ora.. mas é mesmo umazinha.. tá bom. FEITO!
— Tá bom, vou desligar.
— ESPERA!... Suzana...
— Oi?
— Você não tá querendo também um marido, não?
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O a/objeto em questão (e outros diálogos)
Short StoryCrônicas do dia a dia levadas ao limite por situações que extrapolam a realidade. [+16] Palavras pesadas, uso de drogas, sexo, menção a situações sexuais.