O MOTIVO

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— Cláudio. — Ela disse amarga.

— Dona Fernanda. — Ele respondeu com um certo tom suave.

— Andar?

— Dezoito, a senhora sabe, não é mesmo?

— Claro, mas poderia estar indo para outro andar.

— Poderia? 

— Sim ué. Poderia.

— Porque eu iria para outro andar?

— Ora, por algum motivo qualquer.

— Qual motivo?

— Ai caberia a você me dizer, cláudio o motivo é seu.

— Não tenho motivo, como disse estou indo pro meu andar, mas agora quero saber o motivo pelo qual eu não faria isso.

— Como disse, o motivo é seu. Eu, por exemplo, estou indo pra um andar que não é meu por um motivo específico. Meu motivo, entende?

Ele semicerrou os olhos tentando decifrá-la. Ela queria dizer algo mas não disse. Ela tinha um objetivo com tudo isso.

— Seria esse seu motivo o mesmo motivo pelo qual eu, ainda que não seja verdade, estaria indo pra um suposto andar diferente ao meu?

— Não sei ao certo, Cláudio, qual seria o seu motivo? Dependendo do que for pode ser o mesmo que o meu.

— Diz você primeiro, qual seu motivo?

Ela olhou para ele e contorceu os lábios virando os olhos. Voltou a atenção pro celular. Ele apertou o botão de emergência.

— Começou, termina! Agora diz... qual motivo?

Ela não se afetou,  inclinou-se sobre ele e levou a mão até o painel moveu a mão dele e apertou o botão liberando o elevador.

— Você perdeu o direito de saber dos meus motivos, Cláudio.

— Ah então é sobre isso!

— O que? O que é sobre isso, Cláudio?

— Tudo. Essa acusação toda.

Ela só bufou em resposta, ele conferiu o painel buscando alguma pista, não havia nada, o dezoito selecionado e o dezesseis, número errado já que o dela era o quinze. Mas ela já o tinha dito que estava indo para outro andar. Já teria ela o substituído?

— Sabe , eu sinto muito não ter dado certo, Fernanda.

— Dona Fernanda. Sou uma mulher casada, Cláudio. Ao menos aqui, já que não conseguimos seguir com nosso... er... acerto, preciso que me reserve o devido respeito.

— Nossa, nem parece que...

— Cuidado, Cláudio. Muito cuidado com o que vai dizer.

Ele apertou mais uma vez a emergência e puxou Fernanda para o canto onde a câmera não alcançava.

— A gente ainda pode tentar outro arranjo, Fernanda.

— Você estragou tudo, Cláudio. Com sua mania de pensar grande e essa sua fixação em ter uma família.

— Você tem uma família.

— Mas ela não me atrapalhou, atrapalhou? Já a sua possível, e, me perdoe, extremamente improvável futura família estragou tudo, Cláudio.

Ele a segurava pelos ombros, apesar de exercer alguma força, não havia violência, ela sentia ou já teria tomado uma atitude. Ele estava nervoso, talvez desesperado, seus olhos tremiam ao encontrar os dela. Ele respirou com olhos firmes, mas então, soltou o ar, bufando e todo seu corpo se afrouxou, braços caídos, corpo mole.

— Eu não consegui a promoção. Tá bom? Isso te deixa feliz?

— Porque isso me importaria? Foi dificil achar você, Cláudio, a pessoa que eu realmente precisava. Mas você jogou tudo pro alto. A gente tinha tudo certo, Cláudio. Você sabe quantas noites eu passei entre choro e raiva por sua causa?

— E-eu não sei, Dona Fernanda... se eu pudesse, se eu soubesse como a vida seria eu teria desistido de tudo e aceitado sua proposta.

Ela tremeu os lábios com as palavras de Cláudio, queria consolá-lo, não podia, precisava ser firme acima de tudo.

— Você não me respondeu, Cláudio. Porque isso tudo me importaria?

— Porque agora, sem a promoção, meus planos se frustraram e eu tive que dar um passo atrás. Tive que desistir de algumas coisas, investimentos, projetos, viagem...

— Investimentos tipo grandes financiamentos de um imóvel em outro lugar?

— Tipo isso, sim. - Ele deu um sorriso triste e ergueu as sobrancelhas afastando o sentimento. — Revi toda a história de estar preparado para uma família nesse momento tão instável, então meu apartamento me servirá por um bom tempo... Não vou mais me mudar. Não vou comprar um carro nem nada desse tipo...

Ela titubeou:

— Jura?

— Sim. — Ele baixou a cabeça — Mas talvez seja tarde, você deve estar indo ver outro pretendente mais adequado aos seus interesses.

— O botão do meu andar está quebrado, Cláudio. Pensei que parar um andar acima e descer de escadas seria melhor do que parar um abaixo e ter que subí-las.

Ele sorriu e ela também. Se abraçaram longe dos olhos da câmera e ela lacrimejou de felicidade. Pararam no décimo-sexto e desceram um par de escadas de mãos dadas. Ela o ia puxando como se fosse a única a saber o caminho. Parou em sua porta no 1506, tateou em busca das chaves sem sucesso. Tocou a campainha. Cláudio a seu lado encostou a cabeça na parede vendo a felicidade dela e sorriu, estava também aliviado. Um homem abriu a porta e sorriu ao vê-los. Beijou os lábios de Fernanda e os convidou a entrar.

— Devo entender que ele concordou?

— Ai, amor, ele tá dentro, não tá, Cláudio? — Ela disse jogando a bolsa no sofá e indo ao bar.

— Estou sim, Dona Fernanda.

Ela ofereceu um copo pra Cláudio e disse, maliciosa:

— Ora, não precisamos mais nos chamar de donas e senhores, não é mesmo?

O marido abriu uma pasta e entregou-a aberta pra Cláudio.

— Tá tudo ai. Aprovado pelo conselho condominial conseguimos dividir a última vaga de carro para duas motos. Aqui está a placa da sua, essa é a placa da moto da Fêr. Se tiver dúvidas, pode perguntar.

Fernanda foi até a janela e viu sua moto parada na esquina. Nunca mais precisaria pagar a extorsão das guardas para não ser roubada durante a noite e ainda assim passar madrugadas assustadas ao ouvir um alarme disparando. Cláudio assinou tudo e se despediu.  O Marido abraçou-a por trás encostando o queixo em seus ombros.

— E a petição pra consertarem o painel do elevador? — Ele perguntou.

— Falta a Sara do 1504 assinar.

— Tá, eu falo com ela.


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