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Levo o copo de plástico quente até os meus lábios, conferindo se a temperatura está boa o suficiente para beber. O aroma dos grãos bem processados faz meu estômago dar uma cambalhota, mas me seguro para não tomar a bebida ainda muito quente. Suspiro. Quanto tempo mais Érica iria fazer me esperar?

Lá estava eu, Olívia Fernandes, vinte e seis anos e alguns meses esperando pela minha chefe extremamente atrasada para uma reunião que ela marcou de última hora no shopping mais movimentado da cidade. Eu não gostava de multidões, pior ainda quando a praça de alimentação estava apinhada de pessoas de diferentes idades falando alto enquanto comiam os seus lanches. Essa seria uma reunião interessante. Não fazia ideia de como prestar atenção em alguma coisa com todo aquele barulho.

Meu olhar vai em direção a um ponto brilhante que começa não só a chamar a minha atenção como também a de outros. Uma mãe, um pouco jovem, segurava a mão de uma menina com a mesma cor de cabelos loiros. A menina carregava na sua mão esquerda um colã azul reluzente cheio de lantejoulas. Quando elas passaram na frente da minha mesa, consegui ouvir um pouco da conversa delas:

— Está animada para a sua apresentação amanhã? — A mãe a interroga com um sorriso.

Sua filha sorri, revelando um dente que estava em falta.

— Eu vou conseguir fazer meu solo sem cair no final, Mamãe!

Eu finalmente bebo do meu café. Era difícil não procurar qualquer outra coisa para me distrair quando eu era lembrada dos meus tempos de ginástica artística. Não que fosse ruim lembrar sobre aquela época, era incrível. O problema era o que vinha a seguir.

Desde os meus cinco anos eu tinha aulas de ginástica olímpica. Meus pais queriam que eu começasse um esporte cedo, para fins relacionados com a saúde. Mas aí eu comecei a me destacar, todos viam isso. Eu tinha mais equilíbrio do que as meninas da minha turma, era mais flexível e já sabia exatamente no que melhorar. Não demorou muito para eu ter um técnico e começar a competir.

Então grande parte da minha infância foi resumida a ganhar troféus e medalhas. Eu queria seguir uma carreira esportiva, com direito a olímpiadas e tudo. Mas eu ainda tinha deveres com a escola, o que minha mãe fazia questão de lembrar.

Bom, a única parte da minha vida que não envolvia estar preocupada com notas ou focada em competições era quando eu estava com ele. Mas pensar nele doía e eu não queria sentir isso.

Entretanto, era difícil não lembrar de quando nos conhecemos, duas crianças de três anos que brincavam juntas na casa de uma e de outra porque eram vizinhas. Eu me lembro de achar que o cabelo dele era engraçado e estava sempre puxando seus cachos loiros, mas ele nunca chorava.

Mateo era o seu nome. Nós dois havíamos nascido praticamente na mesma época, morávamos apenas há uma casa de distância e estávamos sempre juntos. Eu não me lembro quando deixou de ser amizade, quando se tornou algo mais complexo. De repente, nós trocávamos nosso primeiro beijo.

Instintivamente, levo minha mão até a minha boca e estou sorrindo. Como eu poderia evitar lembrar?

Tudo havia sido um sonho por um tempo, mas aí eu me vi disputando um campeonato estadual. Era meu último passo até alcançar um nacional e finalmente ir para as olímpiadas. Parecia que eu ia conseguir, eu estava na final. Estava lá, dando o melhor de mim no meu solo, até que senti meu coração disparar. Me lembro de tentar fingir um sorriso e seguir em frente, pensando que iria passar logo. Mas piorou. Piorou muito mais ao ponto de doer e eu cair.

As coisas aconteceram muito rápido depois disso. Era como se o mundo todo rodasse ao meu redor, enquanto meu peito doía e eu não conseguia respirar. Eu apaguei. Acordei no outro dia, deitada em uma cama de hospital. Ouvi minha mãe chorar baixinho e tive certeza de que não era nada bom.

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