CONTO TRÊS - Talita

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Devaneios de carnaval

P A R T E II

Respirei fundo tentando aquietar meus pensamentos e minhas mãos geladas. Meu estômago dava cambalhotas com suas borboletas, tudo dentro de mim estava inquieto, mas eu tentava manter a pose externa para que ninguém percebesse. Mas quem notaria? Ninguém que estava próximo parecia sequer perceber minha presença, estavam presos a seus próprios afazeres e eu nunca os culparia por isso.

Resolvi andar um pouco, não poderia me afastar muito já que tínhamos marcado nosso encontro em um ponto exato, mas a verdade é que queria sair correndo dali e fingir que nada nunca tinha acontecido. Me manter na minha zona já costumeira era tão bom, não dava essa ansiedade e medo todo. Segurei a murada diante de mim e olhei para o céu que quase me cegou com a luz penetrante do sol, fechei os olhos rapidamente para protege-los e voltei a abri-los dando de cara com a ilha. Um leve sorriso se formou em meus lábios ao encontrar na memória uma lembrança: quando era pequena contavam um mito, não sei bem quem me falava essas coisas, acho que vinha de todos os cantos, mas eu acreditava e temia. Diziam que lá embaixo daquela ilha, a Ilha do Fogo, vive uma serpente gigantesca, feroz e medonha que estava presa por três fios de cabelo de Nossa Senhora das Grotas, a padroeira da cidade, mas que dois já haviam se arrebentado e que quando o último quebrasse ela sairia do lugar onde estava e aconteceria a triste tragédia de inundar toda a cidade. E óbvio que tem os motivos para o fio arrebentar, mas eu já não me lembro mais quais são eles, entretanto, mesmo que não acreditando mais nessa lenda, espero que ninguém cumpra nenhum desses motivos.

- Talita. - A voz rouca me chamou e me esqueci imediatamente da serpente da ilha para encontar ele e escutar o que tinha a me dizer. - Me perdoe pelo atraso. - Disse se aproximando e me abraçou - como você está?

- Estou bem e você?

- Preocupado com você, porque depois de sexta, bom... Eu não sabia que ela iria aparecer.

- Eu sabia que isso iria acontecer em algum momento, afinal, aqui não é tão grande, não é? Encontraríamos ela de qualquer jeito.

- Sim, só não pensei que seria tão cedo, não sei, queria que você conhecesse meus filhos de outro modo.

Suspirei. Tinha embarcado nessa sabendo de todas as consequências, tenho consciência de que ele é separado da esposa, que tem filhos... Que foi meu professor em uma disciplina na universidade. Não consigo compreender porque ele se preocupa tanto com o fato de que encontramos a ex-esposa dele e os filhos no carnaval, pois eu mesma não ligo para isso. Acho que o que mais me espantou naquele momento foi ela está tendo algo com o Edivaldo, um amigo meu da época do colégio.

Coloquei os braços ao redor de seu pescoço e olhei em seus olhos, toda vez que fazia isso, ele inicialmente fingia estar olhando para o céu ou qualquer coisa acima de nós, depois olha para mim com um leve sorriso nos lábios, segura minha cintura e me beija. É sempre do mesmo modo, sempre a mesma sequência.

- Está tudo bem, eu estou tranquila com o que aconteceu, Carlos, eu sei quem você é e sei de sua bagagem e para mim não há mal nenhum nisso.

- Tem certeza disso?

Eu assenti e ele me beijou novamente.

- Desde o início sempre tive.

Ainda ficamos por ali por um breve tempo, as horas iam subindo e o sol sobre nossas cabeças começou a ficar cada vez mais feroz, então nos dispidimos com a promessa de que nos encontraríamos novamente mais tarde para a terceira e última noite de carnaval.

Respirei fundo, já com outro ânimo, a ansiedade e medo tinham se dissipado. O medo vinha da ideia dele romper comigo, pensei que por ele ter visto a ex, isso poderia fazer com que algum sentimento antigo aflorasse, mas fui tola em pensar assim, no entanto, meus pensamentos acabam me levando por esses caminhos sem que consiga freá-los. Talvez seja porque Brunielle, minha amiga, vive desaprovando meu relacionamento com Carlos e sempre que pode coloca minhocas em minha cabeça.

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