CONTO UM - Victoria

32 5 0
                                    

P A R T E II

Inspiração.

É o que o busco nesse momento, pois já se foram duas semanas em que não conseguia por nada de realmente válido no papel, mas ontem eu fiquei tão, mas tão contente, pois houve um estalo e, de repente, as palavras foram fluindo e iam saindo em uma velocidade gostosa e, no fim, eu tinha um conjunto de palavras poéticas e que juntas formavam um sentido do qual me orgulhava.

Foi sobre um moço que escrevi, sobre a rima que enxerguei nele e sobre o pôr do sol que assumiu um tom que, para mim, aparentava ser mais brilhante do que todos os fins de tarde que já presenciei na orla. O moço me lembrou perseverança, pois ele vendia brigadeiros e possuía uma alegria altamente contagiante, ele é lindo, pura poesia. Mas calma, isso é olhar de escritor, não estou apaixonada nem nada semelhante.

Todos os dias após o trabalho eu passo uma ou duas horas a margem do rio São Francisco, fico encarando a beleza que ele é, a serenidade que transmite e o sabor da brisa leve que carrega consigo o doce da água e o odor de peixe. Gosto também de observar as pessoas que compõem esse cenário, como o moço que eu citei, o vejo aqui todos os dias quase no mesmo horário, sempre com o sorriso largo na face, os cabelos em cachos como os meus e a bandeja branca cheia de doces nas mãos.

Gosto de ver dois menininhos que passam correndo lá embaixo, na areia, e que se banham no rio enquanto vivem uma infância simples e esperançosa; percebo os transportes que correm pela ponte e fico a imaginar quem seria a pessoa de tal carro ou o ponto que eu vejo daqui sobre a moto, mas eu devaneio bastante quando penso em quantas pessoas estão dentro do ônibus, em quantas histórias tem ali dentro ou então nas barquinhas, pois são os que levam muita gente e gente tem história para contar e eu adoro isso.

Encaro o céu com os olhos semicerrados e vejo as nuvens caminhando, imagino como seria flutuar até alcança-las e sair saltitando de uma para outra antes que se dissolvessem sob meus pés. Ver o mundo de outro ângulo, esta ai uma coisa legal, eu iria apreciar o cais do alto, conseguiria alcançar a beleza que daqui da orla não alcanço.

Encaro as águas que correm e penso em como meus devaneios ficam surreais as vezes, mas eu confesso que gosto de ser assim, apesar de me perder do tempo enquanto penso e me atrasar ou não pegar as informações importantes.

Semana passada me atrasei umas duas vezes para o trabalho, porque perdi o ônibus. Minha chefe quase se descabelou, porque eu sou responsável pelo caixa e acabou por ficar sem ninguém para essa função. No entanto, estou tentando me concentrar mais quando algo é demandado de mim, como me organizar para pegar o ônibus, pois preciso me manter nesse emprego, as coisas em casa estão melhores desde que comecei a trabalhar, posso ajudar minha mãe e meus dois irmãos.

Encaro uma mulher apressada que passou quase voando as minhas costas e percebo como ela se parece com minha chefe. Não na aparência, mas nesse modo apressado que anda, pois Cláudia, a dona da sorveteria em que trabalho, está sempre com a testa franzida, a cara vermelha e os gestos rápidos, sempre que a vejo assim me sobe uma tristeza, porque ela não consegue desacelerar, está sempre correndo de um lado para o outro e quando penso que vai descansar, de repente, sai rápida dizendo que precisa buscar os filhos na escola: três crianças.

A vida dela é uma correria só, isso é nítido, mas eu acredito que tudo está ligado ao modo como levamos os afazeres e os acontecimentos. Encarar as coisas pesadas da vida como a brisa leve que sopra, tudo possui um lado que serve para aprender e o resto, uma hora ou outra, segue com o vento.

Olho para baixo, vejo a areia, o encontro da água com ela e, para meu deleite, vejo os menininhos de todos os dias correndo, entrando no rio, se espirrando água, saindo molhados com a areia grudando na pele. As faces bronzeadas pelo contato direto e contínuo do sol do sertão com a pele, os sorrisos largos e faceiros, a alegria e leveza daquela infância. Os menininhos seguiram correndo, um deles com o short folgado caindo da cintura que ele tentava segurar, eles foram se distanciando até que sumiram em direção a Orla Dois.

C A I SOnde histórias criam vida. Descubra agora