Reality

71 18 0
                                        


— Me fala a verdade, Taehyung! — Sunhye gritava pela terceira vez.

O dia ainda não tinha clareado por completo, ela esteve esperando que ele pisasse de novo no apartamento desde sua última mensagem de texto. Ela tinha atingido mais uma vez o limite. Aquela não era a primeira vez que fechava os olhos para o que o Kim fazia fora de casa. Mas algo dentro dela dizia que daquela vez era diferente.

Taehyung não tentava mais esconder. Não disfarçava a vontade de sair, de estar longe dela e de tudo que ela representava. Os olhos cansados que a encaravam naquele momento eram a prova de tudo que sentia.

O Kim não tinha mais palavras suficientes para negar. E ao menos sabia se queria negar alguma coisa. Tudo estava tão escancarado, não tinha mais pra onde fugir. Suas rotas de fugas foram fechadas por Kim Seokjin, uma por uma até aquela fatídica madrugada em que ele simplesmente o deixou nu num quarto de motel, o obrigando a encarar a realidade.

— Você já sabe a verdade, Sun — respondeu num tom baixo, deixando o corpo cair sobre o estofado da sala. — Tenho outra pessoa.

A garota nem pôde fingir surpresa, era óbvio. Passou as mãos pelos cabelos dourados, fechando os olhos e tentando lidar com o gosto amargo de finalmente ouvir da boca dele que ela não significava mais nada.

— Sempre teve outra pessoa, Taehyung. Mas o que mudou agora?

Ele a olhou com certo receio, porque era verdade, sempre teve amantes e mais amantes. Sempre fodeu por aí e voltou pra dormir de conchinha com ela. Mas sim, tudo havia mudado, porque com Seokjin não era só sexo, não era só um negócio.

— Eu me apaixonei, Sun. Me apaixonei pra caralho — confessou, deixando que o choro preso saísse da garganta. Alto e angustiante.

Ela o amou um dia. Amou e quis ser o futuro dele; mas não mentiu pra si mesma o suficiente pra ser surpreendida com aquela confissão. Taehyung sempre guardou muitos segredos e ela podia ler todos eles pelas entrelinhas. Estava com pena dele. Pena do homem que não consegue admitir o que quer.

— A gente não pode mais se enganar, Tae. Eu não posso te reconfortar agora, porque você tá me quebrando no meio, mesmo que eu já esperasse. — Se aproximou, afagando os cabelos do Kim. — Mas eu vou te dizer uma coisa: para com isso. Para de mentir, para de fugir e de fingir. Você vai matar tudo de bom que você tem na mão e vai ficar sem nada. Sem ninguém. Se você ama esse homem, seja corajoso o suficiente pra admitir pra si mesmo.

Taehyung a olhou com surpresa. Ela não deveria saber. Ninguém deveria saber.

— Eu nunca...

— É, você nunca me disse que gosta de homens. Mas eu te amei de verdade, Taehyung. E quando a gente ama de verdade, a gente conhece a outra pessoa. E eu te conheci, apesar de tudo. Isso é um problema pra muita gente. Mas amor é amor, não deixe que eles vençam. Aceite o seu próprio coração.

Taehyung abraçou Sunhye como não fazia há muito tempo. Afundou o rosto no corpo pequeno. Ele sabia que ela não merecia nada do que fez e isso piorava tudo. Não queria ser assim tão egoísta.

— Eu te amei muito, Sunhye, só não do jeito como você queria. E por isso eu te peço perdão. Me perdoa por ser esse filho da puta...

— Sh... — ela o repreendeu. — Tá tudo bem, tá tudo bem...

Se soltaram dos braços um do outro e ele soube que seria a última vez que olharia para o rosto impecável da Choi.

Sua cabeça latejava, seu corpo doía, as lembranças pareciam um tsunami. A imagem de Seokjin saindo por aquela porta parecia um pesadelo em loop. Ele não sabia se conseguiria outra chance. O que tudo aquilo significava? Qual era a decisão certa?

Era coisa demais, o dia mal havia começado, e mesmo que não quisesse, a empresa o esperava às nove em ponto. Reuniões não esperam tragédias pessoais se resolverem. E fora daquele caos, Taehyung ainda era um dos diretores daquele inferno que um dia ele achou ser a única coisa real que tinha na vida.

[...]

No terceiro dia depois de ver tudo que tinha esvair pelos dedos, Taehyung tinha acumulado no celular dez mensagens não respondidas. Todas elas para o número de Seokjin. Ele não respondeu sequer o "você está bem?". Muito menos o "podemos nos encontrar?". Nada, ele não disse nada desde aquela noite. E isso matava aos poucos a esperança que Taehyung nutria no peito sem ao menos perceber.

A noite caia e pelas grandes janelas do escritório ele via o crepúsculo se formar no céu. Queria poder encontrar com ele em momentos como aquele, talvez no raiar do dia, no meio da tarde. Queria ver o rosto de Seokjin sob a luz do dia. Queria ouvir sua risada num fliperama, e queria levá-lo para jantar naquele restaurante estrangeiro em que o menu é um mistério. Queria toda e qualquer coisa no mundo real.

A secretária já arrumava as coisas para ir pra casa. O Kim sabia que ela tinha uma família bonita, dois bebês e um marido gentil. Ela tinha motivos pra voltar pra casa e não querer sair de lá tão cedo. Coisa que ele não tinha. Até mesmo Sunhye já era passado. E todos naquela empresa estavam sabendo.

Boatos se espalham como pólvora. E ele ouvia inúmeras especulações sobre o que estava acontecendo com o jovem e promissor Kim Taehyung. Ele se perguntava a mesma coisa, o que estava acontecendo?

Às oito da noite ele era o único naquele andar. Sem vontade alguma de sair. Encarava a tela do telefone, aberta no contato dele. Nunca havia ligado para Seokjin, era quase uma regra. Apenas mensagens. Mas tudo havia mudado, a última vez que se viram mudou tudo, até mesmo o envelope de dinheiro tinha sido deixado para trás.

Não havia mais regra.

Então ligou. Deixando no viva-voz, sem coragem de se aproximar demais do aparelho. Tinha medo até mesmo da voz de Seokjin. Tocou, e tocou, e tocou.

"Deixe o seu recado após o sinal", a voz eletrônica disse. Então ele encerrou a chamada. Do que adiantaria deixar um recado que ele provavelmente não ouviria. O aperto no peito cresceu. Não queria acreditar que suas chances tinham desaparecido. Seokjin foi bem claro ao dizer que ele precisava decidir e então procurá-lo fora do 304.

Mas como, se ele desaparecer assim?

Voltar para o apartamento vazio era sua única opção. Desligou tudo e deixou um suspiro cansado ao entrar no elevador. A cidade parecia mais movimentada do que de costume e ele se sentiu um peixe fora d'água. Não se sentia tão vivo quanto as pessoas lá fora.

Entrou na garagem do prédio e subiu para casa, não conhecia nenhum dos vizinhos, não tinha mais contato com os amigos. Não havia a quem recorrer. Apenas um banho quente e mais um copo de whisky. Deitaria na cama antes das onze mais uma vez e ficaria lá de olhos abertos até que o dia amanhecesse.

Enquanto a água lhe relaxava os músculos, o nome de Seokjin surgiu na tela do celular sobre a pia, e o som estridente do toque o fez sair molhando todo o banheiro. Mas não deu tempo, quando alcançou o aparelho havia apenas duas notificações: uma chamada perdida e um correio de voz.

Há tempos que não usava o recurso. Digitou a senha e ouviu a voz eletrônica dizer: "você tem uma nova mensagem", teclou o zero para ouvi-la, e então a voz anunciou: "essa mensagem dura um minuto e sete segundos". Estava nervoso, o coração acelerado, o corpo nu e molhado, prestes a saber o que Seokjin tinha pra dizer. "Edifício Sejong, apartamento 919. Mas por favor, apenas venha quando tiver certeza. Eu espero que você esteja bem, Taehyung. Não se preocupe comigo."

Foi só. Só isso que a voz baixa e calma disse.

Taehyung tentou se lembrar de como respirar e de como pensar de novo. Não fazia ideia de onde o edifício Sejong ficava, mas saber que ele existia de fato no mundo real, que ele morava em algum lugar daquela cidade lotada de gente comum, dava a ele um sopro de uma nova realidade, uma em que Kim Seokjin não é uma fantasia de sua cabeça.

Naquele momento só restava entender quais certezas ele tinha. Não correria o risco de dar a ele novas dúvidas, não correria o risco de estragar tudo mais uma vez. Teria certeza de tudo quando olhasse novamente naqueles olhos. 

Olhos Perversos | TAEJINOnde histórias criam vida. Descubra agora