Março, 1992.

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E os focos de luzes coloridas piscavam e balançavam vertiginosamente, e intermitentes clareavam, por vez ou outra, os olhares que cobiçavam pernas desnudas a um palmo abaixo da cintura da deidade em sua frente, poucos passos de distância entre desejo e ação. Mas nisso, todos os outros dançavam vigorosamente e com seus corpos suados espalhavam movimentos padronizados, mas que pareciam descoordenados para quem não fizesse parte daquela cultura ali presente, sem ao menos perceber qualquer faísca ou estalo que originasse um regalo no universo diverso do seu pequeno quadrado no chão. E as batidas intercaladas harmoniosamente ao som tecnológico penetravam profundamente no peito, desacelerando os sentidos mais aguçados mesmo que o responsável pela música lhes apresentasse um ritmo que conduzisse cada uma das diferentes danças testemunhadas ao redor para um frenesi descontrolado, desvairado, de complexo entendimento, e ainda assim harmonioso, mas apreciado por aquele público por ser visto como algo próximo à perfeição.

O torpor induzido não deixava claro o que estava contagiando aqueles habitantes, os livre-residentes de um espaço onde as pessoas constantemente se enfeitiçavam, num efeito dominó de lascívia constantemente se espalhando pelos cabelos esvoaçantes que ocultassem beijos entre os feixes vermelhos que cortavam o salão na diagonal. As luzes oportunamente descendiam da direita para a esquerda cruzando-se com outros feixes alaranjados que vinham da direção oposta, e o amarelo surgia a diante se interpondo no meio do salão com o verde que partia pelo outro lado, e a mistura com os círculos de luzes azuis, anil e violeta, que se espalhavam pelas paredes, teto e chão, refletidas pela grande bola espelhada, pendurada metros acima da pista, fazia com que cada individualidade fosse quebrada em uma pluralidade a ser espargida em uma miríade de luzes derivadas que consumia cada um que lá estivesse.

No apagar das luzes ou no alumiar intermitente, ali, todo mundo era o que desejava e ninguém era igual, e por mais que alguém agisse da mesma forma que os outros, todos eram diferentes.

E então deusa cobiçara deusa, e olhos deslumbrantes acompanharam a beleza no perfume sentido baixo da orelha, local onde o fio da palavra anavalhada corta qualquer tabu.

Quarto Conto - InquebrantávelOnde histórias criam vida. Descubra agora