Atemporal.

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E assim, a alegria pela vitória contagiou a todos os presentes e levou todos os oponentes vencidos a comemorarem juntos entre bebidas, cânticos e cigarros.
Mas o vencedor, de alta estirpe e impecavelmente trajado, bebia apenas seu o refrigerante diretamente pelo gargalo de uma garrafa umedecida pela baixa temperatura, enquanto guardava seu dinheiro no bolso e conjecturava que aqueles homens irromperiam a madrugada. Vestiu o casaco e acochou suavemente na cabeça o chapéu de aba.

Ao retirar-se do local, à francesa como lhe era de costume, não deixou de perceber os olhares que o acompanhavam de forma incisiva, ainda que sutilmente, estavam sobre ele desde as primeiras tacadas sobre o pano verde.

Intrigado, fez-lhe um acanhado meneio tocando a aba do chapéu e partiu em direção à rua.
Como andava pacato, não demorou muitas quadras até que o seu gentil observador o alcançasse oferecendo-se para dividir o transporte de um motorista profissional. E assim reconhecera aquele que habitava o mesmo local de trabalho, onde os dois trocavam apenas um bom dia e uma boa noite no início e fim do turno, tendo a atenção de um despercebida ao outro.

E após o táxi alcançar o primeiro destino, as duas se olharam constrangidamente por haverem esgotado os assuntos que desenvolveram por todo o caminho.
Mas as duas se sentiam tão a vontade naquele momento, que concordaram em descer juntas e caminhar pela metade do caminho até onde seria o próximo destino. Procurariam um local onde pudessem comer alguma coisa e, depois, se apartariam e cada uma seguiria em direção à sua residência, mas ambas compartilhavam o desejo de gastar fichas telefônicas durante a semana para que pudessem continuar aquele colóquio que lhes era tão natural.

Naturalmente, a conversa as aproximava cada vez mais e os passos se tornavam ainda mais pesados pela vontade de não atingir o objetivo tão facilmente. Queriam, obviamente, ganhar tempo e se tornavam mais intensas a cada jarda vencida, disputando a atenção uma da outra e caçando mais coincidências que aproximasse o cotidiano de cada uma. Mas chegara o momento em que perceberam que já haviam se alimentado, precisariam pagar a conta e metade da noite já se acabara.

E ele recebeu o agradecimento por ter carregado sua mochila com os quartetos de rodas amarrados à parte externa dela. Mas, antes que fosse corroído pelo desejo, fora dito em seu ouvido que, se desejasse, que lhe fizesse companhia por mais algumas quadras e enterrasse de vez qualquer curiosidade. E assim o fez.

E então, ao adentrar pelas portas do apartamento, retirou e pendurou o paletó na parede próxima à porta, onde outra haste do cabide recebeu o casaco de seu acompanhante ao lado do chapéu que ele também tirou.

E ela apontou-lhe para que sentasse em uma das confortáveis poltronas e partiu para preparar uma xícara de chá.

Horas depois, enquanto antigos olhares já não mais se envergonhavam, o magnetismo natural as atraiu com tanta intensidade que uma das xícaras se partiu ao cair sobre o assoalho, empurrada por um dos braços que se aproximou desajeitadamente para ampará-la durante o beijo que lhe foi roubado naquele instante.

E só lhe importava que seus lábios fartavam-se de saborear o doce encanto de olhos tão serenos a ponto de não se alterarem nem mesmo diante da queda que sofrera, mais cedo no parque. Ele a beijava vorazmente e o tempero em seu pescoço não o saciava, confundindo-o cada vez mais, e mais, e ainda mais, sem dar-lhe tempo para se decidir se deveria ajoelhar-se para contemplar tal divindade ou devorá-la após tê-la decifrado.

Mas os caminhos percorridos eram tortuosos e tudo se confundia, pois hora o mestre se embebia da concupiscência de um escravo e hora o escravo era dominado pela alacridade de quem impõe o jugo.

Entre beijos e abraços, a dança se intensificava e os rótulos se afrouxavam do invólucro de seus tabus. Ali, naquele instante em que ele não sabia se a nomeava ou o intitulava, num dos mais puros atos da paixão entre dois, e onde ninguém mais enxergava ou ouvia e apenas sentiam-se como o que eram — dois seres humanos desejando-se e tornando-se um — completaram-se sem nenhum arrependimento, enquanto levavam ao esquecimento o restante de um mundo aviltante que tivesse a audácia de tentar classificar o que somente cada um deles deveria saber.

E sua confusão ficara no passado, pois, dali em diante, enquanto se amavam ela era ele e ele era ela, e os dois, completos pela paixão e pela vontade de satisfazer os desejos que os satisfizessem, venciam juntos qualquer barreira que tentasse impedi-los de alcançar o ápice juntos.
Então, assim as paredes do quarto tornavam-se o os limites da magia que fazia com que ambos se entregassem aos seus desejos mais profundos.

Quarto Conto - InquebrantávelOnde histórias criam vida. Descubra agora