Capítulo IV - A tela em branco

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– Você tem algum desenho novo para me mostrar? – perguntou me sacolejando ao perceber que eu pestanejava. – Sei que está tarde e amanhã cedo você tem aula, mas você gostaria de aproveitar a noite longe do gigante raivoso e dar algumas pinceladas por aí?

– Um gigante é um ursinho de pelúcia em comparação com o meu pai – rebati soltando uma gargalhada entrecortada por outro bocejo. Recolhi a mochila do chão, retirando a pasta catálogo de dentro. Folheei até chegar aos meus últimos desenhos e a repousei em suas mãos acolhedoras.

Ela olhou um a um analiticamente como se fossem obras raras. – Magníficos! – exclamou ao fechar a pasta e se pôr de pé. – Tive uma ideia – murmurou deixando a sala e voltando logo em seguida com uma tela em branco embaixo do braço e a sua maleta de pintura em uma das mãos.

Repousou-os no chão próximo ao cavalete que continha sua pintura fresca. A retirou cautelosamente, olhando a sua volta em busca de um prego vago na parede, havia um ao lado da janela da cozinha, onde ela o acomodou. Fez um leve aceno com sua destra, convidando-me a me aproximar, pegou a tela em branco e a encaixou no cavalete. Em seguida puxou para perto de si um banquinho de madeira todo borrado de tinta e abriu sua pequena maleta de pintura sobre ele.

Ela voltou ao seu quarto, retornando com uma paleta de tintas em uma das mãos e um copo com diluente na outra. Sobre um de seus ombros repousava um pano todo respingado de tinta. Com um sorriso empolgado nos lábios, encaixou o copo em uma das cavidades da maleta, repousou o pano na lateral da madeira sobressalente do cavalete e me entregou a palheta de tintas.

Enquanto escolhia as tintas que iria usar na maleta e espremia suas bisnagas metálicas transferindo um pouco de seu conteúdo para palheta de madeira, Helena caminhava inquieta atrás de mim. Saiu novamente, mas dessa vez até a cozinha, abriu algumas gavetas e veio com uma comprida faixa preta em minha direção.

– Por favor querida, amarre o seu cabelo, que eu vou vendar seus olhos.

– Por quê? – comecei a rir. – Vai me sequestrar?

– Eu quero fazer um teste! – Começou a rir, aquela risada afável, que eu tanto adorava.

– Certo, eu serei sua cobaia? – indaguei ainda sorrindo.

– Não querida, eu já fiz isso diversas vezes comigo mesma – suspirou. – Esse é um meio de libertar sua criatividade através apenas do seu reflexo motor, você vai deixar sua imaginação focar em uma determinada coisa e vai conectar seu corpo aquilo que você quer transmitir, e tentar unificar as duas coisas.

– Mente e corpo em um só? Seria isso? – perguntei desconcertada.

– Isso! Você captou a ideia! – gargalhou.

– Um pouco, eu acho meio coisa de maluco, mas tudo bem! Quem sou eu para criticar seu processo criativo?

– Querida, todos nós somos meio malucos, uns mais que os outros – soltou outra risada. – Pois bem amarre essa juba e vamos criar arte!

Busquei no fundo dos bolsos de minha calça jeans alguma coisa para amarrar meus cabelos, até que por fim usei um par de lápis manchados com respingos de tinta seca, que repousavam na maleta. Helena se aproximou de mim, amarrou a tira em meus olhos, ajeitando bem de forma que não me causasse danos e permanecesse o mais confortável possível. Fiquei parada por alguns momentos pensando qual seria o próximo passo a ser tomado na absoluta escuridão, até que ela percebendo minha total falta de localização me deu um pincel nas mãos e girou meu corpo de forma que eu estivesse em frente a tela, que só percebi após ela empurrar minha mão com o pincel até tocá-la.

Anjos de pedra - Volume IOnde histórias criam vida. Descubra agora