O preço do seu silêncio

Capítulo 5

  Quando Antonie saiu da sala eu já estava quase sem ar, por alguma razão ficava tensa perto dele, sem reação. Como da última vez, ele saiu sem dizer nada, aparecia e sumia na mesma velocidade.
  Juntei minhas coisas e fui para a cafeteria comer alguma coisa antes das aulas da tarde com a Sra Maya.
— Salut bitch, onde se enfiou garota? -Disse Ethan sentado no sofá da cafeteria.
  Estavam na mesa ele, Gabriel e Gen.
— Fiquei a manhã inteira treinando, e vocês dois? Não vieram na aula?- Perguntei.
— Non, estava dormindo. -Respondeu Ethan com desdém.
— Eu estava na sala, consegui chegar mais rápido que o babaca, tive que treinar sem alongar, agora estou todo dolorido. -Falou Gabriel.
— Não te vi, viu minha humilhação pública? - Perguntei rindo para descontrair.
— Eu juro que se pudesse tinha te defendido, mas iam ser dois expulsos. -Gabriel respondeu.
— Tinha nada Gabriel, você é o queridinho dos professores. Lembra quando a Sra Maya me expulsou da sala porque meu celular tocou? Você não fez nada para tentar me ajudar e era meu namorado na época. - Disse Gen.
— Como assim vocês eram namorados? -Perguntei antes de raciocinar direito e controlar meu tom de surpresa.
— Não foi bem assim Gen, você estava chapada na aula e seu celular ainda tocou para aumentar a raiva da Sra Maya, nem a influência dos seus pais te salvaram aquele dia, eu não teria nem chance. E sim, namoramos quando tínhamos 15 anos, mas acabou faz muito tempo. - Falou Gabriel.
— Sim Marie, acabou, porque o Gabriel fudeu com tudo, mas já superei essa fase. -Disse a Gen levantando e saindo.
  O clima ficou pesado, para mudar o foco do assunto chamei a garçonete e pedi um café e uma barrinha de proteína. Percebi que o Ethan me olhou disfarçado com aquela cara de te conto mais tarde e só respondi com o mesmo olhar.
— Vai comer só isso? - Perguntou o Gabriel limpando a garganta.
— Não estou com fome. -Respondi.
  Na verdade eu estava, mas não tinha tempo para fazer uma refeição grande e passar no banheiro para vomitar. Odiava fazer isso, sabia que era errado, mas eu não conseguia parar.
— Ela nunca está. Amour, muitos bailarinos enfrentam transtornos alimentares, já procurou ajuda? -Ethan perguntou delicadamente.
— Porra Ethan eu não estou doente, só não quero comer, que saco vocês não são meus pais, eu não estou doente, não estou. - Gritei sem perceber.
  Não queria continuar aquela conversa, então peguei minhas coisas, paguei minha conta e sai. Eu não sou doente, não sou, é só as vezes que vomito, mas é pela minha carreira, todo mundo faz isso.
  Fui para sala da Sra Maya, me troquei e fui alongar. Gen já estava lá, mas nem uma de nós estava com uma cara muito boa, então nem falamos nada.
— Bonjour, hoje vou escolher as parcerias do semestre, os pares permanecerão juntos até o final dos testes de Coppélia. - Anunciou a Sra Maya.
  Eu pensei que cada um escolhia sua parceria, agora as chances de eu dançar com o Gabriel iam ser baixas. Preciso de um bom bailarino para ao menos ter chance nos testes.
— Charlotte et Isaac, Ethan et Genevieve, Megan et Steve, Elliot et Sophie, (...), Marie et Gabriel. -Terminou ela.
   Quase gritei na sala, não podia acreditar que consegui ele como parceiro. Olhei para ele e sorri e ele sorriu de volta, percebi que muitas bailarinas me olhavam feio, mas não contive minha felicidade.
— Très bien, commençons. Brisé volé, brisé volé, tendu cuisse, sissone, sissone (...).

  A aula foi longa e cansativa, mas eu adorei cada minuto, dançar com Gabriel era mais fácil do que eu imaginei, havia leveza, força, fogo, cada vez que ele me levantava era como se eu pudesse voar. Vi um quase sorriso da Sra Maya, o que era raridade, fiquei tão feliz que quase abracei ela, mas não o fiz porque provavelmente ela ia me expulsar da escola.
  Estava tão empolgada que perguntei ao Gabriel se ele queria ensaiar mais um pouco comigo no estúdio B, ele topou e fomos.
— Desculpa te fazer treinar mais, imagino que esteja cansado. -Disse enquanto ele ajeitava a sapatilha.
— Sem problemas, dançar com você não me cansa, na verdade me enche de energia. - Falou com um sorriso safado.
  Fiquei sem graça e desviei o olhar, mas não contive um sorriso de canto e percebi que ele viu pelo espelho.
— Ei, sobre aquilo que a Gen disse mais cedo, eu posso expli...
— Você não precisa me explicar nada, não me deve satisfação. - Interrompi.
— Mas eu quero explicar, não quero que pense que sou um babaca. Na época a Gen estava passando dos limites com as drogas, ela cheirava pó no banheiro da companhia para você ter uma ideia, eu já não conseguia ajudar ela, estava preocupado, ela iria se matar a qualquer momento. Então... -Ele parou e suspirou- Então eu conversei com os pais dela e eles a internaram em uma clínica de reabilitação por três meses, eu juro foi a pior coisa que eu tive que fazer, foram os piores três meses da minha vida, eu tentei visitá-la mas ela não queria me ver.
  Eu fiquei sem reação, não conseguia acreditar que a Gen tinha chegado nessa situação.
— Nossa, eu imagino como deve ter sido difícil, mas você fez a coisa certa, você a salvou. -Disse indo abraçar ele porque percebi que uma lágrima escorria pelo seu rosto e ele me abraçou de volta.
  Ficamos assim alguns segundos. Então ele segurou meu rosto com as duas mãos e olhou no fundo dos meus olhos.
— Obrigada Mar, é tão fácil estar com você, me sinto tão mais leve. - Falou Gabriel.
— Mar? - Perguntei
— Sim, apelido para Marie. Marie, você é meu mar, minha imensidão de pensamentos,  a mais bela vista, o melhor ponto de paz.
  Fiquei surpresa com aquela demonstração de afeto, porque não nos conhecemos a tanto tempo. Achei curioso, mas achei lindo, então ia dar um beijo na sua bochecha como agradecimento, mas ele se virou antes e encostou sua boca na minha e me beijou como ninguém mais tinha feito, segurou nas minhas costas e me puxou para mais perto. Se não fosse fisicamente impossível eu diria que ocupamos o mesmo lugar no espaço naquele momento.