Toque

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1969 - Era noite, Sanji caiu sobre o criado e o abajúr se espatifou no chão. Seu pai segurava a correia e não sentia nem um pouco de pena, mesmo encarando os olhos azuis e desesperados do filho. A mãe estava trancada no banheiro do quarto e sentada na tampa da privada, cobrindo os ouvidos e sentindo muito medo. Porém, o que a preocupava de verdade era a sua falta de vontade para proteger o próprio filho. Na verdade, ela só pensava em deixar todos. Em deixar Sanji. Que tipo de mãe abandonaria o filho? Por que não conseguia amá-lo? Ela sabia que Sanji não era como o pai.

No outro dia, Sanji resolveu andar até o túmulo de Kuina e pretendia evitar de ver Zoro. Vestia um casaco para esconder os hematomas da noite passada, e teve que andar a pé. Por sentir muita dor, não conseguiria montar numa bicicleta. O clima ainda estava um pouco quente, apesar do sol se pôr a alguns minutos. Sanji costumava visitar Kuina quando seu pai lhe batia, o corpo de Kuina fora enterrado debaixo de uma árvore, que ficava depois dos campos de centeios, e que ela gostava bastante. Os três costumavam se encontrar por lá, quando ainda era viva.

Mas acabou encontrando o marimo, a pessoa que menos queria ver nesse dia, fitando a lápide de sua amiga. Assim como Sanji, Zoro também costumava visitar Kuina quando se sentia mal. O loiro parou ao seu lado e o esverdeado continuou a fitar o retrato da amiga na lápide. Contudo, direcionou o olhar para Sanji depois de 1 minuto.

— Por que está de casaco nesse calor? E você veio andando? - Comentou depois de não encontrar a bicicleta do loiro por perto. - Sua casa é longe.

Sanji coçou o rosto, Zoro não fazia ideia das agressões que sofria de seu pai, mantinha em segredo. Não queria preocupá-lo mais ainda, até porque a vida do marimo era também uma merda. Seu pai bebia muito e fez Zoro ter o maldito vício ainda criança. Pelo menos, o marimo não ficava bêbado, como se algo sobrenatural o impedisse. - Estilo, tava a fim de andar. - Respondeu.

O esverdeado achou as respostas estranhas, mas não estendeu a conversa. Resolveu dizer o que lhe incomodava. Ao contrário de Sanji, Zoro falava abertamente sobre os problemas de sua família, muito por conta das fofocas que rodeavam a cidade. Como tudo era exposto, ele não via problema em contar, mesmo sendo um cara discreto. Era melhor Sanji saber através dele do que de terceiros.

— Minha mãe nos deixou. - Disse, voltando a fitar a lápide de Kuina, enquanto o loiro lhe observava e pensava que a sua poderia fazer o mesmo.

No entanto, Zoro começou a chorar e Sanji não pensou duas vezes em segurar sua mão. As mãos de um e de outro se envolviam cada vez mais e as lágrimas secavam com o tempo. O toque era tenro e nem ao menos se importavam de estarem suadas. Na verdade, trocavam olhares. Zoro aproximou os seus lábios nos de Sanji, que fazia o mesmo com o rosto indo em sua direção. Sentiam a respiração de cada um e os lábios secos imploravam pelo contato. Nesse momento, o loiro compreendeu por que sua mãe beijara sua amiga depois de uma crise de choros, mas desviou o rosto antes que acontecesse. - Não quero fazer isso na frente de Kuina, meu grande amor!!

— Ela não existe mais. - Disse seco e o loiro ficou bravo com sua falta de sensibilidade. - Mas também não acho uma boa ideia.

— É, só estamos tristes.

— Você tá triste por que motivo?

— Como assim? Kuina, meu amor, está morta! - Mentiu desesperado por Zoro desconfiar de algo. Estava triste com o que aconteceu na noite passada, mas Sanji não choraria nesse dia e na frente do marimo. Olhou pra cima e o céu laranja escapava entre as folhas da árvore, outra noite se aproximava.

1977 - Zoro dormia profundamente no sofá até sentir algo lhe incomodando. Abriu os olhos e deu de cara com um rapaz de cabelos escuros que soprava em seu rosto. Ao ver o esverdeado já puto em pouco tempo acordado, Luffy ajeitou seu chapéu de palha preso na cordinha para o topo de sua cabeça. Deu um sorriso largo. - Shishishi, seu namorado me pediu para te acordar pro café.

— Ele não é meu namorado. - Levantou o torso e esfregou os olhos, havia se esquecido que estava em Loguetown.

— Meu nome é Monkey D. Luffy!! - Apresentou-se mesmo não havendo uma pergunta. - Sou um amigo de Makino e moro nessa pensão.

Achou o garoto barulhento, como alguém podia ter tanta energia pela manhã? - Okay, okay, entendi. Agora desça, vou me arrumar e tomo o café.

Depois do garoto sumir, Zoro observou a paisagem da janela do quarto em que estava hospedado e deu de cara com uma parede de outro prédio, porém mais alto. Um pouco distante dali, se encontrava o porto. Não o via, mas sentia seu cheiro fedorento exalar pelo o ar da cidade e, portanto, resolveu fechar a janela. Foi para o banheiro lavar o rosto e notou que Sanji já havia colocado sua escova de dente no armário do espelho. Ele sorriu por ver a dele ao lado da sua, pensou que poderiam ser mesmo um casal.

Desceu a escada aos pedaços e ouviu um burburinho sair de um cômodo no térreo, percebeu que era a cozinha assim que espiou o outro lado da porta aberta. Sanji não parava de encher de mimos a senhorita Makino e Zoro revirou os olhos, cansado com essa atitude. Depois se sentou na mesa sem os dois perceberem, mas ficou horrorizado de como Luffy comia, sentado na cadeira à sua frente. O garoto engolia tudo e com muita pressa.

— Ora, Zoro se levantou! - Disse Makino, sorridente ao nota-lo. - O café foi feito pelo Sanji, não fazia ideia que seu namorado cozinhava tão bem. - Continuava sorridente.

Sanji teve um treco ao ouvir isso. - Não, senhorita Makino, não somos um casal!! - Pensava que tudo era culpa do marimo de merda por ter alugado só um quarto. Sim, economizariam mais, mas não era tão compensador quando era confudido com um namorado dele.

— Oh, que pena. - Makino parecia realmente desapontada, que Sanji quase disse que eram sim namorados para vê-la sorrir novamente. No mesmo passo, se perguntava se ela não havia notado que aquele tempo todo a xavecava. Mas deixou tudo pra lá, essa não seria a primeira vez que achavam os dois um casal. Resolveu buscar um prato e uma jarra de suco num canto da cozinha.

Zoro estava alheio ao que Makino disse, pois estava preocupado por Luffy ter comido tudo e não ter deixado nem uma maçã pra trás. O que tinha na barriga desse garoto?

— Marimo, toma. - Sanji serviu o prato e o suco que havia deixado separado. - Escondi para você, coma antes que Luffy roube de você. Esse garoto tem uma lombriga na barrica e seu braço parece que estica.

O esverdeado piscou os olhos, confuso, mas sorriu por Sanji ter tido esse cuidado. O loiro também sorriu ao vê-lo sorrir. - Muito obrigado, sobrancelha enrolada. - Agradeceu de boca cheia.

Era raro ver aquele rapaz carrancudo sorrir, que o loiro prezava esses momentos.

Durante a tarde, Sanji pediu a Zoro para se juntar a ele e organizar a pensão. O marimo ficou responsável por consertar o corrimão da escada, enquanto ele faria uma faxina no salão. Makino agradeceu os esforços dos rapazes e lamentou da pensão estar uma bagunça nos últimos tempos. Explicou que seu marido era quem costumava organizar os negócios, mas havia viajado para outro país. Sanji quase teve um ataque no coração ao saber que Makino era casada, Zoro riu de sua cara enquanto segurava alguns pregos nos lábios, martelava o corrimão quando a mulher veio com essa notícia.

Depois de terminarem os serviços, Makino deu o jornal do dia a Sanji, que pediu para ver a seção de empregos. Circulava com uma caneta azul os trampos que lhe interessavam e quando acabou, levantou-se da cama de seu quarto para jogar o jornal no rosto do marimo, que dormia profundamente no sofá.

— Que merda está fazendo?!

— Trabalho, marimo! O dinheiro que juntamos não é o suficiente e precisamos de um emprego para sobrevivermos nessa cidade.

Coçava os olhos com as palmas das mãos e se sentou na beirada do sofá. Sanji resolveu tomar um banho. Enquanto lia o jornal, Zoro se sentiu novamente inseguro. Será que os dois fizeram a melhor escolha? No entanto, se lembrou da vida fudida de ambos e concluiu que qualquer coisa era melhor do que aquela cidade. Levantou-se e se sentou na mesa redonda para circular os trampos que lhe interessavam, enquanto pensava em cuidar muito bem do sobrancelha enrolada nessa aventura.

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