O início

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1967 - A luz era escassa no templo da igreja, a tonalidade predominante era o marrom e o vinho escuro, presentes nas pinturas barrocas ou nos tapetes persas, até mesmo no vitral. O ambiente era iluminado por velas acendidas na maior parte do tempo pelos fiéis. Sanji ouvia o murmuro de todos rezando naquele silêncio amedrontador. A maioria eram de velhas viúvas e das pobres crianças obrigadas a irem a igreja como ele. Seus lábios se mexiam por rezar como os demais, mas seus joelhos doíam no degrau duro e de madeira. Rezava para aquela tortura acabar o mais rápido possível.

Zoro estava ao seu lado, outra criança obrigada a ir na igreja. Tinha os cabelos verdes e a pele queimada pelo sol. Os adultos achavam engraçado o fato dele ter uma expressão tão ríspida ainda tão novo, mas Sanji não o enxergava desse modo. Talvez porque era ainda uma criança ou talvez porque toda vez que se lembrava de Zoro, se lembrava também de seus sorrisos. Sejam sinceros ou debochados. O marimo se expressava quando conversava com Sanji. Os dois eram muito amigos, apesar das disputas e das implicâncias. Por esse motivo nunca se permitiram dizer que um era o melhor amigo do outro.

A manhã se recuperava de uma chuva, a mãe de Sanji achou melhor ele não brincar de bola com as demais crianças no campo ao lado da igreja. Era de terra e naquele momento se encontrava pastosa, iria sujá-lo. Sanji observava Zoro brincando muito feliz e sentiu inveja, mesmo estando com os seus joelhos doloridos para jogar. Ao ver seu amigo da sobrancelha enrolada parado ao lado do campo, Zoro largou a partida e se aproximou.

— Sobrancelha enrolada, vem! - Exclamou enquanto arfava o ar por estar correndo desde que o culto acabara, mas o sorriso raro estava ali, mesmo que fraco. Também estava suado e sujo.

— Não quero, vou pra casa almoçar. - Nunca diria que sua mãe havia lhe mandado não se sujar de terra, tinha certeza que Zoro não perderia a chance de chamá-lo de "mimado".

— Ora, que bicho te mordeu? - Sabia que Sanji amava jogar bola, inclusive ele era o melhor de todos no futebol. Mas um colega do time o chamou de repente.

— Estão te chamando, marimo.

Zoro olhou para trás e pediu para esperarem mais um pouco, voltou a olhar para Sanji, mas esse já estava de costas e um pouco distante, andava em direção a mãe, que conversava com os adultos estúpidos. Estalou a língua, pensando em como seu amigo era estranho às vezes e voltou pro campo.

Sanji morava numa casa boa e na parte da elite da cidade, diferente de Zoro. Dividia o lar com a mãe e o pai, mas nunca se sentiu amado pelo pai e toda vez que interagiam, ficava nervoso ao conversar com ele. Seu pai pensava em colocá-lo num colégio militar quando estivesse maior, porque o achava muito sensível. Mas Sanji percebeu que nem sua mãe tinha essa intimidade.

Assim que chegou, foi para o seu quarto no andar de cima. Pegou um creme na mesa da cabeceira e passou nos seus joelhos doloridos. Sua mãe o chamou e voltou para o andar de baixo. Descobriu que uma amiga dela havia chegado e que queria cumprimentá-lo. O garoto respondeu o sorriso, enquanto pensava que conhecia muito bem essa amiga. Quando era mais novo, depois de uma crise de choros de sua mãe, as duas se beijaram na cozinha e bem na sua frente. Provavelmente achavam que Sanji não se lembraria por ser muito novo e, sim, não tinha lembranças de muitas coisas, mas aquela se manteve em sua mente. Sanji nunca contou sobre isso a ninguém.

1977 - Tudo começou de um desejo. Um desejo de ter uma nova chance. Então, Sanji disse a Zoro para tentarem a sorte na capital. Os dois tinham 22 anos e Sanji era o único que dirigia, porque o outro tinha um péssimo hábito de se perder. Zoro não se lembrava mais do motivo de fazê-lo se juntar àquela aventura, mas estava ali no banco do carona, resmungando o quanto o seu amigo era doido e de ter conseguido colocá-lo nessa fria. Resmungo que Sanji fazia questão de ignorar, apenas respondia sorrindo com o cigarro pendido nos lábios, o que deixava Zoro mais puto com aquele alto astral que deixava transparecer. Estava lhe provocando?

— Qual é o seu problema?! - Perguntou ainda puto.

Sanji cantarolava suavemente, mas parou ao ouvir a pergunta do rapaz de cabelos verdes e que sempre andava com uma carranca. - Qual é marimo, nossa vida vai mudar para melhor em Loguetown! - Balançou o ombro do amigo. - Vamos lá, tente desengessar um pouco!!

Zoro tirou a mão do loiro de seu ombro com rispidez e passou a olhar pra frente, nem um pouco convencido. Era um final de tarde e não havia trânsito, pensou em dormir mais uma vez, contudo, o Opala vermelho em que estavam embarcados falhou até morrer. Sanji conseguiu a tempo colocá-lo no acostamento da estrada. - O que é dessa vez?

— O cabo deve ter soltado mais uma vez. - Soltou o cinto para sair do carro, depois abriu o capô.

Sanji ficou escondido atrás do capô aberto, e Zoro não pôde ver o que aconteceu quando o idiota gritou tão alto. Sem pensar duas vezes, o esverdeado saiu do carro preocupado com o amigo. - Tá tudo bem?!

— Sim... Só encostei o braço num lugar quente. - Alisava onde doía, Zoro planejava pegar o seu braço para ver o estado, mas o loiro entrou no carro para ligar a ignição antes que pudesse envolver suas mãos nele. Sanji deu um suspiro pelo Opala continuar a não reagir. - Acho que vamos ter que empurrar.

Os dois rapazes empurravam o carro no acostamento e ao ligar a ignição pela terceira vez, o automóvel voltou a funcionar. Sanji deu um sorriso largo para Zoro, que corou ao vê-lo. Naquele momento, se lembrou do motivo de entrar nessa aventura, ele não sabia dizer não aos seus sorrisos.

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