Segunda Carta

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My Sunny,

Já faz uma semana que eu tomei minha decisão, assim como tem uma semana que eu lhe escrevi minha primeira carta. Decidi que lhe enviaria todas no dia de minha partida. Talvez assim você não tenha tempo de vir atrás de mim.

Como começar mais uma carta de despedida? Como te contar o motivo de minha partida? Tenho certeza de que você seque imaginaria. Por hora, prefiro relembrar nossos momentos.

Ah, meu primeiro dia de aula. Você se lembra, meu bem? Chegamos com você me arrastando escola a dentro, afinal, se dependesse de mim naquela época, sequer teríamos entrado. Eu era muito tímido, não é? Por algum motivo, minha mãe permitiu que ficássemos na mesma classe e, mesmo que anos tenham se passado, nunca entendi o porquê. Havíamos nos perdido no caminho até o refeitório infantil e, de alguma forma, fomos parar na ala dos adolescentes. Ah, todas aquelas pessoas me assustaram e eu acabei fugindo, deixando você para trás. Estar sozinho naquele corredor me apavorava e, medroso como era, comecei a chorar.

Não demorou muito para que alguém me ouvisse. Foi ali que eu conheci Alex. Na época, não sabíamos que ELA na verdade era ELU, mesmo que os sinais já estivessem presentes. Você sabe tão bem quanto eu que Alex nunca foi uma pessoa paciente, sendo assim, ao me encontrar chorando, elu me sacudiu, com se para me acordar. 

- Você é um medroso! - elu disse, - Você é maior que eu e tá chorando por nada? - e riu.

Não me lembro de muita coisa após isso, e tenho certeza de que você não se lembra de me ver machucado no dia seguinte. Meus pais não gostaram de ter sido chamados na escola, afinal, eu havia me perdido lá dentro além de ter faltado a uma aula. Graças a Alex, que havia dito à diretora, vulgo mãe delu, o que verdadeiramente havia acontecido, eu não me machuquei tanto. Mesmo assim, minhas pernas ficaram roxas durante um bom tempo. Acho que agora você imagina o porquê.

Nossa amizade cresceu ao longo dos anos. Lembra-se quando, aos 9, aprendi a andar de bicicleta? Descer aquele morro não foi uma ideia muito inteligente, não é? Fiquei três meses com o maldito gesso no braço direito. Ao longo desse tempo, você se culpava pelo ocorrido, mas, bem, algo bom aconteceu: 1) ficamos mais próximos, já que era você quem cuidava de mim. 2) eu ainda tinha que ir para a escola já que, de acordo com minha mãe, -um osso quebrado não é motivo para ficar atoa em casa-. Então me tornei ambidextro.

Mesmo depois de tanto tempo, eu consegui esconder o meu sofrimento de você e nossos amigos. Quanto mais velho eu ficava, mais os abusos dos meus pais aumentavam. Apanhar por simplesmente respirar se tornou comum para mim. Com 7 anos, aprendi a limpar feridas e enfaixá-las. Aprendi a descobrir se eu tinha algum osso quebrado ou hemorragia interna. Aprendi a diferenciar os passos dos meus pais, a mentir e a não fazer barulhos ao andar ou comer. Tantas outras coisas que, ainda assim, nunca foi o suficiente para eles. Eu agradeço tanto, meu amor, por você não ter sofrido o mesmo que eu, por seus pais te amarem tão incondicionalmente.

Você se lembra da nossa primeira excursão? Íamos a um zoológico, uma excursão comum para os alunos do infantil. Lembro-me do quão apaixonado pelos animais você era e, estar ali, era como um sonho. Sua animação contagiou a todos, desde crianças a idosos. Por sempre pesquisar muito, você sabia diversas curiosidades sobre vários animais. Sendo puxado de um lado para o outro, eu escutava atentamente cada palavra dita por você, ficando fascinado com tudo que ouvia. Encantado com o local, vice chorou quando tivemos que ir embora, 4 horas depois. Consegui te convencer ao dizer que, um dia, voltaríamos ao zoológico. Até lá, você deveria pesquisar muito mais coisas sobre os animais para me surpreender.

Temos tantas memórias incríveis, meu bem, tantos momentos da nossa infância que fizeram de nós os homens que somos hoje. Tenho muito orgulho de poder dizer que fui seu.

Finalizo está carta pedindo-lhe que tome cuidado. Que cuide de si e que não tente brigar com os malditos homofóbicos. Eles dizem todas aquelas coisas por que sabem que vai te irritar. Apenas ignore-os, meu amor, e eles o deixarão em paz. Fique com as meninas, elas irão ajudá-lo a enfrentar minha partida. E por favor, não esqueça, eu te amo. E é por te amar que eu parto.

Com amor,

Your Moon.

Cartas para um amor PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora