Capítulo 12

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—Como vão me matar? — Eda fitou o tenente, voltando as costas para a pequena janela com barras de ferro que era seu único contato com o mundo exterior nos últimos quatro dias. 
— Diga-me, Ergin — insistiu, sem piscar. — Prefiro saber de uma vez do que ficar me preocupando.
O rosto dele escureceu, de fúria contida e fechou os punhos, na tentativa de sufocar a revolta impotente.
— Vão levá-la para a praça e deixar que a multidão a apedreje. Os pederastas covardes não têm coragem de fazer tudo eles mesmos, de forma limpa e digna.
Com a garganta apertada, Eda assentiu, engoliu a bile que lhe amargou a boca e conseguiu indagar:
— Quando?
Ele passou a mão pelos cabelos negros e cacheados, evitando os olhos dela.
— Amanhã ou depois. Tive de gastar uma verdadeira fortuna, mas consegui convencê-los a esperar a volta de Péricles. Quem sabe ele consegue demovê-los. Esperamos que chegue esta noite ou, no máximo, amanhã.
— E Serkan?
— Não sabemos dele — Ergin balançou desanimadamente a cabeça.
Ela fez um breve aceno de assentimento, com o rosto muito sério, pálido e o tenente deu um passo à frente. Estendeu-lhe as mãos, em seguida deixou-as cair ao longo do corpo. Sentia-se muito desconfortável com a mudança de papel e Eda sabia disso. Depois de desconfiar e antipatizar com ela por tanto tempo, via-se forçado pelas circunstâncias a tornar-se seu protetor. Era a única pessoa no mundo que se interpunha entre ela e o veredicto do Conselho. Sem jeito, procurou palavras para animá-la.
— Não abandone as esperanças ainda, senhora Eda. Mandei Erdem no barco mais veloz que pude alugar. Ele vai encontrar o capitão e o trará para cá. Eu mesmo teria ido, não fosse a senhora Helena me convencer de que seria mais útil aqui. 
 Controlando o pânico que ameaçava tomar conta dela, Eda ergueu a cabeça.
— Agradeço o que fez, tenente. Se... se eles vierem me buscar antes de Péricles voltar, ou Serkan, quero que saiba o quanto lhe sou grata.
— Faço isso pelo capitão — disse ele. — Ele é meu amigo, meu cunhado e meu superior...
— Sim...
Ergin hesitou, procurando o que dizer e nada encontrando.
Sem a facilidade que Serkan tinha com as palavras, lutou para descobrir algum modo de abrandar o medo que ela sentia e angustiou-se por não saber o que fazer. Em meio ao próprio desespero, Eda percebeu o que o atormentava e encontrou forças para tentar diminuir a aflição dele. Colocou a mão, de leve, no braço do tenente e sorriu com suavidade:
— Você fez tudo que a amizade e a honra exigem... e ainda mais.
A grande mão morena cobriu a dela e ficaram imóveis por um longo e silencioso momento. Por fim, Ergin também sorriu:
— Espero que o capitão aprecie meus esforços quando volta para casa e descobrir que seus baús de dinheiro estão vazios por causa do que tive de pagar aos idiotas do Conselho... — tentou brincar. — Então, talvez você não me agradeça, quando ele ficar furioso e exigir que o dinheiro seja devolvido.
Eda ficou rígida; sabia que o soldado não pretendia insultá-la, mas a magoara assim mesmo.
— Ah, que seja danada minha língua incompetente! — praguejou ele, percebendo o que fizera. — Não quis dizer que Serkan vai querer ser pago com...Hum...Que ele vai esperar que se deite com ele em retribuição ao...
Eda retirou a mão do braço dele e teve que fazer enorme esforço para livrar a voz da amargura que sentia:
— Não precisa ficar nervoso, acalme-se... Meu próprio tio me chamou de puta quando recusou a oferta do Conselho de trocar minha vida pela imediata retirada de suas tropas. E ele está certo. Entreguei-me ao inimigo, agora devo pagar o preço.
— Serkan não é seu inimigo.
— É inimigo da minha cidade, o que é a mesma coisa.
— Senhora Eda, escute-me — implorou Ergin. — Não sou hábil na arte de lidar com palavras, menos ainda em debates políticos. Conheço pouquíssimo sobre a sensibilidade das mulheres, como Piril me faz lembrar três vezes por dia. Mas sei como um homem pode se sentir e lhe digo que Serkan gosta muito da senhora.
Eda ergueu os olhos, uma esperança dolorosa consumindo seu coração. Talvez sua morte não fosse tão vil se morresse com o pensamento de que Serkan tinha por ela ao menos um pouquinho do amor que sentia por ele.
— Eu sei que ele tem desejo por mim— disse, com tristeza. — E que não se conforma em ficar sem o prêmio de campanha que significo. Mas ele disse algo sobre... sobre outros sentimentos a meu respeito?
— Não — admitiu Ergin. — Mas não precisava dizer, senhora Eda. Eu pude ver isso no modo como ele a olha.
A esperança cresceu e desta vez o sorriso dela foi menos triste.
— Gostaria de acreditar nisso, mas acho que se fosse verdade, uma pessoa tão capaz como Serkan encontraria um modo de expressar o que tem no coração.
Ergin se preparou para negar tal afirmação, mas Eda ergueu a mão, impedindo-o de falar.
— Não, isso não importa. Eu escolhi o caminho que estou trilhando, ninguém mais é responsável. Diga-me, como estão a senhora Aydan e Kiraz?
— Estão bem. A senhora Aydan lhe enviou mais comida e roupas limpas.
Ele indicou as cestas no chão da cela e Eda assentiu, agradecendo. Não era maltratada na prisão. Os guardas não abusavam dela e a senhora Aydan mandava por Ergin muita comida, roupas e recados pedindo-lhe que fosse corajosa e não perdesse a esperança. Kiraz lhe mandara sua boneca favorita, com a qual Eda dormia abraçada todas as noites.
Fora levada diante do Conselho duas vezes nos últimos quatro dias. Uma, para ouvir a proclamação formal que iam enviar a seu tio, acampado do lado de fora dos muros de Atenas, e outra para que ouvisse a resposta que ele mandara. Ficava trêmula e lívida de ódio, ainda agora, ao lembrar da resposta seca, dizendo que ele não se importava com o destino de uma
puta que se deitava com atenienses. Esperava que ele a renegasse, mas não daquele modo que acabava com qualquer dignidade que pudesse ter diante do inimigo.
— Preciso ir.
A voz brusca de Ergin desviou os pensamentos dela do tio e obrigou-a a encarar a realidade de mais um dia longo e solitário, assombrado por seus medos e apenas com as lembranças de Serkan para sustentá-la. Ele devia ter percebido que ela tremia, porque dessa vez aproximou-se e pegou-lhe as mãos.
— Se houver algo que eu possa fazer, saiba que farei. E não é só por causa do capitão — declarou, emocionado. —Minha esposa chora e arranca os cabelos, desesperada por sua ausência, minha mãe-no-casamento também não está muito melhor. E eu... eu não quero que você sofra, Eda. Você tem um coração de guerreiro dentro desse delicado corpo de mulher.
Os olhos de Eda permaneceram na porta da cela muito depois de Ergin ter saído. As palavras dele ecoavam em sua mente e reforçavam a coragem que ameaçava fraquejar. Por que se tornara tão fraca, tão sem fibra? Como permitira que aqueles hesitantes homens velhos que constituíam o Conselho de Atenas a assustassem? Ela era de Esparta, tão dura quanto qualquer um dos guerreiros acampados naquele momento fora dos muros da cidade. Se tinha de morrer, faria isso de uma forma que os atenienses recordariam por muito tempo, prometeu a si mesma. Passou a andar na pequena cela, enquanto formulava planos.
Lançou uma praga sobre o membros do Conselho e seus herdeiros, de forma a eliminar a continuidade da linhagem deles por toda a eternidade. Imaginou apoderar-se da espada de um dos guardas, quando estivessem a caminho para a ágora, onde seria apedrejada, e levar consigo tantos atenienses quantos pudesse. A cada esquema que imaginava e descartava, seu espírito ia se recompondo e recuperando a firmeza. À medida que a energia retornava, andava mais depressa pela cela e quando a porta foi aberta mais tarde, naquela noite, Eda saltou de frente para ela, o sangue agitando-se mis veias e os olhos castanhos iluminados pela perspectiva da batalha.
O homem que entrou piscou duas vezes ao encará-la e deu um passo involuntário para trás.
— Quem é você e o que deseja? — exclamou ela.
Avaliou rapidamente as roupas dele, de viagem e sujas, à procura de armas. Para seu desgosto, viu que ele não trazia espada em meio às túnicas, que se percebia serem ricas, apesar
de amarrotadas pelo longo uso. Não tinha sequer uma adaga, pelo que pôde perceber. Fechou os punhos com força, frustrada. Outra pessoa entrou em seguida na pequena cela. Para sua
surpresa, Eda reconheceu Aspásia.
— Este é Péricles— esclareceu a cortesã. — Ele veio falar com você, assim como eu e a senhora Aydan — acrescentou e deu um passo para o lado, indicando outra pessoa mais atrás.
— Senhora Aydan!— espantou-se Eda.— Como veio até aqui?
— Vim com Aspásia — disse a aristocrata ateniense, removendo o véu que lhe cobria o rosto. — Ergin está me esperando lá fora.
Eda sentiu um nó de emoção formar-se na garganta.
— Fico feliz por poder vê-las outra vez antes de morrer.— Falava com dificuldade. — Quero lhes agradecer por... por terem aberto suas casas para uma estrangeira. E principalmente a senhora Aydan, por ter me permitido ser amiga de Piril e de Kiraz.
— Não fale em morte — pediu a majestosa dama, os olhos cheios de um fogo verde que lembrava os de seu filho. — Você não vai morrer, não se eu tiver alguma autoridade nesta questão.
— Mas a senhora não tem autoridade alguma na questão — disse Eda com gentileza. — A sentença foi proclamada, mas eu lhes garanto que o modo da execução vai ser surpresa para muita gente.
Aspásia avançou, os lábios carnudos entreabertos num sorriso luminoso:
— Acha que nós, mulheres, concordamos assim fácil com as tentativas vãs dos homens de dirigir nossos destinos? Não, minha cara! 
Assentindo, Eda retribuiu o sorriso e declarou:
— Homem nenhum irá decidir meu destino. Pelo menos, não completamente. Só preciso me apoderar de uma espada quando vierem me buscar e farei meu próprio destino. O homem que for idiota o suficiente para encostar um dedo em mim não viverá o suficiente para lamentar ter feito isso.
— Talvez tanto heroísmo não seja necessário — disse Aspásia, com um sinal quase imperceptível para Aydan. — Esta senhora imaginou um plano muito engenhoso.
Ao fitar a matrona ateniense, havia profunda gratidão nos olhos de Eda. A surpresa e a humildade misturaram-se no outro sentimento em seu peito: a mesma mulher de quem  invadira a casa, incitando a filha à rebelião e dormindo vergonhosamente com o filho, arriscava sua reputação indo abertamente à casa de uma cortesã e ao presídio, na tentativa de lhe prestar ajuda!
— Não se envolvam nisso — pediu às duas mulheres. — É muito perigoso. Deixem que eu cuido de tudo sozinha.
Com uma risada, Péricles aproximou-se:
— Se vocês três já terminaram de arrasar as criaturas fracas e ignorantes que são os homens, sugiro que discutamos a questão. Não temos muito tempo.
Eda olhou o imponente estadista com certa suspeita e muita admiração. O nome desse homem excepcional gerava respeito até mesmo em Esparta, mesmo isolada do resto do mundo como era. Fora a mão dele que dera forma ao império de Atenas, controlando suas poderosas trirremes. Fora sua mente que concebera os belos prédios públicos que enfeitavam Atenas
e sua determinação é que fizera com que fossem construídos. Caindo em si, Eda tratou de lembrar a si mesma que ele era, afinal de contas, o inimigo e endireitou os ombros.
— Por que você veio aqui? — perguntou, fria.
— Porque não quero vê-la morrer.
— Por que não? Por que tanta preocupação com o destino de uma espartana?
Ele ergueu as sobrancelhas, como se não estivesse acostumado a tal beligerância em ninguém, muito menos numa mulher.
— Preocupo-me com minha cidade —respondeu Péricles, afinal, com um meio sorriso. — Pelo que seu tio disse, ficou evidente que ele não se importa com o que lhe acontecer e que vai usar sua morte para levar os guerreiros e os aliados à fúria.
Fazendo uma pausa, ele passou os dedos pela barba grisalha e respirou fundo.
— Escute-me, mulher — prosseguiu, então. -Estava em Corinto quando recebi a notícia de que seu tio marchava para Atenas.. Antes de sair da cidade, vi o modo confuso como os coríntios lançaram seus barcos na água. Eles queriam a guerra, mas ainda não estavam prontos; sabem que o inverno se aproxima e vai pegá-los no mar, mal equipados e sem suprimentos. Vão recuar depois de uma fraca investida, estou certo disso, a menos que algo ateie o fogo do ódio em seus espíritos. 
Ele a fitou nos olhos, com tranqüila segurança, e como Eda nada dissesse, continuou:
— Com a morte de uma frágil espartana nas mãos dos atenienses, ainda mais, covardemente apedrejada, os aliados de Naxos serão motivados a matar e morrer. Os tolos do Conselho agiram exatamente como seu tio queria: ele sabe muito bem que sua morte indigna vai enfurecer os soldados na medida que precisa. 
A ideia de que o tio poderia estar planejando friamente usar sua morte deixou Eda nauseada. O desespero contorceu lhe o estômago, mas ela ignorou-o e ergueu o queixo:
— Estou longe de ser uma "frágil espartana".
— Sim, posso ver isso... — começou o estadista em tom seco e calou-se ao perceber ruído de passos que se aproximavam.
— Grande Zeus, eles estão vindo! — exclamou e voltou-se apressado para ela. — Fale apenas quando lhe perguntarem qualquer coisa e siga nossa orientação em tudo que dissermos.  Muitas vidas, inclusive a sua, dependerão dos próximos momentos.
Eda ficou rígida pela tensão quando os homens chegaram à porta da cela. Eram três anciãos do Conselho e dois guardas. Olharam-na com suspeita, então de súbito perceberam a presença de Aspásia e da senhora Aydan.
— O que é isso, Péricles? — perguntou o soldado de rosto vermelho e barriga redonda, depois de se recobrar da surpresa. — Por que nos chamou? E o que estas mulheres estão fazendo aqui?
— Chamei-os para garantir que vocês, que juraram seguir as leis de Atenas, não se atrevam a ir contra elas.
Era impressionante ver e ouvir Péricles e Eda ficou fascinada. Deixando de ser um homem velho e cansado, ele tornou-se a lenda de que ouvira falar. Com uma parte do manto dobrado num braço e os ombros retos, ele dominava a pequena cela:
— Estas mulheres estão aqui para levar a senhora Eda de volta à casa dela, de onde não tinham o direito de removê-la — acrescentou, com sua voz rica e sonora.
— Não tínhamos o direito? Que besteira é essa?
Eda reconheceu o homem que desafiava Péricles. Era o arconte que lera sua sentença, sem olhar para ela ao fazê-lo.
— A espartana deve morrer — tomou a falar o mesmo velho do Conselho, vendo que ninguém dizia nada. — Quando o tio dela rompeu o tratado entre Atenas e Esparta, selou seu destino.
A barba longa de Péricles apontou para a frente quando ele ergueu o queixo, autoritário:
— Vocês não podem executar esta mulher — afirmou, com estranha tranquilidade. — Não têm autoridade sobre ela.
— O quê? É claro que temos! É uma espartana, uma refém.
— Ela é espartana, mas não é refém. Ela é esposa de Serkan, filho de Alptekin. Por nossas leis, a autoridade de vocês só vale sobre ele, não sobre ela.
— Pela barba de... — começou o arconte que discutira com Péricles.
— Como isto foi ocorrer? — interrompeu-o o outro.
— Por que ninguém nos contou? — reclamou o terceiro.
Eda mal ouvia as exclamações dos arcontes. Erguendo o rosto, fitou a senhora Aydan, viu a mensagem urgente nos olhos firmes, muito verdes, da nobre e não reagiu, a não ser por um quase imperceptível tremor de pálpebras.
O arconte mais velho conteve as exclamações com um movimento da mão:
— Por que não fomos informados desse casamento? Por que Ergin não o mencionou quando foi implorar em nome desta mulher?
A senhora Aydan avançou, com a dignidade da aristocracia ateniense irradiando de cada centímetro de seu ser.
— Porque ele não sabia. Ele estava fora, em viagem de casamento, quando meu filho reclamou esta mulher por esposa.
Os olhos do arconte se estreitaram, astuciosos:
— Perdoe-me, senhora Aydan, mas acho difícil acreditar que seu filho iria se casar com... com esta espartana sem dizer nada a ninguém.
Uma das sobrancelhas ruivas, bem feitas, ergueu-se com desdém.
— Duvida de minha palavra? — na voz da senhora vibrava uma sutil ameaça.
Uma expressão de desconforto surgiu no rosto do homem e ele olhou para os outros dois  arcontes; um deles, gordo, de aspecto paternal, adiantou-se em seu socorro.
— Graciosa senhora, passei muitas horas em sua casa, me deliciando com sua insuperável e renomada hospitalidade. Seu marido era meu amigo e tenho seu filho como tal, sem nenhuma dúvida. Por que Serkan não me convidou, e aos outros, para a celebração de seu casamento?
— Você iria celebrar, se fosse obrigado a tomar uma estrangeira como esposa? — A amargura vibrava em cada palavra pronunciada pela senhora Helena. — Iria celebrar se a criança que ela carrega no ventre nunca pudesse ter seu nome, nem ser cidadã da sua terra?
Chocados, os homens olharam ao mesmo tempo para Eda. Quando os olhares deslizaram para seu ventre, o desprezo evidente nos rostos curiosos espicaçaram-Ihe o indomável orgulho.
Não iria encontrar os deuses do submundo nas asas de tal mentira! decidiu no mesmo instante. Podia renunciar à sua honra por Serkan, mas não iria rastejar no chão diante daquelas ridículas e lamentáveis caricaturas de homens.
— Não estou grávida nem me casei com Serkan! — declarou, em alto e bom som.
A senhora Aydan se aproximou dela, insinuante:
— Pequena levada! Deitou com ele todas as noites, não foi?
Eda apertou os lábios e fixou os olhos no chão.
— Não foi? — insistiu a ateniense. — Responda, criança!
— Sim, deitei com ele. Mas...
— E quando ele partiu, agarrou-se nele, diante de todos que estavam no pátio! Não é verdade?
— Sim, mas...
— O que meu filho poderia fazer? O que faria qualquer homem, envergonhado diante de todos da sua casa? Ele a beijou e a reclamou como sua. Publicamente! Não foi? Não é verdade?
Eda estendeu a mão num gesto desesperado para a senhora Aydan:
— Não posso fazer isso! — Pela primeira vez, sua voz implorava. — Não posso destruir minha honra fingindo que havia alguma intenção de casamento no que Serkan me disse naquele momento, no que houve entre nós...
Péricles interferiu, então:
— Quer tenha ou não havido intenção, Serkan se casou com você. Ele a proclamou como dele diante de testemunhas, diante da própria mãe. Nossas leis são simples e diretas.
— Pensem no que estão fazendo! — pediu Eda, desesperada.— Você mesmo não se casa com Aspásia porque ela não é ateniense e apesar disso está ligando Serkan a uma estrangeira, alguém que impedirá que os filhos dele tenham os direitos de cidadãos! E está me unindo ao inimigo!
— Acha que não sinto dor ao ver um homem que considero como filho cometer erro tão desastroso? — indagou o estadista, em tom retumbante. — Pensa que a mãe dele não ficou o tempo todo combatendo a própria relutância em dizer a verdade nestes últimos dias? Não acha que estes homens honrados vão admoestar Serkan pela luxúria sem controle que o levou a esta deplorável situação?
Ele fez um gesto imperioso para os arcontes. As cabeças deles se moveram aprovando as severas palavras dele e Péricles dirigiu para Eda um sorriso oculto e triunfante. O hábil orador fizera os arcontes concordarem, sem que eles tivessem ideia de por que o faziam.
Eda desistiu de continuar se opondo. Péricles deu uma risadinha quando ele e Ergin escoltaram as mulheres escada acima, para fora do presídio, sob o céu estrelado. Uma escolta armada os esperava, assim como duas liteiras fechadas, o transporte das mulheres até suas casas. O tenente ajudou cortesmente a senhora Aydan a se acomodar numa das liteiras, então esperou por Eda, que se despedia do estadista e de sua cortesã.
Aspásia encontrava-se ao lado de Péricles, o braço passado pelo dele, o rosto suave e belo à luz do luar. Sua risada calorosa e baixa vibrou no ar cálido da noite.
— Foi maravilhoso, senhora Eda! Eu não estava certa de que conseguiríamos, mesmo com Péricles do nosso lado, mas sua representação de relutância em admitir o casamento convenceu os tolos que não podiam fazer mais nada.
Eda respirou fundo, antes de corrigir:
— Eu não estava representando. Não admito mesmo este casamento, assim como Serkan não o admitirá ao retornar.
— Oh, ele vai admitir, sim — disse Péricles. — Ele terá que fazê-lo. Foi uma cerimônia legal.
— Pelas suas leis pode ser — Eda ergueu o queixo — mas não pelas minhas.
Péricles voltou-se para a amante, a exasperação nada profissional num estadista transformando seus lábios numa linha fina:
— Ela é sempre assim cabeça-dura e falastrona?
Diante do assentimento silencioso de Aspásia, ele voltou-se novamente para Eda:
— Você está casada com ele, mulher, quer queira, quer não queira. E é melhor usar o tempo que lhe resta até ele voltar para se acostumar com esse fato.

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